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— Por que seria, mesmo? Ah. Ele me convocou uma segunda vez. Para salvá-
los nas grutas.
— Salvar a gente? Não é bem como eu penso que tenha acontecido.
— Mas você estaria morta se não tivéssemos chegado.
Eu não conseguia pensar em uma resposta. Não conseguia pensar em nada.
— Cadê o Touch?
Alabaster deu um passo ao lado e abriu a porta. Acenou pra que eu me
aproximasse.
— Venha, sua impaciente. Eu a levarei até ele. Você então poderá ver com
seus próprios olhos.
Pisei no corredor esperando ser fulminada pelo calor. Em vez disso, parecia
estar apenas um pouco mais quente do que dentro do quarto. Enquanto isso,
Alabaster começou a tirar suas roupas e pendurá-las em ganchos do lado de fora
do quarto. Havia vários ganchos, com roupas maiores, parecendo masculinas, e
ao ver isso uma sensação terrível de medo enfim começou a me tomar. Já era
ruim o suficiente que a ex-mulher do seu namorado pudesse entrar no seu quarto
sem bater antes, a hora que bem quisesse. Mas pensar que homens estranhos
tinham o mesmo privilégio? Não dava pra engolir isso, nem naquele momento
nem nunca. Assim que tirou todo o seu traje de frio, Alabaster ficou de pé na
minha frente usando um biquíni branco de renda e um pequeno bolero de mangas
curtas. Acabou mantendo aquelas botas cafonas. Odeio dizer, mas ela estava
fantástica. Coloquei a mão na testa, meio que testando a temperatura.
— Você não sentirá calor. É por causa da roupa. Foi Touch quem a criou. Ela
regula a temperatura do corpo, mantém o ar ao seu redor na temperatura exata
para que você se sinta confortável.
Ela caminhou em direção ao fim do corredor. O teto acima das nossas
cabeças era baixo e arredondado. Enquanto a maioria dos prédios no meu mundo
eram construídos com base em ângulos, os prédios ali pareciam ser construídos a
partir de curvas. Segui Alabaster pelo corredor. Parecia que a casa tinha sido
esculpida em um grande bloco de barro em vez de ter paredes e chão
conectados. Deixei-a dar mais alguns passos e tratei de me apressar pra alcançá-
la.
— Foi Touch quem fez essa roupa? Ele sabe que estou chegando?
— Ele desenvolveu o material — ela respondeu, simplesmente ignorando
minha segunda pergunta. — Fui eu quem fez a roupa para você. Nós somos um
time, Touch e eu.
— Isso não é verdade. — Assim que as palavras saíram da minha boca, me
arrependi. Ela parou e se virou pra mim. Tropecei de leve e logo me endireitei.
— É verdade, sim. Sempre foi verdade. Por isso ele não foi pessoalmente
buscar você, sabe. Por que eu não aprovei, sabendo como você se sentia. —
Minha única reação foi piscar os olhos. Ela sorriu um pouco. — Nunca subestime
o poder de uma esposa — concluiu, voltando a caminhar.
Eu já tinha sentido medo de muitas coisas nas últimas trinta e seis horas, mais
ou menos. Mas agora eu também sentia medo da reação de Touch, e pensava se
tudo entre nós seria igual quando nos reencontrássemos. Nunca subestime o
poder de uma esposa. Era exatamente esse o tipo de coisa sobre o qual as
memórias de Wendy Lee vinham tentando me avisar.
Passei as mãos no tecido sedoso da roupa que vestia. Fiquei imaginando
como Touch poderia ter desenvolvido aquele material se o levaram ainda ontem.
Como Alabaster teria tido tempo pra fazer essa roupa? Claro que Touch pode tê-
la desenhado antes de ter partido, mas por que não teria feito uma roupa pra que
ele mesmo pudesse usar no meu tempo? Certamente teria sido útil lá, impedindo
que ficasse com tanto frio.
