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família é do sul, mas eu sempre detestei o calor. Eu sempre quis me mudar pra
algum lugar onde fizesse frio, onde até caísse neve.
- Neve?
Precisei rir.
- Eu também nunca cheguei a ver. Lá pra cima, mais ao norte, onde é bem
frio no inverno, a chuva se transforma em neve. É essa coisa branca fofa -
mostrei pra ele a etiqueta da sua jaqueta, que tinha a imagem de uma montanha
com o topo coberto de neve. Touch tremeu todo só de olhar.
- É exatamente assim que o resto da minha família reage quando alguém
fala de temperaturas baixas. Mas, pra mim, o jeito que você fala soa até meio
glorioso. Deve ser algum tipo de gene trapaceiro
1, eu acho.
Touch me olhou, profundamente pensativo. Depois de um tempo, enfim disse:
- Eu acho.
Quando foi ao banheiro pra tomar uma ducha quente, desci até o saguão pra
usar o computador. Dessa vez consegui encontrar o que estava procurando no
Clarion-Ledger: um artigo na íntegra sobre Wendy Lee, seu coma e o "funcionário
insatisfeito" que a tinha deixado de cama:
Quando uma noiva em Jackson espera ter tudo do bom e do melhor em
seu casamento, ela sabe bem para onde ligar atrás do bolo. Mas os pedidos
neste verão não poderão ser atendidos, uma vez que Wendy Lee Beauchamp
permanece desfalecida em coma profundo, devido ao ataque de uma
cozinheira noturna demitida alguns dias antes.
"Todo mundo sabia que tinha alguma coisa sinistra naquela menina",
diz Maybelline Morling, proprietária do estabelecimento em frente à Padaria
Sunshine. "Fiquei tão feliz ao saber que Wendy Lee tinha despedido aquela
funcionária. E agora acontece uma coisa dessas".
O artigo continuava e acabou dando meu nome e minha descrição. Dizia que
eu tinha um metro e oitenta de altura (quem me dera! Maybelline deve ter sido a
responsável por essa estimativa, ela era como um chihuahua humano) e me
considerava "armada e perigosa". Também dizia que um telefonema feito por
mim tinha sido rastreado até Altoona, na Pensilvânia, e, como eu tinha cruzado a
fronteira do estado, o FBI poderia se envolver no caso.
Caramba. Acho que não devia ter feito aquela ligação. Mas de que outro jeito
eu ia saber tudo o que tinha acontecido com Wendy Lee? Aquilo, pelo menos, não
mostrava que eu me importava com ela? Maldito Curtis. Será que ele mencionou
pros jornalistas ou pra polícia que eu perguntei sobre a saúde de Wendy Lee?
Quando enfim voltei ao quarto, meu coração ainda não tinha desacelerado
nadinha, meu peito parecia mais um tambor sendo espancado tão alto que
imaginei até que Touch pudesse escutar o barulho do outro lado. Ele permaneceu
ali parado, vestindo sua calça jeans e sua flanela xadrez e seu colete de lã novinho
em folha. Dava pra ver sua samba-canção azul de seda saindo das calças, e ele
também usava um gorro sobre seus longos cabelos. Fui eu quem o convenceu a
vestir a touca de lã. Fui tomada pela memória de Joe Wheeler, ex-namorado de
Wendy Lee, dizendo pra ela que o segredo pra ficar aquecido era manter a
cabeça coberta.
- Você está se sentindo melhor? - perguntei.
- Com certeza. Sinto que estou me acostumando ao frio, de qualquer jeito,
ainda que aos poucos. Mas essas roupas têm me ajudado bastante. Sem dúvida
que sim.
Surpreendentemente, apenas o fato de ter escutado sua voz fez o que eu
estava esperando que fizesse: acabou me acalmando um pouco. Afundei-me na
cama e respirei fundo. Onde será que eu estaria agora se ele não tivesse
aparecido do nada com aquele velho Camaro ensurdecedor? Senti uma onda
profunda de nostalgia por aquele carro. Já tinha notado a concessionária da
Chevrolet no começo da estrada. Talvez, quando entrássemos lá sorrateiramente
naquela noite, conforme estava nos nossos planos, eu acabasse vendo se eles não
tinham algum modelo usado no estacionamento.
Touch não tinha ligado o aquecedor dessa vez, mas é claro que ele também
não ligou o ar-condicionado. Podia até não ser mais o Mississipi, mas ainda era
verão, e até mesmo em Ohio isso queria dizer que estava calor demais pra ficar
usando lã e couro. Tirei meu casaco. Touch permaneceu de pé ao lado da janela.
Fechou as cortinas com um puxão. Depois, virou-se pra mim e meio que apontou
o queixo em minha direção. Ele tinha uma covinha no queixo; mal dava pra ver, já
que a barba estava há um dia por fazer. Mas foi um dos gestos mais sexys que eu
já tinha visto ou mesmo sonhado.
- Vá em frente - Touch disse. - Continue.
Talvez, se minha pele não estivesse ardendo tanto, eu tivesse obedecido. No
começo, até que estava gostosa aquela vontade, mas de repente me veio um
desejo tão louco de partir pro contato, e tão perigoso, que senti não poder mais
resistir. Passei minha jaqueta de volta por cima dos ombros.
- Eu não posso - sussurrei. - Eu realmente quero. Mas simplesmente não
posso.
O rosto dele nem se mexeu. Ele só continuou ali, imóvel, com aqueles olhos
azuis arregalados e impossíveis de decifrar. Então, ele se aproximou e sentou na
cama ao lado da minha, o que já tinha se tornado nossa posição clássica, sentados
em diferentes camas, um encarando o outro e com nossos joelhos apenas a
poucos centímetros de distância.
- Vampira.
- Vampira o quê?
- É assim que eu vou chamar você. E não de Anna Marie. Em analogia
àquele gene trapaceiro, que a impede de aproveitar o calor.
Claro que eu poderia ter tomado isso como um insulto. Uma parte de mim, a
parte teimosa, queria dizer que ele não tinha nada que mudar meu nome. Daí
pensei em como as pessoas que tinham dado meu nome de batismo (mamãe e
papai) tinham sumido em busca de algo que consideravam bem mais interessante
do que eu. E pensei também naquela garota que eu costumava ser, aquela que
sonhava em viajar, aquela que vivia com a pele exposta ao mundo todo porque
nenhum mal senão o pecado poderia partir dela. Aquela garota estava a um
milhão de quilômetros e a um milhão de anos de distância. Deixou de existir no
segundo em que Cody Robbins desabou no chão debaixo da árvore de Tupelo.
Então por que não simplesmente dar a ela um nome novo, junto com todo o resto?
Vampira me cairia muito bem.
Eu estava sentada ali na cama do hotel, com Touch a poucos centímetros de
mim. Mas ele bem poderia estar até a cinco estados de distância, já que eu nunca
teria a chance de sentir sua pele contra a minha. Do jeito que eu queria.
- Vampira - Touch disse, praticamente sussurrando. - Essa situação vai
nos exigir um pouco de imaginação.
Fiquei sem reação por um segundo, mas logo concordei. Sabia exatamente o
que ele queria dizer. E, enquanto Anna Marie não tinha lá muita imaginação pra
esbanjar nesse departamento, Vampira estava começando a construir toda uma
enorme reserva.

#Cada página tem uma música ou foto que eu gosto, porque nessa história tinha que ter um pouco de mim.

X- Men: OToque Da VampiraOnde histórias criam vida. Descubra agora