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cima da cabeça, fiquei lá sentada só de saia e sutiã, e virei de costas.
Ele pressionou as pontas dos dedos enluvados de maneira muito delicada em
torno de onde a ferida estava. Não cheguei a sentir nada diferente, só que estava
completamente curada.
- Impressionante.
Prendi minha respiração. Touch levou seu dedo da minha cicatriz até minha
coluna. Foi descendo com muito cuidado por quase todo o caminho até meu
traseiro. Fiquei toda arrepiada com aquele toque suave e me concentrei em
apenas ser grata por isso - deleitando-me mesmo -, em vez de desejar que
pudesse sentir as verdadeiras pontas dos dedos e não somente o couro. Ele deixou
que sua outra mão entrasse em ação, tocando minhas costas em redemoinhos dos
mais gentis, até que eu não passasse de uma tremenda e trêmula confusão ali
naquele tronco. Não havia nada que pudesse fazer pra evitar. Virei-me pra
encará-lo.
Assim que me virei, suas mãos escorregaram das minhas costas pros meus
joelhos. E então ele suspendeu as mãos e as colocou nos meus seios. Quase tive
um troço. Mas logo o choque passou e não só me senti incrível como também
fazendo a coisa certa. Os tremores se transformaram num calor que foi
crescendo dentro de mim. Fechei os olhos, concentrando-me nas suas mãos e no
calor que pulsava delas, e foi como se o ímã mais forte do mundo estivesse me
puxando em direção aos seus lábios pra beijá-lo. E ele também passou a se
inclinar na minha direção.
Eu nos interrompi a tempo, levantando-me de forma tão abrupta que ele
quase caiu do tronco. Endireitou-se e sacudiu forte a cabeça, como se tivesse
acabado de despertar de um transe.
- Desculpe-me. É só que eu quero muito isso.
- Nem me diga - retruquei. E seguimos rumo à camionete pra que eu
pudesse me cobrir com toda a roupa disponível.
Quando enfim nos sentamos pra comer uns ovos, algumas torradas e tomar
café no Harvey's Diner, eu já estava toda suada, de volta à minha calça de couro,
camisa de flanela e jaqueta jeans. Imaginei que, se quisesse viver em um planeta
a 50 graus, seria melhor começar logo a me acostumar à ideia. Touch devorou
seus ovos com torradas, limpando o prato em cerca de dois minutos, e em
seguida pediu outra rodada com uma porção extra de bacon. Ele era um cara
muito grande e mal estava comendo o suficiente pra manter um rato vivo, nesses
últimos dias. No meio tempo entre a noite anterior e aquela manhã, pra não
mencionar todos os nossos dias juntos naquela fuga, eu estava me sentindo horrível
perto dele. Então fui em frente e contei-lhe sobre meu sonho com Cody.
Touch escutou tudo com muita atenção.
- Interessante. É quase como se ele soubesse o que está acontecendo com
você, como se ele estivesse observando você do quarto dele no hospital.
- Sim - concordei. - Mas é um sonho. Então, é claro que ele sabe o que
está acontecendo comigo, porque eu sei o que está acontecendo comigo. Tudo
está acontecendo na minha cabeça.

