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temporada, e não descobriria que ele estava desaparecido até que o verão voltasse
de novo. De modo geral, tinha me recuperado do incidente nas ruínas. Minha
pele, no entanto, continuava escurecida e avermelhada, e meu cérebro não
parava de formigar. Além do mais, não conseguia me livrar da sensação de que
Touch sabia exatamente o que estava fazendo quando me levou àquelas ruínas.
Quando perguntei sobre isso, ele apenas disse:
— Como eu poderia saber?
E já que eu não tinha uma resposta, deixei por isso mesmo.
Não tínhamos uma barraca pra armar, então simplesmente nos atiramos na
caçamba da camionete e nos envolvemos nos cobertores de Joe Wheeler. Puxei
sua enorme mochila verde bem pro meio de nós.
— Pra que isso? — Touch perguntou.
— Você sabe pra quê. Você não quer acabar como aqueles wildebears, não é?
— Posso imaginar maneiras piores de ir embora.
Pelo menos sua voz tinha recuperado aquele tom brincalhão. Apoiei-me num
dos cotovelos e olhei pra ele, que ainda vestia cada peça de roupa que tínhamos
roubado, embora para mim a noite estivesse bem agradável. Mais quente do que
no Colorado.
— Touch — eu disse.
— Vampira?
— O que aconteceu lá atrás? Nas ruínas?
—Acho que as pinturas rupestres estavam mais vivas do que fomos capazes
de perceber.
— Você sabia que aquilo ia acontecer? — não pude deixar de perguntar outra
vez. Ele não disse nada e, muito rapidamente, acrescentei: — O que você quis
dizer quando falou que eles não poderiam me levar agora?
Desejei na mesma hora que eu não tivesse acrescentado a segunda pergunta,
porque foi logo a que ele acabou escolhendo pra responder, em vez da primeira.
— Pareceu que você se tornou mais poderosa. Agora, você tem os wildebears
em você, mais os Anasazi. Eu diria que isso te faz uma mulher bastante forte.
Touch sorriu pra mim e eu sorri de volta, embora o ato de sorrir fizesse
parecer que estávamos mudando de assunto. Estava escuro, o sol tinha se posto,
mas, acima de nossas cabeças, milhares de estrelas brilhavam. Ele tirou os olhos
do meu rosto e os lançou aos céus. E logo em seguida de volta pra mim.
— Oi — ele disse, como se tivesse acabado de notar que eu estava ali.
Então fez algo que eu não esperava. Pegou um de seus cobertores (ele tinha
dois contra apenas um meu) e o jogou por cima de mim, cobrindo-me toda:
cabeça, rosto, tudo. Senti uma ponta de medo instintivamente, como se ele
quisesse me sequestrar. Mas logo lembrei que eu já tinha sido sequestrada. E
estava ok com isso. Não afastei o cobertor, embora esse tenha sido meu reflexo
natural. Em vez disso, simplesmente deitei com minha cabeça ainda por baixo do
cobertor e as estrelas fora do meu campo de visão. E, no instante em que me dei
conta do que Touch faria em seguida, ele foi em frente e fez: subiu no cobertor, o
que era o mesmo que dizer que tinha subido em mim.
O peso de um homem por cima de mim, seu corpo encaixado no meu.
Nunca tinha sentido isso antes. Poderia acabar tendo sido uma coisa assustadora,
acho, não fosse pelo fato de que eu confiava em Touch. Mesmo que estivesse
confusa com tudo o que tinha acontecido naquele dia, lá no fundo eu confiava
nele. E o amava. Pronto. Falei. Ou pelo menos pensei. Parte de mim estava com
medo de que, se dissesse aquela palavra em voz alta, ele faria aquela cara
confusa que aprendi a reconhecer tão bem, tipo quando eu disse “ar-
condicionado” pela primeira vez.
Mas meu coração me dizia que não, ele não faria aquela cara de novo. O
cobertor era feito de flanela de algodão, macio e quentinho, mas fino o suficiente
pra que eu pudesse sentir o calor de Touch, sentir seu cheiro. Ele me envolveu
com os braços e apertou sua bochecha contra a minha e, através do cobertor, eu
podia sentir seus lábios roçando minha orelha, sussurrando algo em seu próprio
idioma, estranho e bonito. E mesmo que eu não conseguisse entender, gostava de
escutar. Fez com que me sentisse mais perto dele, e um pouco menos como se
houvesse um cobertor entre nós. Tratei de me concentrar no peso do seu corpo
sobre o meu.
Touch sabia o que significava o amor.
Eu não estava nem aí se não podia ver as estrelas ou se Touch tinha me levado
àquelas ruínas de propósito. Eu nem sequer me preocupava em respirar. Só me
apertei de volta contra ele, saboreando a sensação do seu abdômen respirando
contra minha barriga e seus lábios no meu ouvido, dizendo coisas que eu não
conseguia entender, mas amava o jeito como soavam. Eu poderia ter continuado
com isso durante a noite toda e pra sempre, mas Touch enfim adormeceu, e com
muito cuidado tirei-o de cima de mim e coloquei a mochila entre nós, porque, né,
segurança nunca é demais. Não se você ama o cara.
