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minhas dúvidas sobre o motivo de ele estar fugindo e me concentrei em assuntos
mais genéricos. Talvez isso fizesse com que ele se sentisse mais confortável pra
conversar sobre seu lar. — Como você sabia que ia precisar de roupas mais grossas?
— Eu não sabia — ele respondeu. Como não se prolongou em sua
explicação, imaginei que ele pudesse ter roubado aquelas roupas. Julgando pela
aparência daquele longo casaco de couro, deve ter roubado em um lugar bem
chique. Mas antes que eu pudesse perguntar alguma coisa mais, ele disse: — A
questão é essa: não posso falar muito sobre isso. Até hoje eles estavam me
rastreando pelo universo afora. Mas agora eles se concentraram neste lugar
especificamente. Coisas como palavras-chave que digam respeito à minha
situação podem ajudá-los a me encontrar.
Senti meu estômago revirar. Por um instante senti-me quase tão assustada
quanto tinha me sentido quando Cody desabou no chão embaixo daquela árvore
de Tupelo. Isso deve ter ficado bem visível no meu rosto, porque James acabou
dizendo:
— Veja bem, pode até soar muito fácil, mas eles ainda teriam de viajar muito
de um lado para o outro até obterem as coordenadas corretas. Isso leva algum
tempo. Se nos mantivermos em movimento, conseguiremos continuar à frente
deles.
— O que eles vão fazer se te encontrarem?
A expressão de James adquiriu um ar meio engraçado. Pode ter sido medo.
Mas pode ter sido outra coisa. Sabe o olhar que um homem faz quando a gente
faz uma pergunta que ele não quer responder?
— Não vamos nos preocupar com isso agora. Vamos nos concentrar em
continuar mantendo distância deles. E o melhor jeito de fazer isso é não
conversando sobre o assunto.
— E se a gente escrevesse sobre o assunto? Eu poderia escrever as perguntas
num pedaço de papel e você escreveria as respostas.
Seus olhos estreitaram e então se desviaram pra longe de mim, de uma
forma que me deixou pensativa sobre a veracidade de sua resposta.
— Palavras são palavras. Acredite em mim, quanto menos conversarmos
sobre o assunto, de qualquer maneira que seja, mais seguros estaremos.
— Mas como eles podem até mesmo entender o que a gente diz? Você disse
que palavras são palavras, e você fala e lê minha língua tão perfeitamente. Não vai
me dizer agora que essa é a língua oficial lá do seu planeta.
James enfiou a mão no bolso e puxou o que parecia ser uma pedra fina e
vermelha de mármore. Colocou na mesa entre nós e, quando olhei mais de perto,
percebi que não era nada parecido com mármore, mas um pequeno ponto de
energia perpassado por tons de amarelo e laranja, que não parava de rodopiar.
— É um tradutor. Se você carregar isso consigo, qualquer idioma se codifica
automaticamente em seu cérebro, escrito ou falado.
Aquilo explicou como James poderia falar minha língua tão bem mas sem
saber palavras que definiam coisas que não deviam existir no seu planeta, como
ventilador e ar-condicionado. Desejei muito ter tido um daqueles quando fiz o
teste admissional de espanhol.

— Acho que é melhor eu me livrar disso, agora que aprendi mais ou menos
seu idioma. É só mais uma maneira que eles têm de me rastrear.
Considerando aquela explosão de luz e a expressão de pavor no rosto de
James, arrematei:
— Pros diabos então, joga esse troço fora.
Depois que comemos, fomos dar uma volta pelo píer. James me deixou
segurar a bolota vermelha por alguns segundos. Queria muito que alguém
começasse a falar em francês ou em chinês pra que eu pudesse ver como aquela
coisa funcionava. Era uma pena ter que jogar fora um dispositivo tão útil.
James se ajoelhou e enfiou o dedo na água. E então provou. Parecia surpreso.
— É salgada — ele disse. — Isso aqui é o oceano?
— Não. Acho que é um dos Grandes Lagos.
Pra ser honesta, nunca tinha visto o oceano antes, e aquilo parecia tanto com
a imagem do oceano que eu tinha na minha cabeça (as praias de areia e tudo
mais) que nem consegui me sentir completamente segura na hora de responder.
Queria ter prestado mais atenção nas aulas de geografia, mas tinha prestado
atenção o suficiente pra saber que não havia oceano algum em Indiana.
Estendi minha mão no ar e arremessei a bola de luz na água. Por alguns
instantes, as ondas que se formaram em volta permaneceram vermelhas,
amarelas e laranjas. Então a luz foi se esvaindo até apagar por completo. Assim
que percebi que ela tinha sumido, senti uma forte onda de medo.
— Você ainda consegue me entender?
James sorriu.
— Claro que sim — ele respondeu, dando uns tapinhas na sua têmpora com
a ponta de um dos dedos. — Eu aprendo rápido. Está tudo aqui dentro agora.
Soltei um bom e longo suspiro, aliviada em poder acrescentar “aprende
rápido” e “linguista” na crescente lista de talentos dele.
— Existe oceano lá de onde você veio?
— De onde eu vim não temos praticamente nada além do oceano. Compõe
noventa e cinco por cento da superfície do planeta.
— Vocês devem ser ótimos velejadores — eu disse, gargalhando.
— Anna Marie. Quando estávamos no hotel e eu peguei em seu braço...
Ele ainda estava de joelhos no píer e me olhou de baixo pra cima com
aqueles olhos azuis enormes, parecendo que estava novamente magoado.
— Bem, é o seguinte... o problema é minha pele. Você não pode nem sonhar
em tocar nela. Mas não tem problema se você me tocar desde que tenha algum
tipo de barreira. Tipo nossas roupas.
Ele não me perguntou o porquê daquilo, o que me deixou contente. Não
estava preparada pra que pensasse que eu era algum tipo de monstro. Então,
apenas disse:
— Quer dizer que posso tocar em você se houver alguma coisa entre minha
pela e a sua?
— Isso — respondi, falando como se, de repente, um sapo tivesse pulado pra
dentro da minha garganta. — Assim, você pode.