Enquanto seguia caminhando atrás de Alabaster, perguntava-me se ela estava
rebolando daquele jeito pra me provocar ou se esse era realmente o modo como
ela caminhava. Ela me lembrava qualquer coisa que pudesse, de repente, sair de
uma lâmpada mágica; não parecia ser exatamente real. Tentei bloquear da
minha cabeça a imagem dela com Touch em todos os cômodos da casa, e tratei
de me concentrar, em vez disso, no fato de eu estar prestes a encontrá-lo. Isto é,
se Alabaster estivesse me dizendo a verdade.
Quando o encontrasse, ele explicaria tudo. Melhor ainda, ele me olharia e eu
o olharia de volta, e então já não importaria mais o que tivesse acontecido, tudo
estaria bem. No andar de baixo, a casa era como uma versão mais agradável,
mais limpa e arredondada da cabana de madeira de Joe Wheeler. Não era
imensa, mas tinha um ar agradável e confortável, e era muito, muito bonita.
Madeira e cerâmica brilhando por todos os cantos, e um pé direito alto e
redondo. Percebi que não havia lâmpadas ou lamparinas, apenas muitas janelas,
com aquele sol ultraforte raiando pra dentro da casa. Não havia tomadas nas
paredes; nada tinha fios. Se Touch estivesse ali, teria tirado uma com a cara dele,
dizendo que aquilo tudo parecia muito primitivo. Não fosse pelo fato de que
aquele mundo se valia de uma energia que não custava nem um centavo, nem
prejudicava nada ou ninguém.
Descemos as escadas até uma área rústica e aberta, com uma sala de estar
confortável e o que parecia uma cozinha, apesar de não ter fogão ou geladeira,
somente muitos armários de diversos tamanhos. Meu estômago roncou e eu me
perguntei se eles iriam me alimentar, uma hora ou outra.
Já do lado de fora, passamos por um quintal empoeirado. Quando me virei
pra olhar a casa, ela era diferente de qualquer outro prédio que eu já tinha visto na
vida, uma série de abóbodas em ascensão. Suas paredes refletiam a luz do sol
radiante, tornando a construção quase invisível; uma luz trêmula e pálida, como
se fosse uma miragem. Dava pra sentir todo aquele calor no topo da minha
cabeça, mas a roupa que Touch tinha projetado me mantinha a uma temperatura
agradável. Não havia grama no chão, mas, em compensação, havia muitas flores
silvestres e arbustos pequeninos ao redor. Era bastante bonito. Alabaster não
parecia se preocupar com uma tentativa de fuga da minha parte, mesmo sabendo
em primeira mão o quanto eu conseguia correr rápido. Ela apenas perambulava
na minha frente, toda confiante de que eu a seguiria pra onde quer que fosse,
contanto que dissesse que Touch estaria à minha espera.
Se eu descobrisse que qualquer coisa tinha acontecido com ele, ela não me
acharia mais assim tão fácil de controlar. Bem ali, naquele mesmo instante, eu a
agarraria pelo ombro e apertaria minha bochecha contra a dela, usando toda a
minha força de wildebear pra mantê-la colada em mim pelo máximo de tempo
possível. Então todas as suas memórias, tudo o que ela possuía, tudo pertenceria a
mim. E ela simplesmente não estaria mais lá.
Ao nos aproximarmos da casa, baixa e comprida, um pedaço da parede
sumiu pra que pudéssemos passar. Por dentro tudo aparentava ser tão industrial
quanto parecia confortável por fora, com um piso frio e duro feito de um material
que eu não soube reconhecer. Parecia muito maior do que eu imaginava, cheia
de portas atrás de mais portas, cada uma delas com uma cerâmica pendurada,
onde havia um pequeno símbolo desenhado. Alabaster enfim parou em uma das
portas e abanou a mão. Quando a porta simplesmente desapareceu, ela passou
pela abertura. Após um segundo de hesitação, fui em frente e a segui.
