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homens deploráveis, a começar por aquele marido que até parecia amá-la e
depois simplesmente pulou fora do barco.
De volta ao Prius, dei a Touch uma caixinha de batatas fritas e um McFish.
Era isso que Cody sempre pedia no McDonald's.
- Você era rico lá de onde veio? - perguntei e mordi uma batata, torcendo
pra que não tivesse parecido que eu me importava com a resposta.
Touch suspirou:
- Sabe, eu estou um pouco farto de ficar falando disso o tempo todo. Você se
importaria de dar um tempo? Pelo menos até amanhã.
A bola alaranjada já era. Muito embora fosse claro que não estivéssemos
numa posição que nos permitisse jogar a bola azul fora, decidimos que seria
melhor controlar nossos gastos pra não termos de usá-la tão cedo. Assim, depois
de passar por Joplin, simplesmente seguimos em frente, revezando no volante
enquanto o outro dormia, usando o dinheiro que tínhamos pra pagar a gasolina. A
verdade é que nunca tinha visto em toda minha vida aquele tanto de dinheiro que
ele guardava no bolso. Isso pode não querer dizer nada, mas na hora pensei que
aquela quantia nos manteria por um bom tempo. À luz do dia, poderíamos contar
nosso dinheiro e, quem sabe, comprar uma barraca em algum lugar. Uns cem
dólares por uma barraca nos faria economizar uma boa quantia em quartos de
hotel. Poderíamos entrar na mata e acampar por alguns dias, pensar melhor em
qual seria nossa estratégia.
Touch gostou da ideia de acampar. Achou que seria mais difícil nos rastrear
se estivéssemos mais distantes da civilização e da eletricidade.
- É óbvio que eles não montaram nenhum centro de comando aqui, eles
estão operando lá do nosso mundo, o que quer dizer que têm mais informações
do que eu, e mais recursos. Mas também significa que estão rastreado de uma
grande distância. Há variáveis suficientes para dificultar o serviço. Não é
impossível, obviamente, mas difícil, desde que sigamos em frente.
Quando o comércio começou a abrir suas portas, nós já tínhamos dirigido a
noite toda até Pueblo, no Colorado. Agora sim eu estava vendo algo
completamente diferente do Mississipi. Por um lado, não era tão verde. Por
outro... as montanhas! Eu jamais tinha visto algo parecido com esse tipo de
montanha, assim tão alta e coberta de neve mesmo no verão. Touch também
pareceu bem impressionado.
- Você já tinha visto alguma coisa tão linda assim na sua vida?
Ele me olhou e sorriu.
- Não até os últimos dias - respondeu. Meu coração quase saltou pela
boca. E ele voltou a olhar pela janela. - Na verdade, aquelas montanhas me
lembram minha terra. Menos a neve.
- Lá deve ser lindo - comentei, e ele concordou.
Dirigimos pra cima e pra baixo na avenida principal e não encontramos
sequer uma loja de materiais esportivos, então acabamos indo parar no Walmart.
No estacionamento, contamos o dinheiro que nos restava. Um pouco mais de dois
mil dólares.
- Isso é muito?
- Uma pequena fortuna - respondi. - A gente vai ter que abrir mão dos
hotéis caros, só isso. E, se tem um lugar ideal pra fazer compras, é aqui.
Enchemos nosso carrinho com uma barraca e uma lanterna, sacos de
dormir, um cooler e um monte de comida. Joguei algumas lenhas artificiais
também, já que nunca fui boa em acender o fogo. Ao passarmos pela seção de
livros, peguei um atlas que acabaria sendo útil (até então, estávamos apenas
andando em zigue zague de uma estrada pra outra, torcendo pra que fosse a
melhor escolha).
- Olha só - eu disse enquanto estávamos na fila. Havia um fuzuê de
motocicletas no estacionamento e a loja estava cheia de gente usando casacos de
couro, então acabamos nem chamando tanta atenção quanto normalmente
chamávamos: - A gente pode ir pra cá. - Apontei pra uma parte verde no mapa
que dizia MONUMENTO NACIONAL DUNAS DE AREIA. Ele ficou olhando
fixamente, como se não tivesse certeza, então acrescentei: - É em direção ao
oeste.
- Por mim, tudo bem - concordou, dando sutilmente de ombros.
Às vezes estar com Touch me fazia lembrar dos primeiros dias depois que
fugi de Caldecott County. Lembrava-me de como me senti perdida, quase como
se estivesse em transe. Eu me preocupava muito com o que tinha acontecido com
Cody, enquanto mal me importava com o que tinha acontecido comigo mesma.
Mas também sentia muito medo do que poderia vir a acontecer no futuro. Todos
aqueles sentimentos meio que se digladiavam entre si, então era como se eu nem
sequer tivesse sentimentos. Acabei ficando entorpecida. Quase como se tivesse
me tornado um animal, eu pensava apenas em sobreviver de um minuto ao
seguinte. Touch também parecia estar assim, quase como se tivesse deixado de se
importar com tudo a não ser a mais básica sobrevivência. O único momento em
que ele não parecia estar assim era quando tirava uns instantes pra olhar direto
pra mim.
Touch assumiu o volante quando saímos de Pueblo pra que eu pudesse
navegar pelo mapa. Disse que não existiam mapas daquele tipo de onde ele veio,
por isso não sabia como ler o nosso.
Dirigimos por uma longa estrada de terra até o parque nacional.
- Totó, acho que não estamos mais no Mississipi - eu disse, e Touch me
olhou como se eu tivesse trocado o nome dele de novo. - É só uma expressão de
um filme - expliquei. Mas é claro que eles não tinham filmes lá de onde ele veio,
deu pra perceber bem naquele seu olhar desconfiado e cheio de dúvidas. De
repente, me bateu a curiosidade de qual seria exatamente sua idade.
- Quantos anos você tem mesmo?
- Vinte e cinco, e você?
- Dezoito. Mas você não devia saber disso? Como é que sabia meu nome
antes mesmo de eu dizer?
- Nada místico. E não usei nenhuma tecnologia de outro mundo também.
Apenas entrei na padaria e perguntei sobre você.

