capítulo 14

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Touch e eu dormimos no interior do barco, em uma cabine das mais
aconchegantes. Ele acabou me contando um pouco mais da história toda. De
como não deixava de ser verdade que Arcádia tinha caído (o Rei e seus súditos
tinham reconquistado os castelos e expulsado o povo, que teve de voltar aos barcos
pesqueiros). Mas Arcádia não se entregaria assim tão fácil, não sem antes lutar; e
o povo já estava se reorganizando, por terra e por mar, pra reconquistar seu
mundo.
— É algo que não víamos há centenas de anos. Uma guerra. E se estenderá
por um longo período, pelo visto, e não será nada agradável. Bastante perigosa.
Meu pai está em menor número, mas seus súditos têm armas muito poderosas.
No fim, acredito de coração que Arcádia acabe vencendo.
Perguntei por que ele não tinha ajudado Arcádia, pra começo de conversa, se
não era de fato um prisioneiro.
— Porque eu sabia que eles ainda estavam à sua procura. Não poderia
arriscar que eles a encontrassem sem que eu tomasse conhecimento disso.
— Mas... Touch, o que foi aquele beijo?
Ele sorriu, parecendo estar um pouco envergonhado.
— Eu precisava que você corresse. Foi o único jeito que encontrei de garantir
sua segurança. Não teria funcionado dentro daquela cela.
— E agora que você está livre?
— Eu vou para a guerra.
— Então Arcádia vai contar com sua ajuda. Você pode construir armas pra
eles.
Touch concordou com um aceno solene de cabeça, e fiquei imaginando
contra quem aquelas armas seriam usadas, sua própria família. Acho que eu
deveria estar apavorada, ou pelo menos com medo. Mas a verdade é que me
sentia maravilhada. Não queria nem dormir. Depois que Touch pegou no sono,
ainda fiquei acordada, com minha cabeça no seu peito e meus braços enrolados
em volta dele. Sentia-me tão bem por estar no seu tempo, ao seu lado. Sentia tanta
pena da garota que eu costumava ser, aquela que queria fugir de casa, de
Jackson, sem ele. De uma coisa tinha certeza: nunca mais queria ficar longe dele
de novo.
Enfim, o sono bateu, derrubando até minha felicidade. Acho que dormi a
noite inteira com um sorriso gigante estampado no rosto. Quando acordei, Touch
estava deitado ao meu lado, com uma das sobrancelhas arqueada, observando-me
enquanto eu dormia.
— E aí, terráquea?

— E aí, terráqueo? — Levei minha mão até seus cabelos, e ele os segurou
pelas pontas e fez cócegas no meu nariz, o que me fez sorrir.
Subimos ao convés e tomamos o café da manhã que ele tinha preparado.
Frutos do mar de novo. Desta vez algum tipo de marisco com um molho
marrom, ainda mais delicioso do que a refeição que o Rei tinha me servido. Só
que eu não conseguia me concentrar muito na comida.
— Mas então... Cotton está com o povo de Arcádia agora?
O semblante de Touch foi tomado por uma tristeza profunda.
— É uma decisão difícil de ser tomada — ele respondeu. — A verdade é que,
apesar de todas as falhas de Alabaster, ela ama o filho. Mas, se eu o deixar com a
mãe, ele acabará crescendo como eu, corrompido por todas aquelas crenças
equivocadas. E se eu o levar para Arcádia...
— De um jeito ou de outro — interrompi —, ele cresceria no meio de uma
guerra.
— E nunca estará seguro em nenhum dos lados. Mesmo com Arcádia, seu
histórico familiar irá persegui-lo.
— Você tem o mesmo histórico.
— E eu por acaso disse que estaria seguro? Eu nunca estarei seguro,
Vampira, não neste mundo. Não até que tudo esteja acabado. Mas isso não quer
dizer que eu não queira ou que não tenha de permanecer firme e lutar.
— Você tem que fazer a coisa certa — eu disse, toda orgulhosa dele.
Touch concordou. Parecia estar triste de verdade.
— Tem sido uma série de decisões difíceis. Como o fato de que o melhor
para as duas pessoas que eu mais amo é que fiquem longe daqui. De mim.
Balancei a cabeça, como se concordasse. Um segundo depois, a ficha caiu.
— Calma lá. Quê?
— Vampira. Você sabe bem que eu tenho de tirar você daqui.
Eu disse a mim mesma pra manter a calma. Tinha de confiar nele. Por isso
esperei pra ouvir o resto, imaginando que ele fosse me levar pra algum foco
rebelde. Sei lá, talvez um posto avançado no meio do oceano ou um pedaço de
terra em outro continente.
— Mas então... pra onde a gente vai? — perguntei.
— Você irá voltar.
— Voltar pra onde?
— Ao seu próprio tempo.
Não foi bem por causa da roupa especialmente projetada por Touch que todo
meu corpo gelou na hora.
— Não. De jeito nenhum. Não vou fazer isso.
— Vampira...
— Não!
Não quis nem saber o quanto aquela comida estava deliciosa. Peguei meu
prato e o arremessei feito um frisbee. O marisco, ou o que quer que fosse aquilo,
saiu voando pelos ares e caiu na água, o que acabou mostrando o quanto
estávamos longe em alto-mar, já que não apareceu um pássaro sequer pra
mergulhar atrás dele.
Touch se levantou e deu alguns passos na minha direção. Não gritei, mas

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