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Antes, quando imaginava o futuro, era como nos filmes, com prédios altos e
prateados e carros voadores atravessando o céu. Em vez disso o que vi foi uma
paisagem primitiva, despoluída e tão clara que dava pra imaginar que, a qualquer
momento, Deus afastaria os raios do sol como se fossem cortinas e os
atravessaria. Pressionei a cabeça contra o vidro e senti seu calor tentando pulsar
pelo frescor do quarto. E então a janela ficou escura, como se alguém de repente
tivesse pintado o vidro pra que eu não pudesse mais ver. Suspendi repentinamente
minha cabeça, como se ela tivesse sido escaldada. Pressionei minha mão contra
a janela e todo aquele negrume desapareceu. Não era nada demoníaco. Somente
a versão futurística das persianas.
Havia duas portas no quarto, e uma delas dava pra um banheiro com piso de
cerâmica branca. Deu pra ver uma banheira bem funda. Do lado oposto estava a
segunda porta, uma porta como nenhuma outra que eu já tinha visto, madeira
branca, com uma bela maçaneta de cristal que, de certa forma, combinava com
a cabeceira da cama, mas não muito. Detalhes bonitos e sutis. Atravessei o quarto
e levei a mão à maçaneta. Não girava. No fim, ali no futuro, pelo menos naquele
quarto, o que mais se assemelhava ao passado era o fato de eu continuar sendo
uma prisioneira.
Fui até a poltrona e peguei a roupa que tinham deixado pra mim. Um
macacão verde meio brilhoso, feito do tecido mais leve e macio que eu já tinha
sentido. Fechado pela lateral, do quadril até o braço. Tinha uma gola que ia até o
queixo e luvas embutidas, até mesmo meias embutidas, como um macacãozinho
de neném. Não dá pra dizer que fiquei empolgada com o fato de ser obrigada a
vestir um uniforme de prisioneiro, que era o que aquilo era de verdade, não
importava o tanto que fosse lindo, nem como acabava protegendo os outros de
mim. Aliás, ele era até um pouco adequado demais pra isso. Com aquela roupa,
se por algum motivo eu precisasse usar meus... dons, como o pai de Touch tinha
chamado, eu teria de dançar de rostinho colado com a pessoa que quisesse
atacar.
Mas, por outro lado, a roupa do Exército da Salvação não disfarçava que
alguém tinha dormido com ela por dias a fio. Coloquei o macacão de volta na
poltrona e fui pro banheiro. A privada estava cheia de terra em vez de água, e
havia uma cordinha pendurada no teto que devia ser a descarga. O cômodo tinha
suas próprias janelas, e por elas pude ver outro prédio. Tinha o formato de um
longo túnel, da mesma cor avermelhada que o solo, e imaginei que, de longe,
deveria se confundir facilmente com a paisagem.
Pressionei minhas mãos contra as janelas, senti um calor pulsante, e então o
vidro escureceu. O box era meio engraçado, bem fundo no chão feito uma
banheira, com degraus ladrilhados e uma ducha suspensa. Não havia cortina nem
registro. Tirei minha roupa e desci pela escadinha. Assim que me posicionei
embaixo da ducha, a água começou a jorrar, e tratei de me preparar pras
temperaturas escaldantes que Touch tanto gostava. Mas não estava assim tão
quente, apenas o suficiente, e apesar da minha situação totalmente incerta, não
pude deixar de suspirar quando a água quente bateu nas minhas costas. Vi
algumas toalhas brancas, grandes e felpudas penduradas na parede. Até então,

aquele cárcere estava se saindo bem mais luxuoso do que o que eu tinha deixado
pra trás em Lukeville, no Arizona.
Mas não deixava de ser uma prisão. E à medida que o tempo passou, fui
ficando mais e mais certa disso, empacotada no meu macacão verde e
circulando pelo quarto até que meu cabelo estivesse seco. E eu estava faminta.
Lembrei da bandeja de comida na minha outra cela. Quase me fez sorrir, pensar
na guarda de fronteira vasculhando a cela toda sem encontrar nada, e aquela
bandeja de comida ali parada, intocada — a não ser, é claro, que um rato tenha
saído pelas rachaduras nas paredes e comido um pouco. Mas logo meu estômago
tratou de roncar, me lembrando de que minha última refeição tinha sido as
batatas fritas e o cachorro-quente na fronteira. Mal tinha dado um gole no
refrigerante, e minha boca estava seca de matar.
Alguém bateu do outro lado da porta, uma batida gentil e discreta. Fiquei
paralisada. Será que eu deveria responder “Pode entrar”? Não dava pra dizer que
eu estava com muita vontade de fazer isso, considerando que não fazia ideia de
quem entraria. Por outro lado, talvez fosse Touch. Botei a mão no peito, sobre o
coração.
Antes que pudesse pensar no que fazer, a maçaneta de cristal verde girou.
Nem um fio de cabelo se mexia na minha cabeça. Seria demais esperar que
Touch entrasse por aquela porta, e me lembrei de não fazer nada imprudente.
Porque o que eu queria fazer mesmo era sair correndo pela porta, passar por
quem quer que fosse que estivesse ali e tratar de encontrá-lo o quanto antes. Só
que a coisa mais inteligente no momento, sabia bem, seria ganhar tempo, situar-
me um pouco e descobrir o que eu teria de fazer pra chegar até ele.
A porta se abriu. Não era Touch. No lugar dele entrou Alabaster, toda
agasalhada em um casaco de pele, luvas e um chapéu de tricô, tudo branco. Ela
fechou a porta e escutei um suave clique. Estávamos trancadas lá dentro, e
quando ela tremeu (uma bela estremecida), eu sabia bem que não era medo de
mim. Lançou-me um sorriso discreto, como se sentisse pena e me odiasse ao
mesmo tempo, e pude sentir minha própria tremedeira, um pouco menos bela.
Alabaster parecia uma boneca de porcelana. Tinha um rosto lindo, grandes olhos
azuis e lábios vermelhos. Covinhas. Seus cabelos saíam do chapéu em ondas
suaves e loiras, e eu podia apostar que ela tinha feito aquele penteado de
propósito. Queria estar linda e maravilhosa pra quando ficasse cara a cara
comigo, o que acabou dando certo até demais.
— E cá nos encontramos novamente — ela disse na minha língua, com o
mesmo sotaque elegante de Touch. Fiquei enjoada ao perceber as semelhanças,
como se ele pertencesse mais a ela do que a mim. Antes que eu pudesse
perguntar como ela tinha aprendido a se comunicar comigo, enfiou a mão no
bolso e tirou uma bolinha de energia vermelha, igual à de Touch. Um tradutor.
Deixou que flutuasse sobre a palma da sua mão por alguns segundos, depois a
guardou de volta no bolso.
— Ele faz coisas incríveis, não é mesmo? Um homem tão talentoso. Foi por
isso que me apaixonei por ele.
Sabendo que ela me entenderia perfeitamente, não conseguia pensar no que
dizer. Então disse a única coisa que tinha pra dizer a ela, a única coisa que eu

X- Men: OToque Da VampiraOnde histórias criam vida. Descubra agora