capítulo 06

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Vampira. Até então não tinha pensado muito no nome que Touch tinha me
dado. Mas na manhã seguinte, quando abri os olhos na barraca, foi a primeira
coisa que me veio à cabeça. Touch estava deitado, dormindo ao meu lado, e meu
coração palpitou de alegria ao vê-lo. Ele tinha puxado seu gorro até quase tampar
os olhos e fechado o saco de dormir até o queixo. Quisemos esbanjar um pouco e
compramos logo o saco mais caro do Walmart todo. Custou oitenta dólares e a
etiqueta dizia que deixava a pessoa aquecida a uma temperatura de até 25 graus.
O rosto de Touch tinha uma expressão tão afetuosa à luz da manhã enquanto ele
ainda dormia... Queria não ser tão perigosa pra que pudesse acordá-lo com um
monte de beijos. Tratei de ignorar a voz de Wendy Lee no fundo da minha cabeça,
advertindo-me para não esquecer da esposa linda, loira e extraterrestre dele.
Na época da escola, nas aulas de biologia, tinha aprendido que o gene
trapaceiro era bem incomum e não podia ser identificado. Foi isso que Touch quis
dizer quando me deu esse novo nome. Ele certamente não sabia que a palavra
também denominava simplesmente uma pessoa ruim, vampira. Minha Tia
Carrie usava muito essa palavra pra chamar os cavalos que se assustavam com
facilidade. Aos meus ouvidos, porém, “Vampira” definia muito melhor o que eu
tinha me tornado do que Anna Marie, a inocente e obediente garota do interior
que eu tinha deixado pra trás em Caldecott.
Touch tinha cílios bem longos, especialmente para um homem. Sentei ao
lado dele e o observei por um tempo até que seus olhos finalmente se abriram.
Ele me encarou como se eu fosse a melhor coisa que alguém já tivesse visto no
mundo.
— E aí — ele disse. Tirou seu braço do saco de dormir e abraçou minha
cintura. Então me arrastou pra perto de si, mas não antes que eu pudesse cobrir
meu rosto com a balaclava.
— E aí você — respondi. Soou um pouco abafado por conta do gorro. Desta
vez, foi Touch quem me beijou. Do outro lado da lã, pude sentir sua boca abrir só
um pouquinho. Eu nunca tinha beijado de língua (Cody e eu não tivemos tempo de
chegar a esse estágio), e sabia bem que seria exatamente o que estaríamos
fazendo caso eu fosse normal. Mas o máximo que Touch estava conseguindo era
encher sua língua de lã. Ele se afastou e puxou uns dois ou três fios.
— Desculpe — eu disse.
— Tudo bem — ele me puxou pra perto novamente, mas dessa vez apenas
beijou minha testa de um jeito meio fraternal. A maneira como ele se pressionava
contra mim, porém, através de todas aquelas camadas de roupas, não era nada
“familiar”. Pude sentir o contorno do seu corpo contra o meu, e sabia que ele

também podia me sentir, e tudo o que eu queria era continuar abraçada a ele pra
sempre ali naquela barraca. Senti-me incrível por um minuto inteiro antes de
começar a pensar que acabaria enlouquecendo de tanta vontade de sentir seus
lábios no meu pescoço. Ai, caramba, tudo bem, querendo sentir seus lábios por
todas as partes do meu corpo... Troquei de posição pra me sentar. Eu me
endireitei. — Está tudo bem?
— Tudo ótimo, só estou com fome — respondi. Engatinhei pra fora do saco
de dormir, saí da barraca e fiquei de pé pra sentir o ar fresco da manhã. Ainda
estava fazendo um leve frio, o que restou da madrugada, mas o sol estava subindo
e deu pra perceber que o dia seria quente.
A verdade é que Touch ainda não sabia o que aconteceria se ele tocasse na
minha pele, e me parecia bem injusto deixá-lo se aproximar tanto assim de mim
quando ele nem sabia quais seriam as consequências. Eu já não tinha sugado a
vida de duas pessoas inocentes e desavisadas? Sem contar aquele pobre gatinho.
Parafusei as novas placas no carro e depois acendi uma fogueira. Joguei fora
no fogo minha carteira de motorista e o cartão da biblioteca, por precaução. Se o
FBI realmente estivesse me procurando, era melhor não ter identificação alguma
do que ter a minha. E, quanto ao Prius, imaginei que pudéssemos fazer com que
ele aparentasse ter alguns anos de estrada e não ficar assim tão novo e polido,
então Touch e eu tratamos de dar um jeito nisso, esfregando areia por todo o
carro, tentando sujá-lo o máximo possível pra que ficasse sem brilho algum e
meio velho. Amassei a lataria com uma pedra e arranhei a pintura em alguns
lugares. Demos um duro danado por cerca de uma hora, mas agora o carro
certamente parecia ser bem diferente do que aquele que roubamos em
Napoleon.
Depois, comemos algumas barras de cereal que tínhamos comprado no
Walmart e fomos fazer uma trilha. Levei uma mochila pequena apenas pra
guardar as garrafinhas d’água, além das roupas que, imaginei, quiséssemos tirar
pelo caminho quando o dia começasse a esquentar. Ou pelo menos que eu
quisesse. Fomos caminhando pelas dunas até que comecei a ficar preocupada
com a possibilidade de não encontrarmos nosso caminho de volta. Era tudo tão
parecido.
Sem sombra de dúvida, estava ficando cada vez mais e mais quente, e eu não
parava de me despir, uma peça de cada vez, até que acabei apenas com minha
calça de couro e um top. Todo o resto estava socado na mochila. Tentei tirar meus
sapatos, mas a areia estava quente demais pra seguir descalça. Touch, é claro,
continuou com toda a sua roupa, inclusive o gorro.
— Onde fica o oceano mais próximo daqui? — ele me perguntou.
— Não a menos de 600 quilômetros.
Ele sacudiu a cabeça, um tanto incrédulo:
— De onde eu venho, não existe lugar algum que esteja a 600 quilômetros do
oceano.
— Sério? Você acredita que eu nunca cheguei a ver? O mar, quero dizer.
Os olhos de Touch me procuraram e ele sorriu, e mesmo sem dizer nada,
deu pra notar que ele mal podia esperar pra me mostrar o oceano. Se a gente

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