...

7 0 0
                                    

O chuveiro tinha três diferentes torneiras, o que possibilitava ajustá-lo de modo que a
água jorrasse em diferentes direções a velocidades distintas. Foi o mais perto do
paraíso que eu jamais tinha chegado, e acho que acabei ficando lá por mais de
meia hora sem nunca diminuir a temperatura da água.
Mas a melhor descoberta de todas veio assim que saí do banheiro e passei
pela porta da enorme suíte: uma pequena escada que levava até uma torre de
onde dava pra ver as montanhas. As Montanhas da Superstição, como eram
chamadas, o que fiquei sabendo pelo mapa. Permaneci ali parada por um tempo,
apreciando a vista, e, no caminho de volta, ao descer as escadas, vislumbrei uma
portinha de cedro no primeiro piso. Eu nunca tinha visto uma daquelas antes, mas
soube o que era na hora (as lembranças de Wendy Lee novamente — aquela
mulher com certeza tinha batido bastante perna por aí). Corri o mais rápido que
pude, o que a essa altura era rápido pra diabo, até o outro lado da casa, até a
marquise, pra dizer a Touch que parasse o que quer que estivesse fazendo e viesse
comigo.
— O que é isso, exatamente? — ele perguntou, passando a cabeça pela
portinha de madeira. Cheirava a eucalipto e cedro. O quartinho era minúsculo,
menos de dois metros quadrados, e logo apontei pro banquinho de madeira preso
à parede.
— Você já vai ver.
Pressionei alguns interruptores, e em seguida me sentei no banco o mais
afastada que pude de Touch, e tirei o roupão. Ele cerrou os olhos, um tanto
desconfiado, embora se mostrasse bastante interessado, e encostei minha cabeça
contra a parede, à espera do vapor.
Mas foi tanta fumaça que quase nem o enxerguei direito. Tentei olhar através
do vapor, com meus olhos de gato, direto no seu sorriso escancarado cheio de
amor e desejo. Eu sinceramente esperava que, se ele pudesse me ver, meu olhar
transmitisse a imagem que eu tinha construído na cabeça, das suas mãos
passando por todos os cantos do meu corpo que ele quisesse. Sem obstáculo
algum, só nós dois. Porque, infelizmente, fora da minha imaginação, tudo o que
podíamos fazer era ficar ali, nus e sentados em lados opostos, um encarando o
outro, sentindo o calor por todo o ambiente.
Acho que acabou sendo bom o fato da geladeira estar vazia a não ser por um
potinho de sal de frutas. Pelo menos isso me deixou um pouco mais segura de que
os donos da casa não dariam uma de Joe Wheeler, aparecendo do nada. Mesmo
assim, até que seria bom ter alguma coisa fresquinha, alguns ovos e umas ervas
aromáticas. Enquanto Touch terminava seu projeto na marquise, encontrei alguns
peitos de frango no congelador, junto com um quadrado de espinafre congelado.
Descongelei os peitos de frango no micro-ondas, mergulhei tudo num molho
barbecue que tinha encontrado na despensa, e dali direto pro forno. Depois acendi
o fogo e passei a cozinhar o espinafre numa panelinha.
Sim, eu já estava de volta às minhas roupas do Exército da Salvação, claro que
sem o capuz. Nem me preocupei em vasculhar todas as gavetas como sempre
fazia. Eu tinha consciência de que era apenas uma questão de sobrevivência, mas

