capítulo 08

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Pra mim, Utah parecia outro planeta, com seus vudus e sua argila vermelha,
e formações rochosas imponentes por toda parte. Ainda mais do que no Colorado,
finalmente senti que não estava apenas dirigindo ao léu, mas viajando.
Conhecendo o mundo. Nunca tinha sequer imaginado nada parecido com aquele
lugar em toda a minha vida.
Touch estava quieto demais. Sentado ali, olhando a paisagem pela janela do
passageiro, com o queixo apoiado na palma da mão. Eu ficava apontando pra um
monte de diferentes rochas e cores e montanhas no horizonte, dizendo o quanto
aquilo tudo era bonito. Mas ele só fazia dizer “Hmm”, ou dava um aceno de
cabeça, como se não estivesse nada impressionado. Ou então como se tivesse
coisas demais na cabeça pra conseguir apreciar a vista.
Quanto a mim, até que me sentia estranhamente alegre. Meu ombro não
doía mais nem perto do quanto eu esperava, e tinha parado de sangrar. Naquela
manhã, Touch e eu tínhamos nos enfiado nas roupas de Joe Wheeler, o que
acabou proporcionando uma aparência bem mais normal do que a habitual.
Touch usava calça jeans e uma camisa xadrez por baixo de um suéter grosso de
lã, além de um colete Down Vest. Fui obrigada a me contentar com meu jeans de
couro, mas, por outro lado, vestia uma das camisetas de Joe e sua jaqueta jeans,
junto com minhas luvas brancas de renda e um gorro de lã sobre o rabo de
cavalo, o que fazia meus cabelos ficarem muito menos visíveis. Enquanto eu
dirigia e Touch permanecia calado, pensei em dois planos diferentes que caíam
em duas categorias distintas: o agora e o planeta Terra estavam em uma
categoria; o futuro e o Planeta Touch em outra.
Quanto ao agora e ao planeta Terra, havia duas grandes preocupações:
manter distância dos homens da lei e levar Touch pra um lugar onde, no inverno,
ele não congelasse até morrer. O México, portanto, estava nos meus planos. E
estávamos indo na direção certa, de um jeito ou de outro. Dei-me conta de que
não havia necessidade de maiores certezas porque, pelo que sabia, não iríamos
voltar. Jamais. Claro que isso acabou significando deixar pra trás tudo o que eu já
tinha conhecido no mundo. Descobri que isso não me deixava nem um pouco
incomodada.
Quando pensava sobre o futuro e o Planeta Touch, ficava tonta na hora. Que
notícias foram aquelas que ele tinha me dado na noite passada! Não só havia uma
pessoa idêntica a mim lá de onde ele veio como também uma série de caras
mutcho locos que simplesmente não eram tratados como caras mutcho locos!
Faziam parte da população em geral e trabalhavam pra Arcádia. Eles tinham até
uma escola especial! Adorava o fato de que existisse um mundo onde uma coisa

dessas existia — paz e simplicidade, e de tudo um pouco pra todos — e que talvez
eu pudesse ser parte disso, não perversa e imoral como Tia Carrie sempre dizia
que eu me tornaria.
Touch nunca tinha dito com todas as letras o que ele planejava fazer. Às
vezes, quando ele falava sobre seu filho, por exemplo, eu tinha a impressão de que
ele ainda planejava ir pra casa, cedo ou tarde. Outras vezes parecia que ele não
queria voltar nunca mais. Mas agora que eu sabia como seria no seu planeta,
“maior do que a vida”, tudo o que queria fazer era me mandar pra lá. Naquela
escola eles me ensinariam a controlar meu flagelo (não, meu poder!) e Touch e
eu acabaríamos nos tornando um casal normal, capaz de fazer todas as coisas
que um casal normal faz. Mas e se ele tiver de enfrentar sua ex-mulher e aqueles
homens que usam rabo de cavalo? Talvez fosse só uma valentia besta da minha
parte, mas sentia como se eu me garantisse contra qualquer um, em qualquer
lugar. E mesmo que ele não quisesse voltar pra casa por mim, cedo ou tarde
acabaria voltando pra casa por seu filho. Eu sentia que era por isso que ele tinha
ficado tão quieto. Estava pensando no seu filho, Cotton, e se preocupou com o fato
de ele estar completamente sozinho com aquela maluca e seus wildebears.
Claro que eu ainda não poderia pressioná-lo tanto sobre meu plano Planeta
Touch. Isso iria requerer algum cálculo e um pouco de tempo. Então, quando
paramos pra almoçar num lugar chamado Escalante, logo depois que passei
manteiga de amendoim no pão com os dedos, abri o mapa para expor a Touch
tudo o que eu estava pensando. Pra minha surpresa, antes que pudesse dizer uma
palavra, ele apontou pra rota exata que eu ia sugerir.
— Por aqui — ele disse, como se não fosse um ponto passível de discussão.
Olhei pro mapa e pras estradas sinuosas que cruzavam Utah e o Arizona até
o México. Imaginei Touch e eu juntos em um paraíso tropical, sem ninguém nos
perseguindo.
Touch pegou seu sanduíche sem tirar os olhos do mapa. Sentamos avistando
um grande lago no meio de um lugar parecido com o Grand Canyon que eu
imaginava — rochas imponentes e um monte daqueles pilares malucos em
espiral —, mas com uma enorme quantidade de águas plácidas passando por ele.
Touch já tinha recolhido alguns panfletos do centro turístico e lido tudo sobre
como aquele lago, o Lake Powell, tinha sido formado pela represa da garganta do
Glen Canyon. Entregou-me um de seus panfletos, sobre as ruínas Anasazi.
— O que você pode me dizer sobre isso?
Eu afastei o panfleto, da maneira mais gentil que pude.
— Nada — respondi. — Nunca ouvi falar delas.
— Vamos pegar um barco e ir por água.
Eu o encarei como se ele fosse um doido.
— Um barco? Você não está me ouvindo? A gente tem que ganhar chão,
continuar seguindo rumo ao México. Lá pelo menos só vai ter o seu pessoal
perseguindo a gente.
Touch olhou pra água. Tamborilou os dedos sobre a mesa de piquenique. Eu
já tinha devorado meu sanduíche e ele ainda nem tinha dado uma mordida sequer
no seu. Senti um nó no estômago ao ver aquela expressão em seu rosto.
— Touch. O que aconteceu pra você ficar nesse humor tão distante hoje? Não

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