***
Em minha vida, já tinha conhecido o significado de culpa muito antes do que
tinha acontecido com Cody. Acho que é uma emoção que todo mundo tem e, no
meu caso, com certeza não ajudou o fato da Tia Carrie viver cutucando o mal
que vivia dentro de mim. Quando eu estava na pré-adolescência, ela me alertou
sobre os homens e as partes do meu corpo que ninguém nunca deveria tocar.
Incluindo eu. Talvez se ela não tivesse me advertido sobre eu mesma me tocar,
isso nunca tivesse me ocorrido. Mas todo aquele seu falatório acabou me
deixando curiosa e lá estava eu, bela noite (no escuro, sem ninguém observando),
quando resolvi fazer uma tentativa e bem... estaria mentindo se dissesse que não
foi bom. Daí pra frente meio que se tornou minha nova maneira de cair no sono,
tocar nos lugares que eu não devia, e pouco tempo depois meus seios começaram
a brotar no peito, e depois cabelo em lugares onde antes não havia nenhum. Tinha
certeza de que, se tivesse escutado Tia Carrie, meu corpo teria ficado do jeitinho
que costumava ser. Parei com tudo na mesma hora, mas o estrago estava feito.
Continuei crescendo até me tornar uma mulher. E, mesmo depois de descobrir
que, é claro, a culpa não tinha sido minha e meu corpo teria mudado de qualquer
jeito, eu nunca poderia retomar o velho hábito de novo. Alguma coisa na minha

cabeça fez com que isso parecesse errado, sujo. Até mesmo o que eu sentia por
Cody às vezes me fazia sentir como se eu estivesse fazendo algo errado. Impuro.
Talvez, quando Touch enfim apareceu, eu tenha me sentido como se tivesse
sido catapultada pra bem longe do meu próprio mundo e esses pensamentos
nunca tivessem entrado de fato na minha cabeça. Com ele, eu nunca tinha me
sentido nem um pouquinho culpada. Ou talvez a atração por ele fosse tão forte
que acabava barrando todo o resto. Amor. Sim. Não havia outra palavra pra isso.
Eu também amava Cody, mas aquilo era diferente. Era maior. Mais maduro.
Mais permanente.
E no que deu: trouxe a culpa de volta. Por causa do meu surto de romantismo,
Cody estava numa cama de hospital, seu passado e seu futuro sugados. E quanto a
mim, eu simplesmente tinha decidido seguir em frente. Próximo cara.
É bem provável que esses pensamentos fossem o motivo pelo qual tive um
sonho com Cody na outra noite, dormindo na caçamba da camionete azul. Cody
teria adorado aquele carro e, no sonho, eu e ele estávamos sentados na caçamba,
um de cada lado, por cima de uma pequena fogueira, assando marshmallows.
Cody era paciente com seu marshmallow, girando-o lentamente de um lado pro
outro, deixando que ficasse no tom exato de um marrom meio pálido,
borbulhante. Ao passo que eu só fazia tacar o meu no fogo, apagar a labareda
num sopro e retirar a casquinha carbonizada. Minha língua queimava um pouco
em toda e qualquer tentativa.
— Você tem que ir mais devagar — Cody disse, girando o marshmallow com
o máximo de cuidado. — Não tem por que ter pressa, Vampira.
Aquilo soou muito engraçado aos meus ouvidos, escutar Cody me chamando
de Vampira, e não de Anna Marie.
— Como você sabe meu nome?
— Eu te conheço desde sempre.
Vi seu olhar recair sobre minhas mãos, sobre o anel que ele tinha me dado.
O sonho foi tão real. Não da forma como meus outros sonhos tinham sido.
Faltava aquela qualidade dos sonhos, mas me pareceu como se fosse a vida
normal, exceto pelo fato de que tinha sido mais profundo do que a vida real, como
se eu tivesse de estar cuidadosamente em busca de significados ocultos. Cody
parecia estar como sempre esteve, muito jovem e cheio de vida, mas falava com
muito mais precisão. Lembrei de todas as vezes em que ele tinha sido a única
pessoa com quem eu podia conversar. Tirou o marshmallow do fogo e estendeu o
espeto na minha direção.
— Não. Fica pra você, Cody. Você deu um duro danado por ele.
— Agora é seu. É importante que fique com ele.
Pareceu-me um tanto rude dizer não com ele me estendendo o marshmallow
daquele jeito. Feito um presente. Então peguei o espeto e puxei o marshmallow
com muito cuidado, lembrando do que ele tinha dito: eu tinha todo o tempo do
mundo. O gosto do marshmallow estava maravilhoso, crocante por fora,
derretendo suavemente por dentro, e fechei os olhos por um breve momento pra
saboreá-lo. Quando abri os olhos de novo, Cody ainda estava sentado à minha
frente, mas o fogo tinha apagado, e ele tinha puxado seus joelhos de encontro ao

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