Canção de um servo.

Tárcio - Fidelidade ao Altar.

Quando o ombro de Tárcio não aguentava mais e seu relógio marcava o final da reunião, foi impossível não chorar mais uma vez.

Sua carne gritava querendo retrucar. Seus pensamentos voavam e ele sentia suas mãos suarem.

Será que ele realmente era do Altar?

Aquela perguntava assolava a sua cabeça, e ele tentava amarrar os pensamentos, mas não era só o diabo, ele olhava para suas mãos, pensava em tudo o que havia passado até ali.

Ele não era digno, mas uma revolta cresceu em seu peito. Ele não havia lutado até ali para desistir, e não iria ser a inveja de um Pastor que o impediria.

Não importava se ele não tivesse o tão famoso chamado para o Altar, Tárcio havia largado tudo, havia sacrificado a si mesmo, o Altar não era um lugar em que nós depositavamos a vida e Ele não respondia.

Não importava se ele não tinha condições de ser Pastor, a fidelidade do Altar o obrigada a abençoa-lo.

Tárcio se levantou do chão e escutou alguns passos do lado de fora, rapidamente começou a bater na porta e pedir por ajuda.

-Tárcio? -Johnathan abriu a porta surpreso. -Porque você está dentro de um armário? Meu Deus! O Pastor Kléber vai arrancar a sua alma! Ele está furioso!

Tárcio queria falar o que havia acontecido, mas antes ele precisava conversar com Quem resolveria o seu problema.

Rapidamente ele caminhou até o salão. Estava vazio e ele se dirigiu ao Altar.

Respirando fundo, Tárcio tirou a gravata vermelha e a jogou no chão, se ajoelhando e colocando o rosto no chão.

-Eu não sei nem como começar a orar... -Ele gaguejou e mais lágrimas escorreram pelo seu rosto, mas dessa vez era de revolta, não contra o Pastor que havia trancado ele, mas contra si mesmo.

Eu já me senti sozinho mesmo cercado por uma multidão
Eu já dei um sorriso só pra disfarçar a dor no meu coração
Eu já fiquei em silêncio só pra não falar e começar a chorar
Eu já abafei o choro com um travesseiro só pra não gritar
…
Eu já me senti esquecido não só por pessoas mas até por Deus
Eu já questionei se Deus faria de verdade tudo o que me prometeu...

Tárcio sentiu sua garganta se fechar, nem cantar ele conseguia mais. A dor em seu peito era enorme, ele só tinha o Altar, mas naquele momento, nem aquilo ele parecia que tinha mais.

-Se eu não viver para Te servir, então eu não sirvo para viver... -Ele soluçou. -Se eu não for do Altar, então me leve, Senhor. Me arranque desse mundo, pois eu não sei viver aqui...

Alguns passos e alguém limpando a garganta próximo a ele:

-Meu filho, se levante. -A voz era grave e autoritária.

Tárcio não queria se levantar, mas o fez. Sem levantar o rosto, começou a limpar as lágrimas que estavam em suas bochechas. Seu estado era lastimável, mas ele não se importou.

-Olhe para mim.

Tárcio timidamente levantou seu rosto e observou o homem que segurava a gravata que ele tinha jogado no chão:

-Tárcio, não é?

Ele concordou sem forças para responder.

-Realmente, você não merece essa gravata. -Ele a colocou no bolso e Tárcio engoliu em seco. -Porque não é uma gravata que o faz ser Pastor, vai muito além disso. Por que você não estava na consagração?

-Eu estava preso na salinha de limpeza. -Tárcio respondeu derrotado, sua língua coçou para que ele falasse que um dos Pastores o tinha prendido lá dentro, mas ele sabia que não adiantaria nada.

O homem riu:

-Você é um rapaz abençoado. Eu ia embora, mas você não saia da minha cabeça e resolvi voltar para saber porquê você não compareceu.

Tárcio franziu as sobrancelhas e arregalou os olhos quando percebeu que estava na frente do Bispo que cuidava dos Pastores.

-Chegando aqui não pude deixar de escutar a sua oração e entendi o porquê de ter voltado. Me senti como o profeta Samuel quando foi ungir Davi, ninguém dava nada pelo rapaz, nem sequer se lembravam dele, mas Deus não o havia esquecido. -Ele tirou a gravata que estava usando e colocou no pescoço de Tárcio. -Eu soube da sua história, e por mais difícil que tenha sido, soube da sua fidelidade para com o Altar também. Às vezes parece que Deus não nos vê, que a nossa oração bate no teto e volta, mas não podemos reclamar, desistir, retrucar ou até mesmo recuar. Por isso, hoje eu levanto você novamente a Pastor e que seja um caminho sem volta. -Ele tirou dos bolsos um potinho pequeno de azeite e derramou sobre a cabeça de Tárcio.