Quando eu tinha uns dez anos de idade, o pastor da igreja de Tia Carrie,
reverendo Otis P. Johnson, pretendia reformar o hall de entrada da sua casa com
papel de parede. Ele vivia num casarão antigo na Main Street, a apenas algumas
portas de distância da igreja, e aquele hall se estendia por toda a área desde a
porta de entrada, passando por uma sala de estar por um lado e uma antessala do
outro (não me pergunte a diferença), e depois por um lavabo até uma grande e
notável cozinha. Em outras palavras, era um montão de parede. Antes de
começar a grudar o novo papel listrado, o reverendo convidou todas as crianças
da congregação para desenhar nas paredes que seriam cobertas.
Tia Carrie estava realmente perturbada. Por um lado, desenhar nas paredes
era o tipo de hábito que ela se empenhava em repreender, e eu tinha marcas pra
provar isso. Por outro lado, era um convite vindo da própria casa do reverendo
Johnson. Nós da periferia raramente éramos convidados pra ir às casas da cidade,
em especial para a casa do pastor. Por isso, no fim das contas, Tia Carrie não
pôde resistir e acabou me deixando ir, sabendo que, enquanto eu brincava, ela
estaria muito bem na cozinha, bebendo café e comendo biscoitos com o Sr.
Johnson e seus amigos. Aí, Tia Carrie preparou uma cesta com frutas do seu
próprio jardim e até me comprou uma caixa com dezesseis gizes de cera
Crayola, novinha em folha. Lembro-me dessa última parte muito bem pelo fato de
que, até então, eu só tinha ganhado a caixa com as oito cores clássicas. A de
agora tinha a cor burnt sienna, e mais um tom de vermelho especial chamado
razzmatazz.
Enquanto as outras crianças faziam desenhos de cachorros, cavalos e
dinossauros, eu me pus a desenhar uma enorme e maravilhosa nave espacial
razzmatazz. Por baixo dela desenhei montes de grama verde e algumas Susans de
olhos pretos. Duas pessoas estavam na grama (uma senhora de cabelos marigold
e um homem de cabelos burnt sienna), meio que banhadas por uma luz amarela
clássica que se projetava da nave. E, bem longe da luz, havia uma menininha com
o mesmo cabelo burnt sienna do homem.
— O que está acontecendo em seu desenho, Anna Marie?
Eu me virei pra dar de cara com o rosto muito sério e roliço de Lula Johnson,
filha do pastor. Ela devia ter uns quatro anos de idade na época.
— É minha mãe e meu pai — respondi. — Tá vendo? É o último dia deles no
planeta Terra. Essa nave tá vindo levar eles pra Far Banks agora.
Lula chegou a abrir a boca pra perguntar o que era Far Banks, mas, antes
que ela tivesse a chance (e muito menos eu de responder), Tia Carrie saiu voando
da cozinha feito um corvo ensandecido. Ela agarrou meu braço e me arrastou
direto pra fora. Acho que já tínhamos chegado a meio caminho de casa antes que
ela percebesse que, ao sair daquele jeito, acabou deixando seus pêssegos em
conserva pela metade e sua xícara de café frio pra trás, e, ainda pior, chamando
muito mais atenção pro meu desenho do que se ela tivesse simplesmente
ignorado. — O que você tem na cabeça, Anna Marie?
Minha bunda já estava ardendo só de ver como as juntas dos seus dedos
estavam pálidas, espremendo o volante.
— Sei lá — respondi, me jogando no assento. Nunca ia deixá-la ter o gostinho
de ficar sabendo que eu estava com medo. Mesmo tendo apenas dez anos, eu já
sabia que era injusto e cruel ficar com raiva de uma criança só porque ela estava
se perguntando como seus pais tinham deixado este mundo.
— Foi o tio Gillis que te disse sobre Far Banks?
Tio Gillis tinha nos visitado algumas semanas antes. Era o irmão mais velho
do meu pai. Ele me disse que uma vez, na comunidade em que moravam, meus
pais enfiaram na cabeça que tinham de ir pra essa outra região, um lugar místico
chamado Far Banks. E foi assim que eles desapareceram. Tentando chegar lá.
Sem paciência de esperar por uma resposta minha, Tia Carrie murmurou
mais pra si mesma do que pra mim:
— Gillis não tinha nada que fazer isso.
— Mas Tia Carrie, é minha mãe e meu pai. Por que não posso saber o que
aconteceu com minha própria mãe e com meu próprio pai?
— Eles eram dois tolos e não tinham Deus no coração, e isso acabou
enfiando os dois num caminhão de problemas. Isso é tudo que você precisa saber.
