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Estranhamente, Touch parecia estar pensando a mesma coisa. Ficou parado
olhando pra água e disse:
— Os rios lá de onde eu venho são exatamente assim. Quer dizer, a paisagem
é diferente. Aqui faz mais frio e tem uma grande quantidade de árvores que eu
não reconheço.
Ele se virou na minha direção, como se quisesse dizer algo mais, mas acabou
se distraindo. Sorriu e me examinou dos pés à cabeça, e depois fez o caminho
inverso. Eu gostava de sentir aquilo, saber que a mera visão que ele tinha de mim
podia deixá-lo tão atrapalhado daquele jeito e desconcentrá-lo de qualquer que
fosse o pensamento. Então, só sorri de volta, tentando não pensar que olhar pra
mim seria praticamente o máximo que ele poderia fazer, hoje e sempre.
Touch e eu continuamos andando pela beira do rio. Ele me disse como não
era nada incomum, lá de onde tinha vindo, visitar outros planetas. Na verdade,
uma das coisas que Touch fazia era construir naves pra viagens interplanetárias e
dispositivos tipo a bolinha vermelha que traduzia idiomas pra ele.
— Então você é tipo um inventor?
— Isso. Eu invento coisas que possibilitam que pessoas viajem a lugares aos
quais elas não seriam capazes de ir de outra maneira. O dispositivo que me trouxe
até aqui... — ele se interrompeu e olhou em volta, quase como se estivesse
preocupado que alguém pudesse estar escutando. — Vamos dizer que eu calculei
errado.
Touch estava quase sem dinheiro e ele não queria usar o caixa eletrônico no
lobby do hotel, então paramos num posto de gasolina. Pode apostar que o gerente
ficou de olho na gente, dois forasteiros esquisitões com couro até o pescoço. Pelo
menos a presença dos dois acabaria criando uma barreira pra que ninguém visse
Touch se valendo de seus métodos não convencionais pra sacar dinheiro. Ele
enfiou a mão no bolso e pegou outra bolotinha. Essa era azul. Ele a segurou na
palma da mão estendida e a soltou em frente à abertura por onde se passa o
cartão. A bola ficou estancada no ar por um breve momento e, num piscar de
olhos, sumiu pra dentro do caixa eletrônico. A tela acendeu, mas não pediu por
nenhum número ou quantia. A máquina apenas começou a cuspir notas de vinte,
uma atrás da outra, uma pequena pilha ficando cada vez mais gorda até que a
bandejinha do caixa parecia não ser capaz de suportar o peso de todas elas.
— Touch — disse, dando uma cotovelada de leve no seu braço —, acho que
já deu.
Encostou na abertura do cartão e a bolinha saiu de volta pra ele, que a
guardou no bolso junto com as notas. Antes de sair, compramos uma Coca-Cola
pra mim e um chá quente pra ele, então retornamos ao hotel.
— E comida? Vocês comem a mesma coisa que a gente, lá de onde você
veio?
— Praticamente. Temos o mesmo tipo de vida animal, então a carne é a
mesma, o mesmo valendo pra frutas e vegetais. O modo de preparo de vocês é
mais primitivo. Dá pra sentir o sabor de produtos químicos. Mas, e você? Agora
você já sabe por que eu estou com frio o tempo todo. Não vai me dizer por que eu
não posso tocar você?
Enfiei minhas mãos nos bolsos do casaco. Muito embora Touch tivesse um
grande segredo, não tinha como negar que pertencia a uma categoria bem
diferente do meu. Por exemplo, ele veio de um outro planeta onde vivem pessoas
exatamente iguais a ele. Enquanto isso, eu era a única esquisitona da minha
espécie em qualquer lugar por toda a galáxia. No mais, Touch podia até
representar algum tipo de perigo, com aquela luz crepitante que tinha tomado
nosso quarto. Mas o perigo que eu representava vinha direto de mim.
— Eu tenho um problema de pele — eu disse. Essas palavras soaram
bastante vazias saindo da minha boca daquele jeito. A essa altura, já tínhamos
voltado ao centro comercial da cidade, todo pavimentadinho e cheio de lojas e
carros buzinando sem parar. — Se você me tocar, pode acabar pegando.
Touch pigarreou.
— Eu não quero contradizê-la, mas, a essa altura, já deu para ter uma boa
visão de sua pele, e o único problema que ela parece ter é sua intocabilidade.
Então talvez seja melhor arrumar um motivo mais convincente. Se você
realmente quer que eu permaneça com as mãos longe de você.
Parei de caminhar e ele me acompanhou. Deu um sorriso. E como eu queria
ser entendida e deixar as coisas muito claras, fechei minha mão protegida por
duas luvas em volta do seu braço, que também estava coberto por diversas
camadas de roupa.
— Escute. Por enquanto, será que daria apenas pra você acreditar na minha
palavra?
Ele ficou ali parado piscando sem tirar os olhos de mim, e eu o encarei de
volta com olhos que nem ao menos me pertenciam, não por direito. Mas ele
balançou a cabeça como se acreditasse que eu fosse alguém em quem ele
pudesse confiar, o que me fez sentir um pouco triste. Então me dei conta de que
estávamos parados na frente da loja REI. Cody sempre ia lá pra comprar um
estoque de suprimentos antes de sair por aí viajando pra caçar com seu pai.
— Ei. Vamos entrar aqui e dar algum fim prático nesse dinheiro todo.
***
Já de volta ao quarto do hotel, desempacotamos tudo que tínhamos comprado
pra Touch na REI. Diferentes tipos de sambas-canção, um colete de lã sem
mangas e um sobretudo acolchoado de frio. Friorento do jeito que ele era, apesar
de ainda não ter chegado a tanto, parecia mais inteligente estar prevenido.
Sem saber dizer por quanto tempo nós estávamos na estrada ou quanto ainda
acabaríamos viajando, também comprei pra mim um gorro e uma balaclava, que
era tipo um gorro mas cobria minha cabeça e todo meu rosto, exceto pelos olhos.
Podia acabar sendo bem útil.
— É engraçado — eu disse. Estávamos sentados na cama do hotel, cada um
de um lado de uma enorme sacola de compras, separando os produtos do novo
saque pra que Touch pudesse colocar sua samba-canção de seda. — Toda minha

X- Men: OToque Da VampiraOnde histórias criam vida. Descubra agora