James se levantou. Olhou bem nos meus olhos e deu pra perceber que ele
não estava pensando sobre seu planeta natal ou em quem estava nos perseguindo.
— Bom saber — ele disse, e naquele momento tive certeza de que uma das
coisas que eu mais gostava nele era aquele toque sutil de malícia em seu olhar.
Tratamos de arrumar um outro quarto de hotel. Ele caiu na cama, totalmente
esgotado, tão logo passamos pela porta. Eu não tinha dormido nem um tiquinho a
mais do que ele, mas estava meio irrequieta e resolvi descer. Do outro lado da
rua, bem em frente ao hotel, havia um posto de gasolina, e dei um pulo lá pra
comprar um cartão telefônico. Depois fui até um orelhão do lado de fora da loja.
Chamou três vezes até que alguém atendesse.
— Padaria Sunshine — disse uma voz masculina. Eu não fazia ideia de quem
era, mas também nunca tinha passado tanto tempo assim no andar de cima.
— Oi, olá. Poderia falar com Wendy Lee?
Fez-se um silêncio dos mais solenes do outro lado da linha. Meu coração foi
bater nos meus pés, deixando um buraco de puro pavor no lugar.
— Quem é? — a voz pareceu ligeiramente desconfiada.
Eu me lembrei de que não tinha como ele reconhecer minha voz. Disse o
primeiro nome que me veio à cabeça.
— Aqui é Emma Deane Wilford. Conversei com a senhorita Beauchamp há
uma ou duas semanas sobre a possibilidade de encomendar um bolo pro meu
casamento.
— Bem, minha querida — o cara disse com uma voz, de repente, toda
melosa. — Sinto informar, mas a senhorita Beauchamp teve... um acidente.
— Minha nossa — soltei, soando exatamente como a fresca da Emma
Deane. — Espero de coração que ela fique bem.
— Só Deus sabe.
Então, de uma hora pra outra, reconheci a voz. Não que eu já tivesse
encontrado com ele por aí. Mas já tinha escutado sua voz através dos ouvidos de
Wendy Lee. Fazia uns anos que ela o tinha contratado pra trabalhar no caixa e
anotar os pedidos pelo telefone. Ele era casado e tinha três filhos, mas isso não
impedia que ele e Wendy Lee ficassem trancados na dispensa no andar de baixo.
Espremi os olhos pra tentar lutar contra a imagem do seu enorme barrigão de
fora e tentei me concentrar em como Wendy Lee estava naquele momento. O
homem, então, continuou:
— Faz dias que ela está no hospital.
Meu coração fez todo o caminho de volta pelo estômago e quase saiu pela
boca. Pensei que talvez ele pudesse estar exagerando um tanto naquele tom
lamurioso de voz, levando-se em conta o que os dois tinham passado juntos.
— O que tem de errado com ela? — deixei escapar. O que queria perguntar,
na verdade, era: “Ela está em coma?”. Mas não me pareceu uma pergunta que
uma cliente atrás de um bolo de casamento faria. Provavelmente já tinha sido
uma péssima ideia perguntar sobre o que tinha de errado.
— Ela foi atacada — o homem respondeu — por um ex-funcionário
insatisfeito.

X- Men: OToque Da VampiraOnde histórias criam vida. Descubra agora