Tárcio - A armadilha errada.

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Tárcio checou seu celular mais uma vez e suspirou. Nenhuma mensagem de Bárbara. Todos os dias eles conversavam e o rapaz estranhou que ela não te respondesse.

Talvez ela estivesse ocupada... Ou tinha se cansado de falar com Tárcio. Ele esperou que fosse apenas a primeira alternativa.

Ele colocou seu celular no Altar e olhou para o pequeno salão. Na maior parte das vezes, em sua igreja sempre tinha algo para fazer, mas naquele dia o rapaz esperava pacientemente algo para poder fazer.

-Pastor! -Marcelo entrou no salão sorridente. -Tenho um presente para o senhor! -Ele falou com algo enorme em suas mãos enrolado no pano.

-O que é isso, Marcelo?

-Arranja uma mesa, Pastor!

Tárcio saiu correndo até a pequena sala e trouxe consigo uma mesa branca de plástico.

Marcelo colocou o pacote em cima da mesa e desembrulhou. Os olhos de Tárcio brilharam ao ver o teclado.

-Pastor, o senhor falou uma vez que tocava na sua antiga igreja, então eu estava arrumando o quarto lá de casa e encontrei esse teclado que eu usava quando tinha uns quinze anos... Já faz tempo! Aí resolvi dar para o senhor!

-Marcelo, não precisava...

-É claro que precisava! O senhor tem feito tanta coisa por nós!

-Não sou eu, Marcelo. É a entrega de vocês a Deus.

-Mas o senhor tem nos ajudado muito!

E era verdade, Tárcio estava impressionado com a mudança que havia acontecido no casal. Com uma semana após o processo de libertação dava para ver algo diferente. Eles poderiam ter algumas recaídas, mas a determinação em mudar de vida era maior que qualquer erro.

Com seus dedos ágeis, Tárcio rapidamente configurou o teclado e começou a tocar algumas notas. Ele fechou os olhos e suspirou. As notas vinham com uma facilidade impressionante, como se a música fosse uma extensão de seu corpo.

-Pastor? -Marcelo o chamou.

-Uh? -Tárcio respondeu ainda com os olhos fechados enquanto se concentrava nas notas musicais.

-Aquela Obreira é nova na igreja?

Tárcio abriu os olhos para olhar minimamente para a moça que entrava vestida no uniforme de Obreira. Yasmin deveria não ter mais que dezenove anos, ela era da Catedral, mas como sua casa era perto da nova igreja, ao invés de Lúcia vim ajuda-lo, foi ordenado que a jovem viria.

Até aí tudo bem, se Tárcio não se sentisse incomodado perto da jovem. Os olhares que ela lançava em sua direção, sua voz melosa ao falar com ele, seus gestos que pareciam ter algo a mais.

Tárcio queria falar que se sentia incomodado... Mas e se tudo não passasse de paranóia dele?

-Pastor? -Marcelo o chamou mais uma vez balançando sua mão em frente ao rosto de Tárcio.

-Desculpe.

-O senhor escutou alguma coisa do que eu disse?

-Sobre o teclado? -Tárcio deu um sorrisinho.

-Me desculpe a ousadia, mas o que o senhor acha daquela Obreira?

-Uma mulher de Deus, uai! -Ele deu de ombros. -Como todas as outras.

-Só isso?

-Apenas isso. Por quê?

-Poxa, não vejo a hora do senhor casar!

Tárcio começou a rir:

-Ah, Marcelo! Não é assim que a banda toca!

-Mas ela é bonita, jovem e dedicada...

-Mas creio que ela não vai combinar comigo.

-E quem combina com o senhor?

Sem intenção alguma, seus pensamentos rapidamente viajaram até Bárbara. Até o seu riso fácil, a sua voz calma que ao mesmo tempo agitava o peito de Tárcio. Os olhos atentos e uma companhia incrivelmente agradável.

Como se soubesse que Tárcio estava pensando em Bárbara, seu celular em seu bolso vibrou mostrando uma mensagem da mesma:

"Hoje o dia foi uma coisa que eu ainda estou tentando entender e olha que ainda são duas da tarde."

Ele sorriu e Marcelo sorriu:

-Acho que já achamos quem combina com o senhor...

Tárcio sentiu as bochechas queimarem de vergonha e limpou a garganta.

-Marcelo, vou preparar a reunião, e você pare de falar besteiras. -Ele se levantou constrangido, mas Marcelo continuava sorrindo.

***

Tárcio estava terminando de grampear alguns convites, quando Yasmin entrou na pequena sala. Os dois se cumprimentaram e depois que a moça havia organizado tudo, ela veio até estar ao lado de Tárcio para o ajudar a grampear.

Yasmin limpou a garganta:

-Pastor, eu preciso falar algo sério com o senhor... -Ela colocou uma das mãos sobre a de Tárcio. -Eu estou interessada no senhor!

Tárcio a olhou alarmado. Por alguns breves instantes, ele ficou em silêncio, até que Yasmin tomou uma atitude e se aproximou do Pastor. Uma lembrança de quando Marcelo estava mal o atingiu, a ameaça de que o diabo estava planejando a queda dele veio a tona.

Ele não poderia dar nenhuma brecha:

-Afasta-se de mim, demônio! -Ele controlou sua voz. -Se encostar um dedo em mim, vai manifestar a legião que está aí!

A garota o olhou assustada, mas antes que pudesse falar algo, Tárcio saiu da salinha de campanha.

O diabo não iria derruba-lo.

***

Tárcio estava sentado em seu colchão tentando ler a Bíblia, mas os pensamentos sobre Yasmin não o deixava se concentrar. Ele colocou a Bíblia de lado e pegou o celular. O restante do dia ele havia evitado a Obreira, mas duvidava que conseguiria o restante da semana.

No mesmo instante ele pegou o contato do Pastor responsável por ele e mandou uma mensagem explicando a situação e pedindo socorro.

Assim que terminou de escrever, sentiu seu corpo reclamar em cansaço e mais uma vez Tárcio acabou dormido sem ler a Bíblia ou orar. Não era a primeira vez, nem a segunda, aquilo havia se tornado normal.

Mas estava tudo bem.

Canção de um servo.Onde histórias criam vida. Descubra agora