Capítulo 10

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Os wildebears devem ter me abastecido com o melhor instinto de
sobrevivência do mundo, além de toda aquela força, é claro, porque entendi na
mesma hora: enquanto Alabaster e seu amigo permaneciam afundados de joelhos
no chão (aquele barulho terrível ainda explodindo pelas grutas), agarrei Touch
pela cintura, joguei-o nas costas feito um leitão e saí correndo pelo vão na parede
da gruta. Pode ter parecido que eu estava usando seu corpo como escudo, e meio
que era isso mesmo, mas tinha certeza de que eles não matariam Touch.
Precisavam dele vivo.
O barulho cessou de repente, o que só podia significar que eles logo estariam
na nossa cola. Alabaster e seu companheiro provocavam um clarão tão grande
por onde passavam que chegavam a iluminar até mesmo a gruta da frente. Logo
ao dobrar na segunda curva, o que pareceram ser cordas acabaram enlaçando
meus tornozelos. Caí de cara no chão e Touch caiu em seguida, esparramando-se
todo por cima de mim. Ele rolou pra fora das minhas costas e, quando enfim olhei
pros meus pés, vi tentáculos de luz rodeando minhas pernas e se estendendo de
volta até a gruta anterior.
Touch se ajoelhou e tentou puxar as cordas de luz. Mas elas nem sequer se
mexeram. Um segundo depois, Alabaster despontou na curva, segurando as
extremidades opostas. Ela tinha me laçado como se fosse uma vaqueira futurista e
eu, um bezerro. Não fosse pelo fato de que, graças aos wildebears, eu estava bem
mais pra predadora do que pra presa. Então, ora, só me restou inclinar pra frente,
segurar firme numa parte mais frouxa daquela corda toda brilhosa e tascar uma
mordida. Faíscas de luz explodiram por tudo a nossa volta e saíram voando na
direção de Alabaster, cuja única reação foi dar um passo pra trás. Quando dei por
mim, Touch já tinha empurrado o anel de ouro pra minha mão. O mundo todo
passou a girar como se estivéssemos no olho de um furacão. Dessa vez, como eu
já sabia o que estava acontecendo, senti uma onda maravilhosa de adrenalina,
além, é claro, da preocupação com a possibilidade de apenas acabarmos caindo
em outra parte daquela mesma caverna escura e sombria.
Mas, quando chegamos sabe Deus onde, as cordas em torno dos meus pés
ainda estavam lá, as mesmas tiras incandescentes de luz. Touch e eu nos
ajoelhamos pra desamarrá-las e aí nos valemos delas pra iluminar o caminho até
a saída, onde fomos recebidos pelo sol da manhã e o mais fantástico dos silêncios
à nossa volta.
Nunca na minha vida tinha ficado tão feliz ao ver toda a imensidão daquele
céu azul sobre minha cabeça. Respirei profundamente todo aquele ar
empoeirado, como alguém morrendo de sede tomaria um copo d’água de um só

gole — o que não quer dizer que não estivesse com sede também. Com sorte,
nossa água ainda estava nos esperando no acampamento. Não fazia ideia do
quanto tínhamos viajado no tempo. Mas tinha certeza de que Touch não tinha
levado a gente pro seu próprio tempo, porque, ainda que estivesse quente, a
temperatura me parecia bem familiar, digamos que suportável. Além do que a
outra metade do Grand Canyon se estendia por baixo dos nossos pés e por tudo ao
nosso redor, ainda muito longe de ser preenchida com água. Touch ficou parado
segurando o outro lado do anel; ambos ainda o segurávamos, na verdade. Ele
estava magro, desidratado e muito pálido, mais parecido com o cara que eu tinha
visto no SNAP do que com aquele que eu viria a conhecer melhor, uma vez na
estrada, em rota de fuga. Eu me recusava a até mesmo pensar, por um segundo
que fosse, em tudo o que Alabaster disse, que ele era alguma outra coisa senão
exatamente quem eu pensava que ele fosse: o homem que eu amava.
Nas grutas, quase tínhamos nos perdido sem que eu nunca tivesse dito aquelas
palavras. Quem poderia dizer o que nos aguardaria nos minutos seguintes? Não
podia deixar que outra oportunidade passasse.
— Eu te amo. Eu te amo, Touch.
Seu semblante mudou na hora. Seus olhos voltaram a brilhar e ele deu um
sorriso de canto da boca.
— Ei. Eu também te amo.
A coisa natural a fazer, em seguida, era dar um beijo. Mas é claro que não
podíamos chegar a tanto. Assim, o jeito foi só ficarmos ali parados nos encarando
no fundo dos olhos, nos embriagando com a visão do outro, enquanto a manhã à
nossa volta subia ainda mais brilhante.
Enquanto subíamos a ladeira de volta ao acampamento, Touch me disse que
não tinha levado a gente muito adiante no tempo, apenas ao dia seguinte. Isso me
pareceu um tanto arriscado, já que nada impedia aqueles caras de terem apenas
dado um giro por aí enquanto não chegávamos.
— Eu não acho que eles estarão nos esperando — Touch disse. — Primeiro,
eles não têm como saber em qual direção nós viajamos no tempo, ou até quando.
Segundo, aqui faz muito frio. Essas pessoas não são do tipo que gostam de ficar
desconfortáveis. Faz muito mais sentido que tenham voltado para casa e que
tentem me rastrear de lá.
Sua esperança era de que, viajando apenas um dia no futuro, nossas coisas
ainda estivessem no acampamento. Mas, quando chegamos, o lugar estava vazio,
nenhum sinal dos cobertores ou das roupas extras ou dos alimentos. Alabaster
deve ter levado tudo antes de voltar pro futuro.
Touch estendeu sua mão enluvada e pegou a minha. Apertou com força de
verdade, quase até esmagar meus ossos, como se aquela pressão toda pudesse
compensar a ausência de pele sobre pele. Mal tínhamos comido ou bebido ou
visto a luz do sol nos últimos dias. Não tínhamos dinheiro, não havia comida, não
havia mais nada, apenas as roupas que vestíamos. Mas tínhamos um ao outro. E
aí, naquele exato momento, isso fez com que nos sentíssemos as pessoas mais
ricas de todo este maldito mundo.

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