— Depois de um minuto, ela acrescentou: — Eu só posso te dizer uma coisa. Eles
não foram pra canto nenhum em uma nave espacial.
Sua voz estava meio sonhadora, um pouco mais suave do que o normal, e deu
até pra perceber que aquele era um bom momento pra continuar a fazer
perguntas.
— Bem, como é que eles foram então? — pressionei um pouco.
— Eu não sei bem como explicar isso. Eles só... se foram.
— Desapareceram no ar?
Nesse ponto, já tínhamos chegado à frente de casa. Tia Carrie puxou o freio
de mão de um jeito como se lembrando que estava furiosa.
— As pessoas não desaparecem no ar, Anna Marie.
Ela nem olhou pra mim, só ficou ali sentada franzindo a testa, de cara pro
para-brisa. Uns gansos canadenses provocavam um alvoroço no chafariz. Eu
estava só esperando que ela me mandasse entrar em casa e tirasse o cinto. Mas
ela não fez isso. Apenas soltou um suspiro e me disse pra ir pro meu quarto. Dei o
fora de lá antes que ela pudesse mudar de opinião, deitei na minha cama e fiquei
olhando pro teto, tentando entender como duas pessoas adultas podiam
simplesmente desaparecer em outra região.
Não, eu decidi. Todos eles deviam ter entendido errado. Só podia ter sido uma
nave espacial que veio pra buscá-los.Então logo se via que não era só por causa da minha aflição que eu podia
chegar àquela conclusão lógica, de que James era de outro planeta. Muito antes
do beijo em Cody, eu tinha a convicção de que a vida não era exatamente só o que
nós conseguíamos enxergar com nossos próprios olhos. Existiam outras coisas.
Coisas que não tinham nada a ver com lógica, nem mesmo com religião. Não
apenas coisas mágicas como também inesperadas e inexplicáveis.
Depois de dirigirmos por toda a noite em meio à escuridão, varando o
amanhecer e quase passando do meio-dia, James enfim começou a relaxar um
pouco. Até que isso acontecesse, eu já tinha me sentido tão mal por ele que o
calor até parou (claro que eu tive de arrancar fora minha jaqueta e meu suéter
enquanto dirigia pra conseguir suportar).
Ao meio-dia, ele enfim disse:
— Se eles não nos encontraram até agora, acho que podemos concluir com
certa tranquilidade que perderam nosso rastro. Levou semanas para que eles me
encontrassem. Assim, mesmo que eles cortem esse tempo pela metade, ainda
temos um pouco de folga para respirar.
— Mas, James, quem são eles, afinal? E o que vai acontecer se eles te
encontrarem? Se eles encontrarem a gente?
— É uma longa história.
Sem muita paciência, apontei pra estrada que se estendia sem fim no
horizonte.
— Querido, se existe uma coisa que a gente tem de sobra é tempo.
— Vamos comer primeiro — James retrucou, apontando pra uma placa que
dizia POSTO-RESTAURANTE-HOSPEDAGEM um pouco mais à frente, à
direita, e tirei o pé do acelerador pra jogar o carro em direção à pista de saída.
Àquela altura, nós já tínhamos chegado a uma cidade chamada La Porte, em
Indiana. Fui guiando o pequeno Scion por todo o caminho até o fim da estrada,
onde havia um bar na beira de um lago. Já tinha visto um monte de lagos em
Caldecott County, além dos pântanos, é claro. Mas aquele lago mais parecia com
o que eu sempre tinha imaginado como o oceano. Era tanta água, mas tanta
água, que nem dava pra ver onde aquilo tudo terminava. James e eu nos sentamos
de frente pra um janela imensa com vista pro lago e pedimos uma porção de asas
de frango pra duas pessoas.
— Bem — eu disse —, acho que não preciso perguntar como era o clima lá
de onde você veio.
James estava sentado na minha frente, todo empacotado e ainda tremendo
um pouco enquanto eu derretia de calor dentro daquele suéter e da minha
jaqueta. Nunca se sabe quando um garçom gente boa vai resolver dar uns
tapinhas nas nossas costas, então era melhor continuar toda coberta, de um jeito
ou de outro.
James até que sorria um pouco, mas parecia cansado e preocupado. Não
tivemos a chance de dormir no hotel, mas a adrenalina de estar em fuga e o fato
de ter descoberto que meu companheiro era um alienígena meio que me deram
um choque pra permanecer acordada. Decidi que era melhor guardar pra depois
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X- Men: OToque Da Vampira
Ficção AdolescenteEu não criei nada, sou grande fã da vampira assim como vocês, e a Marvel lanco esse livro e eu sou obrigada a compatilhalo com vocês.