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- Touch. O que aconteceu pra você ficar nesse humor tão distante hoje? Não
é por causa dela, é?
Ele olhou pra mim por um minuto, como se não tivesse certeza do que eu
estava falando. Então disse:
- Ah. Alabaster. Bem, de certa maneira, até que é. Quer dizer, ela é parte
disso tudo. Mas não do jeito que você está pensando.
- O que você quer dizer com "do jeito que estou pensando"?
Podia sentir minha voz ficando cada vez mais na defensiva, e isso acabou me
deixando ainda mais na defensiva de fato. Sabe, nunca tinha tido um namorado de
verdade antes. E lá estava eu com um homem adulto que tinha uma esposa, e a
única experiência na minha cabeça pertencia a Wendy Lee, mais do tipo que
atirava vasos ou catava logo uma espingarda. Na verdade, naquele exato
momento, relembrando o rosto muito bonito e visivelmente maligno de Alabaster,
e observando o olhar confuso e preocupado no rosto muito bonito e visivelmente
não maligno de Touch, eu podia escutar a voz de Wendy Lee dentro da minha
cabeça: Docinho. Em nove de cada dez vezes que você achar que um homem pode
estar mentindo, você está com a razão. E não importa qual é a impressão que você tem
dele agora. Eu estou aqui pra lhe dizer que um homem nunca abandona sua esposa.
Não por um tipo como você, de todo modo.
Ele já tinha abandonado sua esposa, pensei. Mesmo antes de eu aparecer.
Isso deve valer alguma coisa, certo?
- O que eu quero dizer - Touch disse -, é que eu não estou pensando nela
de uma maneira romântica. Faz um tempo que não penso nela dessa forma... -
sua voz foi sumindo. - Eu só espero que meu filho esteja seguro. Queria ter
tirado o menino dela antes de vir para cá. Eu espero... espero um monte de
coisas.
Pode ter sido pura malícia da minha parte. Mas podia jurar que ele estava
com a cabeça cheia de dúvidas. Arrependimentos. O que poderia significar que
estava disposto a voltar ao Planeta Touch e me levar com ele, tudo por conta
própria!
Ainda assim, me sentia mal com ele parecendo tão preocupado e culpado
daquele jeito, como se tivesse mais pensamentos do que uma pessoa é capaz de
suportar passando pela cabeça. Então, disse:
- Beleza, Touch. Vamos pegar um barco.
Ele esboçou um sorriso, e então finalmente deu uma mordida no sanduíche.
Um olhar estranho apareceu no seu rosto, como se ele tivesse acabado de ser
envenenado. Colocou a mão na garganta ao engolir a seco.
- O que diabos é isso? - ele disse, com a língua de fora. Era o primeiro
gesto dele que eu via e não podia dizer que era elegante.
- Como assim, é manteiga de amendoim. Não tem esse tipo de coisa no
lugar de onde você veio?
- Não. - Ele pegou uma garrafa d'água e deu uma grande golada. - Não
tem.
E mesmo que eu nunca em minha vida tivesse conhecido uma pessoa que
não gostasse de manteiga de amendoim, percebi que cada coisinha que ele não
fosse gostando do planeta Terra acabaria sendo revertida a meu favor.

Tinha um monte de coisas legais por Escalante. No caminho pra alugar um

barco, Touch e eu paramos pra entrar na cavidade de uma pegada fossilizada de

dinossauro. Tentei explicar pra ele um pouco sobre os dinossauros e a evolução.

- Algum dia, eu vou te mostrar uma imagem em algum livro. Eles eram

como lagartos, só que maiores. Muito, muito maiores. E alguns deles podiam

voar.

Ele me olhou como se eu fosse meio maluca e ajoelhou-se para tocar o solo

endurecido que formava a pegada.

- Muito fascinante - ele disse. A maneira como ele disse me fez lembrar

que, lá de onde veio, ele era um cientista. - Lembra de quando você me

perguntou como as pessoas com poderes, as pessoas como você, ficaram assim?

É exatamente o que você está falando. Evolução. Mudanças graduais,

principalmente, mas às vezes súbitas e que estabelecem um único membro de

uma determinada espécie para além dos demais.

- Você quer dizer que um dia todo mundo vai ser como eu?

Ele olhou para mim e sorriu. Então disse:

- É o que se espera.

Preferi não salientar que isso praticamente significaria o mundo inteiro em

estado de coma.

Na pequena marina, encontramos um índio navajo que vendia joias feitas à

mão e alugava barcos. Ficamos com o que Cody teria chamado de uma voadeira;

apenas um pequeno e simples barco de pesca com um motor de popa. Mesmo

com Touch sendo o único que tinha vindo de um lugar formado basicamente por

água, fui eu quem dirigiu. Cody já tinha tido um igual àquele, em que costumava

viajar pelos igarapés e no rio Mississipi, quando estava calmo o suficiente. Touch

enfim desandou a falar, tagarelando sobre a forma como os meios de transporte

eram diferentes em seu planeta, nada desse negócio confuso de gasolina

derramando e destruindo a água. Ficou bem horrorizado com a mancha que

nosso pequeno barco estava deixando pra trás.

- Faz sentido vocês não terem gasolina já que não tiveram dinossauros - eu

disse. E expliquei o pouco que sabia sobre combustível fóssil. - Eles dizem que

isso está destruindo o planeta, tornando o mundo mais quente. Por causa da...

camada de ozônio e tal.

Esperava que Touch ficasse muito mais interessado no assunto, mas ele se

calou de novo. Queria saber mais sobre o tema pra poder impressioná-lo com

meu conhecimento. Tinha sido uma aluna muito boa na escola, mas nossas aulas

de ciência não tinham tratado por muito tempo sobre as mudanças climáticas, já

que a legislatura do Mississipi não dava muita atenção à teoria. Provavelmente

estava ficando cada vez mais claro pra Touch que eu não tinha nada de cientista.

Ficava imaginando se Alabaster tinha sido uma.

- O que Alabaster faz, afinal? Pra ganhar a vida, quero dizer.

- Ganhar a vida? - aquele olhar de novo, e ele se virou, olhando novamente

a paisagem. - Eu não sei. É difícil explicar. Tudo funciona de forma tão diferente

aqui. Algumas coisas simplesmente são impossíveis de se traduzir.

- Bem... ela era uma inventora, uma cientista, como você?

- Não. - Ele não conseguiu ir além disso.

X- Men: OToque Da VampiraOnde histórias criam vida. Descubra agora