O ambiente era enorme, com um teto alto e arredondado, e o mesmo piso
industrial e gelado de antes. A luz entrava com dificuldade pelas frestas perto do
chão, então não era tão claro quanto o resto da casa. Pelo lado de fora cheguei a
imaginar que toda a construção seria do tamanho daquele cômodo. Ele era
dividido ao meio por uma parede de vidro que ia até o teto e se estendia por todo o
seu comprimento. Do outro lado do vidro, havia uma sala muito mais
aconchegante, com piso de madeira e um tapete de crochê como aquele que
ficava no meu quarto. Também havia uma pequena área de estar com um sofá,
poltronas e uma mesa de centro. Sentado na poltrona grande e confortável estava
o pai de Touch. E no sofá, espremendo as mãos uma na outra como se não tivesse
mais nada a fazer senão esperar, estava Touch.
Ele parecia bem. Descansado e bem alimentado. Estava vestido como nunca
o tinha visto, num tipo de calça folgada e leve e uma blusa de mangas curtas. Ele
não estava tremendo ou incomodado com a temperatura. Parecia bastante
confortável. Corri até o vidro. Pressionei meu corpo inteiro contra a parede e
gritei o mais alto que pude.
— Touch! Touch!
Alabaster revirou seus belos olhos.
— Muito romântico. Mas ele não consegue ouvir você.
Virei-me pra ela.
— Pensei que não existissem prisões neste mundo.
— Este mundo mudou.
Então, naquele exato momento, Touch levantou os olhos. Por um instante
fiquei com medo de que ele não pudesse me ver através do vidro, mas logo em
seguida ele se levantou e foi andando na minha direção. Esperava ver aquele
mesmo brilho em seus olhos, aquele ar malicioso que ele não conseguia controlar
toda vez que me via. Em vez disso, ele me olhou como se não pudesse acreditar
no que estava vendo. Ele caminhava bem devagar, e de alguma forma eu sabia
(mesmo sem conseguir tirar meus olhos dele) que sua mulher e seu pai estavam
rindo enquanto o observavam.
Touch ficou ali parado, bem em frente ao vidro. Levantou sua mão e a
pressionou contra a minha, nossas palmas separadas pela grossa camada de
vidro; na verdade tão longe quanto sempre estiveram. Encostei minha testa
também. O vidro estava quente. E no mesmo instante me dei conta de que Touch
não tinha desenvolvido aquele tecido antes de ter ido a Jackson, e muito menos

pra que eu pudesse viver confortavelmente neste mundo. Ele tinha projetado
aquela roupa pra ele mesmo. Pra que, talvez, pudesse voltar pra mim.
Mas ali, em pé do outro lado do vidro, ele não sorriu ou aparentou estar feliz.
Ele não parecia sentir nada, na verdade. Só estava ali. E não consegui escutá-lo
quando ele falou, nem mesmo ler seus lábios, já que não havia dúvidas de que ele
estava assobiando em sua linda língua nativa. É claro que eu não queria perguntar
nada a Alabaster. Mas ela era a única pessoa na sala, e a curiosidade estava me
matando.
— Me diz. O que ele está falando?
— Ele está dizendo que, agora que a última arma está aqui, podemos enfim
nos mudar para o castelo.
— Última arma!
— Isso. A última arma na guerra contra Arcádia.
— Guerra contra Arcárdia — repeti bem devagar, detestando o jeito como
aquelas palavras soavam.
Alabaster sorriu. Tinha um sorriso doce, convincente. Tanto que chegou a me
dar calafrios ainda maiores quando ela enfim disse:
— E agora que você está aqui, de uma vez por todas, Arcádia será vencida.
Virei para o vidro, torcendo pra que o rosto de Touch fosse me dizer alguma
coisa diferente. Mas ele só continuou ali parado, lindo como sempre e, aos meus
olhos, indecifrável.

#Você é como eu, não consegue parar? Deicha ainda nos comentários.

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