eu amava tanto aquela casa que acabei me sentindo como se amasse até mesmo
as pessoas que moravam ali. Havia alguns porta-retratos com fotos de um casal de
meia-idade, ambos de óculos e segurando raquetes de tênis ou tacos de golfe,
além das tradicionais fotografias de família com quem deveriam ser seus filhos e
netos. Todos pareciam tranquilos e sorridentes, e por que não estariam? Eu viveria
sorrindo pras paredes por todos os dias da minha vida se morasse naquela casa.
Touch teve de roubar algumas roupas pra se manter aquecido. Eu só tive
mesmo de roubar comida, e talvez a energia elétrica que consumimos pra ligar a
sauna e acender as luzes e assim por diante. Mas, fora isso, preferi deixar as
coisas deles em paz. Tudo o que eu usava, como os pratos em que servi nosso
jantar, depois lavava e colocava de volta no lugar onde tinha encontrado. Como os
castiçais na mesa já tinham sido acesos, pensei que não teria mal algum deixar as
velas queimando um pouco mais. Quando Touch apareceu na sala de jantar, eu
estava acendendo as velas. Dava pra sentir o cheiro do frango assando na cozinha,
e o sol começou a se pôr. No dia seguinte, cruzaríamos a fronteira com o
México. Naquela noite, teríamos um jantar à luz de velas.
Por alguma razão, porém, meu senso de segurança tinha ido pro buraco junto
com o sol. Eu me sentei à cabeceira da mesa e Touch se sentou à minha
esquerda. A sauna o tinha deixado bem aquecido, então ele só vestia um chapéu
de tricô, moletom e jeans. Cortou um pedaço do seu frango e deu uma mordida
sem dizer se estava bom ou não. Não é que eu tenha me dedicado por quatro
horas pra preparar aquele prato ou coisa do tipo, mas sabe, ainda assim, eu tinha
cozinhado. Será que iria matá-lo dizer que estava uma delícia?
— Aquela sauna foi a coisa de que eu mais gostei do seu tempo. Eu poderia
até dormir lá dentro.
E eu que pensei estar ocupando essa posição! Melhor nem perguntar o que
aconteceu comigo. Mais cedo, estava me sentindo tão feliz e tão ligada a ele.
Agora, de repente, eu me sentia só... sombria.
— Mas, então — eu disse, espetando um pedaço de frango. Enfiei na minha
boca e mastiguei. Pra mim, estava delicioso, mesmo que ele não achasse o
mesmo. — O que você acha que Alabaster quis dizer com aquilo? Sobre você não
ser quem eu estava pensando?
Touch parou de comer e me encarou.
— Ela estava tentando deixar você nervosa — respondeu, e logo acrescentou,
como se eu fosse a pessoa mais burra do mundo: — É claro.
— É claro — repeti. As palavras saíram amargas. — Como vocês se
conheceram, afinal?
— Como nos conhecemos?
— É, isso aí mesmo. Como é que vocês se conheceram? É uma pergunta
bem básica.
— Bem... De onde eu venho, no futuro...
— Eu sei que é no futuro. Isso já está muito bem definido entre a gente. Mas
também é no passado, no seu passado, e o que eu quero saber é como você foi

capaz de se apaixonar por uma pessoa tão má. Alguém que chega ao ponto de
dizer que você não é quem eu acho que você é. — Bem. Ela não foi sempre má. Ela não me parecia ser assim, de forma
alguma. Havia uma certa doçura nela. Ainda há, de certa forma. Especialmente
quando se trata de Cotton.
Droga. Não tinha me dado conta, até que ele respondesse isso, que eu estava
esperando que ele me dissesse nunca ter sido apaixonado por ela.
Mas não. Aparentemente, em vez disso, eu tinha preparado uma armadilha
pra que ele ficasse todo nostálgico, pensando na pessoa inocente e bela que
Alabaster costumava ser e, de certa forma, ainda era.
— Eu a conheço praticamente por toda a minha vida. Ela sempre foi tão
frágil. E tão bonita. Não tão bonita quanto você — ele acrescentou essa última
parte tão rápido que pareceu não passar de uma grande mentira. Enfim. Eu já
tinha visto Alabaster e me via todo dia no espelho. Sabia bem qual das duas
ganhava no quesito beleza, e não era a que tinha mechas de vovozinha no cabelo.
Touch levou um pedaço de espinafre à boca, mas não o considerou digno de
maiores comentários além dos que tinha dispensado ao frango, embora eu o
tenha polvilhado com alho e sal.
— O que acontece é o seguinte. Às vezes, eu realmente não acho que seja
culpa dela. Muitas pessoas, inclusive familiares, enchiam a cabeça dela com
todas aquelas ideias erradas. Se você é levado a crer em um certo tipo de
pensamento quando ainda é muito jovem, torna-se quase impossível escapar desse
condicionamento.
— Mas com sua família não é muito diferente. Seu pai quer que as coisas
voltem a ser do jeito que eram antes. Antes do Lincoln. E isso não passou pra você.
Você é forte o bastante pra lutar contra ele.
Touch ficou calado. Espetou um pedaço de espinafre e o levou à boca. Então,
disse:
— Alabaster foi criada em um ambiente onde ideias totalmente erradas eram
cultivadas. Ela nunca teve uma chance de fato.
— É evidente que não — retruquei, com a voz carregada de sarcasmo. —
Ela é tão inocente. Como eu não pude ver isso antes?
— Não foi isso que eu quis dizer.
— Eu suponho que você não se incomode que ela provavelmente esteja
educando seu filho com essas mesmas ideias...
— É o que mais me incomoda. Acima de tudo — ele respondeu. Touch
parecia triste e francamente incompreendido.
De repente, minha fome tinha passado.
— Pouco importa — eu disse, empurrando meu prato. — Eu não estou com a
menor vontade de conversar, de qualquer jeito. Vai lá, vai, vai dormir na sua
sauna.
Fui embora da sala de jantar martelando o chão, entrei no corredor e passei
direto pra um dos quartos de hóspedes. Eu não queria ficar na suíte principal por
onde Touch teria de passar pra poder chegar até a sauna. Mesmo no escuro, dava
pra ver pela janela o contorno das montanhas e, do nada, caiu a ficha. As pessoas
que moravam naquela casa não podiam ser sorridentes o tempo inteiro, por todos

X- Men: OToque Da VampiraOnde histórias criam vida. Descubra agora