- Talvez. Ou talvez ele esteja se comunicando com você através de um
plano astral.
- Um plano astral!
- Os Anasazi eram pessoas muito místicas. Eles não estavam presos
somente a um único mundo, como as pessoas que vivem o aqui e o agora. Talvez,
agora que já absorveu um pouco do poder daquele guerreiro, você não esteja
presa aqui também.
Apesar de toda a comida, senti meu estômago ficar vazio de repente. Todas
aquelas coisas que Touch estava dizendo sobre os Anasazi... Ele não podia ter
obtido tanta informação assim de um panfleto qualquer na administração do
parque. Baixei minha torrada e o encarei.
- Você costuma fazer isso no seu planeta? Se comunicar com os antigos
Anasazi do planeta Terra?
- Não sei do que você está falando. Mas sei bastante sobre planos astrais.
Apenas os místicos muito avançados podem alcançá-los. Eu nunca cheguei a
tanto. Mas e se houver duas pessoas, ambas capazes? Elas poderiam muito bem
visitar uma à outra. Em sonhos. Ou em qualquer outro lugar.
Em outro lugar. Touch sempre falava de maneira tão perfeita e fantasiosa. Eu
amei a ideia de outro lugar.
- Talvez a gente pudesse se encontrar num desses planos astrais, qualquer
dia desses. E você poderia me tocar de fato. Sem luvas. Sem roupas.
Ele pousou a xícara de café e me encarou, longa e profundamente. Quando vi
Touch pela primeira vez, fiquei impressionada com a cor dos seus olhos. O
formato. Sua beleza. Agora, quando observava aqueles olhos, via todas essas
qualidades, mas também enxergava algo mais. Culpa, bondade e o peso de todo
um mundo. Além de, talvez (e isso bem podia ser mero devaneio), amor. Talvez
eu também enxergasse amor.
Ele estendeu o braço sobre a mesa e colocou sua mão enluvada sobre a
minha.
- Só não deixe que Cody toque em você nesse plano astral - ele disse, e
meu coração quase pulou pela boca no maior sorriso de todos os tempos. Ele me
amava! De verdade. Por que mais diria aquilo? Touch me amava.
Pude sentir isso ao segurar sua mão e sorrir para seus olhos cheios de
malícia. Amor. Tão claro quanto o dia.
Enquanto Touch pagava a conta do café da manhã, fui ao banheiro. Assim que
me tranquei na cabine, vi uma carteira marrom de couro, grande e gorda,
esquecida na parte de trás do vaso sanitário.
Meu peito começou a batucar. Era um sinal! Alguém lá em cima quis que
continuássemos. Peguei a carteira e me sentei no vaso. Pertencia a Mary
Ginsberg, de Flagstaff, no Arizona. Ela tinha vinte e dois anos e nada na carteira
demonstrava o menor sinal de riqueza (era velha e surrada), exceto pelos
trezentos dólares em dinheiro.
Permaneci lá sentada por muito tempo depois que terminei de fazer xixi,
olhando pra foto dela na licença de motorista. Parecia ser uma pessoa bem legal.
Parte de mim só queria esperar mais um pouco pra me certificar de que ela não

viria atrás do que era seu.

Quando enfim saí do banheiro, Touch já estava do lado de fora, no

estacionamento, esperando por mim. Respirei fundo e fui marchando com a

carteira até o balcão.

- Alguém deixou isso no banheiro - eu disse ao funcionário, deslizando a

carteira na direção dele com esperança de que não embolsasse a grana.

Assim que saí à luz do sol, o fato de a carteira de motorista de Mary Ginsberg

continuar no meu bolso de trás me fez sentir apenas ligeiramente menos virtuosa.

Tinha feito a coisa certa. Arcádia, aqui vou eu.

***

Infelizmente, nenhuma boa ação fica impune. Touch e eu tratamos de nos

mexer em direção à loja de conveniência adjacente ao restaurante pra que

pudéssemos usar o caixa eletrônico. A bolinha azul flutuou pra dentro dele. Dessa

vez a tela não disse "Saldo Insuficiente". Não disse nada. Nem cuspiu nota

alguma. Pior de tudo ou quase isso: quando Touch cancelou a operação, a bolinha

não foi liberada de volta.

Sacudi a máquina o mais forte que pude.

- Ei! - gritou o homem atrás do balcão. - Você aí! O que pensa que está

fazendo?

Que maravilha. E eu sem meu gorro, ainda por cima, só com aquela

cabeleira selvagem toda e suas mechas brancas. Não conseguiria ser mais

reconhecível nem se tentasse. Merda de virtuosismo, pensei, lembrando dos

trezentos dólares. Merda.

Já na calçada, Touch e eu ficamos parados na frente da camionete azul.

- Bem. Vamos ter que nos virar sem aquilo.

- Bem uma ova - eu retruquei. - E se alguém a encontrar?

- Ninguém do seu tempo saberia como usá-la.

- Do meu tempo?

- Seu planeta - ele disse de um jeito meio distraído, apressado, pra enfim

concluir: - Pode ser uma coisa boa, na verdade. Deixá-lo lá. Pode acabar

confundindo os dispositivos de rastreamento.

O que era uma ótima notícia, mas não resolvia a questão de como diabos

iríamos seguir em frente sem fonte alguma de dinheiro. Ainda assim, joguei as

chaves pra Touch. Eu sabia reconhecer um homem teimoso quando olhava pra

um. Seria o Grand Canyon ou as grades.

Chegamos ao Grand Canyon ainda no fim daquela mesma tarde. Aquela

velha camionete Chevy azul bebia gasolina. Quando Touch e eu enfim estávamos

na beira do precipício, mirando uma imensidão que eu nunca podia ter nem

sonhado, o tanque da camionete já estava quase vazio, e tínhamos só mais vinte e

dois dólares sobrando, enfiados no bolso de trás da calça jeans de Touch. Como

X- Men: OToque Da VampiraOnde histórias criam vida. Descubra agora