Meu coração apertou. Aquilo queria dizer que a polícia tinha a descrição de

nós dois.

- Veja - Touch falou, ao abrir sua janela.

A paisagem ali era diferente de tudo que eu já tinha visto na minha vida.

Montanhas feitas inteiramente de areia, cercadas por campos gramados e, ao

longe, aquelas montanhas nevadas e majestosas. Logo na beira da estrada, num

amplo pasto, havia umas cem criaturinhas pastando sob um sol escaldante. Eles

se pareciam com veados. Mas eram menores, mais delicados, com chifres

pequenos e pelagem meio malhada, de um tom mais pálido.

- Fleetdeer - Touch disse. - Eles existem lá onde eu moro.

- Sério? - parei o carro. Não havia ninguém atrás de nós e eu nunca tinha

visto animais tão lindos antes. Alguns quilômetros antes, tínhamos passado por

uma placa que dizia: CRUZAMENTO DE ANTILOCAPRAS PRONGHORN,

então imaginei que fosse assim que os chamavam aqui. Mas nem comentei nada

com ele, claro. Em vez disso, falei: - É estranho pensar nesse outro planeta tão

parecido com o nosso. Fica muito longe daqui?

Touch franziu a testa como se isso fosse outra coisa da qual ele não queria

falar. Percebi que ultimamente ele tinha parado de usar a palavra "planeta". Em

vez disso, falava "mundo" ou "de onde venho". Às vezes parecia que ele não estava

me contando toda a verdade, e não necessariamente pelos motivos que tinha me

dado (de que falar disso acabaria atraindo seus inimigos).

- É bem longe - ele enfim respondeu. O que não me parecia uma

explicação muito científica, mas resolvi deixar passar. Afinal, eu também não

estava contando tudinho que ele deveria saber sobre mim, não é mesmo?

Decidimos armar nossa barraca um pouco depois de um acampamento

familiar, que era o mais vazio de todos. Eu me dei conta de que já devíamos estar

passando da metade de agosto e todas as crianças estavam se preparando pra

volta às aulas. O que acabou sendo ótimos pra nós - não havia tantas pessoas

assim pra que nossa presença fosse notada. Lembrei-me dos dias de escoteiro de

Cody e armei a barraca. Tínhamos comprado uma Coleman de quatro lugares.

Assim, poderíamos criar uma espécie de barreira com travesseiros, ou até

mesmo com o cooler, pra que Touch não encostasse em mim acidentalmente

durante a noite. É claro que eu trataria de me enclausurar toda dentro do meu

saco de dormir, mas cuidado nunca é demais. O ideal teria sido comprar duas

barracas individuais, mas devo admitir que eu tinha começado a gostar daquela

proximidade. Podia até não encostar nele, pele sobre pele, mas pelo menos a

gente ia compartilhar o mesmo oxigênio.

Enquanto Touch dava uma sondada no perímetro, estiquei nossos sacos de

dormir dentro da barraca. Deixei pra armar a barreira mais tarde. Por ora, queria

olhar um pouco os dois assim, um ao lado do outro. Já fora da barraca, diverti-me

organizando as coisas, achando um lugar pro cooler, jogando a lenha artificial na

fogueira, aproveitando pra catar e incrementar o fogo com umas de verdade

também, e me sentindo como se estivesse arrumando uma casa pra nós dois.

Touch apareceu de uma curva fechada, arrastando um par de trenós. Bem,

X- Men: OToque Da VampiraOnde histórias criam vida. Descubra agora