Se ao menos eu tivesse nascido naquele mundo, pra começo de conversa... Aí
sim eu poderia ter sido alguma coisa diferente. Não essa aberração ou um
monstro, mas alguém com um lugar pra chamar de seu. Só que essa
definitivamente não tinha sido minha sorte, e agora todo um inferno se abria aos
meus pés. De cara aquele idioma maluco deles. Eu sinceramente queria que
Touch tivesse me dado um daqueles tradutores. Porque não importava o quanto
aquilo acontecesse, eu simplesmente não conseguia me acostumar a esses
bandidos que se autoproclamavam aristocratas surgindo do nada e desaparecendo
no instante seguinte.
Num piscar de olhos, Touch se virou e saiu correndo pra cabine. Mal pude
acreditar que ele tivesse mesmo me abandonado, e minha primeira reação foi
correr até a lateral do barco pra mergulhar na água. Nenhuma bola alaranjada
saiu pairando atrás de mim. Só deu pra escutar o barulho de uma corrente
elétrica das mais imponentes, que pareceu ter desacelerado meus movimentos de
alguma forma, como se o ar estivesse superdenso, denso demais pra que eu
pudesse me mexer, e quente demais também. Desisti de correr e me virei. Lá
estava Alabaster com suas mãos estendidas e uns raios prateados irrompendo dos
seus dedos direto pra mim. Claro que a intenção não era a de me manter em
segurança ali, “protegida” por aquele escudo de energia. Muito pelo contrário. A
irradiação me dominava de jeito, derretendo a roupa que Touch tinha projetado, a
roupa que me protegia do calor, um fio de cada vez.
Olhei pra baixo. Pedacinho por pedacinho, o tecido foi desaparecendo,
expondo minha pele e me deixando cada vez mais nua. Será que eles não sabiam
o que minha pele era capaz de fazer? Lembrando de tudo o que Touch tinha me
dito, cheguei à conclusão de que talvez esse fosse o objetivo.
Os raios do sol foram ficando cada vez mais intensos, o calor cada vez mais
insuportável. A cada fiapo destruído, o frescor da proteção se esvaía um pouco, e
cada vez mais era como se alguém estivesse pressionando um punho cerrado
contra minha garganta. Mal conseguia respirar. Sentia como se fosse derreter.
Onde é que estava Touch? Não conseguia dar um passo que fosse. O tecido
que cobria minhas mãos já tinha derretido todo. Alabaster estava bem diante de
mim, com sua pele alva e perfeita, de algum modo inatingível pelo sol e, oh, tão
exposta por seus habituais trajes minúsculos. Se ao menos eu pudesse me livrar
daqueles raios que ela apontava pra mim, daria pra encostar minhas mãos nela e
sugar toda a sua vida.
Mas eu não podia. Quer dizer, mesmo que conseguisse, eu não poderia. Era
a mãe do filho de Touch e tudo mais.
De qualquer jeito, àquela altura minha moral não tinha importância. Eu não
conseguia me mexer. Os capangas tinham formado uma barreira, todos de pé
num círculo em volta do corrimão do barco. Da cabine, o Rei surgiu segurando
Touch pelos dois braços. Pela primeira vez naquele mundo, Touch estava usando
seu longo sobretudo de couro, e na mesma hora veio a dúvida sobre quais
dispositivos mágicos ele estaria carregando nos seus bolsos internos.
Alabaster baixou as mãos. Seu trabalho estava feito e eu me afundava no
calor, mal conseguindo respirar, não vestindo nada além de calcinha e sutiã. O
Rei continuou andando na minha direção, segurando Touch feito um escudo, e
entendi na hora qual era o plano. Queriam obrigá-lo a me tocar por tempo
suficiente pra que eu absorvesse tudo o que ele sabia, todos os seus dons e seu
conhecimento, não deixando nada além de uma casca vazia no lugar.
— Não adianta resistir — o Rei disse, e como eu podia entendê-lo, supus que
estivesse falando comigo e com Touch. — Se ao menos você não tivesse lutado
contra o que era seu por direito... — Sua voz parecia um tanto trêmula, como se
talvez estivesse mesmo passando por um momento de remorso por ter de matar
seu próprio filho.
— Não se preocupe — Alabaster disse ao Rei. — Seu neto herdará tudo o que
era para ter sido dele.
Aqueles dois... Tão gananciosos que chegavam a se regozijarem com o
momento, conversando um com o outro. Parabenizando-se por seus bens futuros.
Fazia tanto calor que já estava pra perder minha capacidade de
concentração. Tudo o que eu conseguia ver era Touch. Chegando mais e mais
perto. Quando levantei os olhos, foi como se ainda o visse de dentro daquela sauna
através da cortina de vapor, mas cerca de um milhão de vezes mais quente. E
mais quente. Quente pra diabo. Chegava a me engasgar com o próprio ar.
Enquanto o Rei o impelia cada vez mais adiante, mal era capaz de me perguntar
por que Touch não esboçava a menor reação, não lutava, não tentava dominar seu
pai, até que eu vi o mesmo tipo de raio prateado saindo dos dedos do Rei, a magia
de Touch roubada e deturpada, usada contra ele mesmo.
E contra mim. Eu era a outra peça do quebra-cabeça, a segunda parte da
arma, destinada a não só destruir o mundo que ele amava como também a ele.
Que ser humano desprezível eu era, tinha de admitir: me preocupava mais com a
segunda parte do que com a primeira. Dava até pra viver com a ideia de destruir
um mundo que não era meu. Mas destruir Touch? Nunca.
De algum lugar lá no fundo, tirei forças pra olhar bem nos olhos de Touch.
Pra tentar interpretar o que estava passando pela sua cabeça, do jeito que ele
sempre tinha lido meus pensamentos. E tive consciência de que não tinha estado
sozinha desde o dia embaixo daquela árvore de Tupelo com Cody. Desde que eu o
tive, Cody, dentro de mim. E aí foi a vez do gatinho, de Wendy Lee, dos wildebears
e de Tawa. E, de uma maneira diferente, a mais importante de todas, eu tinha
Touch. Então não foi só com a minha própria força, mas com a força de todos nós
que eu me arrastei de pé e dei um passo pra frente. Passei raspando por Touch,
meu braço descoberto quase roçou seu rosto de um jeito perigoso, e enfiei a mão
aberta na cara do seu pai.
O Rei estremeceu. Tossiu um pouco. Assim que cambaleou pra trás, soltando
Touch e perdendo a magia prateada dos seus dedos, tirei a mão. Por um instante
deu pra sentir o fluxo de uma nova pessoa correndo por mim. A última coisa que
eu queria na face da Terra eram as lembranças e os sentimentos do Rei, mas mal
tive tempo pra pensar nisso. O calor veio castigar de novo. Pude escutar os gritos
de Alabaster vociferando palavras chorosas e furiosas ao mesmo tempo. E então
Touch empurrou uma coisa maravilhosamente familiar pra dentro da minha mão
e nós dois saímos voando pra uma região desconhecida, o anel de ouro sendo o
único veículo de que precisávamos.
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X- Men: OToque Da Vampira
Teen FictionEu não criei nada, sou grande fã da vampira assim como vocês, e a Marvel lanco esse livro e eu sou obrigada a compatilhalo com vocês.