Tárcio - Minha família.

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Antes de ir para São Paulo, Tárcio teve um dia para ir visitar seus pais. Desde quando havia se convertido e conseguido morar em outro lugar, o rapaz não via mais seus pais. A igreja onde ele havia estado não era longe de sua casa, mas seus pais mostraram o quão longe eles o queriam.

Tárcio era o filho caçula de três irmãos. Ninguém de sua casa ia para a igreja, pelo contrário, eles odiavam com todas as forças. O rapaz orava todos os dias pela sua família, mas não sentia mais dor ao pensar naquilo, não adiantava ele enfiar o evangelho goela a baixo de seus familiares, não adiantava ele obrigar, eles tinham que dar o primeiro passo, e enquanto isso não acontecia, Tárcio tinha que confiar em Deus.

O rapaz tocou a campainha e esperou, rapidamente a porta abriu e uma jovem atendeu.

-Oi, Tamara. -Ele a cumprimentou e os olhos de sua irmã brilharam em reconhecimento, mas logo isso foi substituído por um sentimento de repulsa.

-Tárcio. -Ela falou com a voz amarga. -O que está fazendo aqui?

-Preciso ver a mamãe e o papai.

-Pra quê? Você nunca se importou com eles! Por que logo agora resolveu dar o ar das graças? -Ela começou a gritar.

-Tamara, eu só quero ver eles dois... -Tárcio respirou fundo. -Por favor!

Tamara a contra gosto deu espaço para que ele pudesse passar. Tárcio entrou em sua antiga casa e lembranças da vida que ele levava antigamente o atingiu. Noites que ele chegava totalmente fora de si, a droga o fazia perder a noção da realidade. Noites que sua mãe chorava compulsivamente e que Tárcio não se importava nem um pouco. Noites que seu pai chegava e não fazia mais ideia do que fazer com o rapaz. Noites de dor, noites que um vazio enorme existia no rapaz é que ele não havia encontrado a solução.

Enquanto os dois caminhavam para o quarto a voz de Tales, o segundo irmão mais velho de Tárcio veio até o rapaz:

-Ora, ora! Se não é o Pastorzinho! -Ele saiu do escuro e sorriu. -Imaginei quando você iria lembrar da nossa existência.

-Tales... -Tárcio sussurrou vendo a aparência de seu irmão.

Tales era o filho do meio. Quando finalmente o rapaz conseguiu sair da vida errada que tinha e se convertido de verdade, Tales havia ficado no meio do caminho. Ele não havia seguido o mesmo caminho que seu irmão mais novo e agora Tárcio via nitidamente o pior estado que homem poderia chegar. Tales vestia roupas surradas. Seu rosto magro era contemplado por olheiras profundas e uma barba por fazer. Todo o brilho de um jovem sonhador havia se perdido no meio de toda a destruição que as substâncias causavam em seu irmão.

-Tales... -Ele sentiu sua garganta secar. -O que aconteceu com você?

-Não fui contratado para ser Pastorzinho, Tárcio. Estou no fundo do poço!

-Você sabe que eu posso te ajudar.

-Eu não quero nada que venha de você! -Ele gritou. -Você nem se lembrava que existiamos! Deve estar nadando em dinheiro das pobres pessoas!

-Para com isso, Tales! Eu tenho algo que vai te ajudar!

-O que? Vai me dar dinheiro?

Tárcio se caminhou até a Bíblia que sua mãe sempre deixava aberta em cima da mesa em Salmos 91 e estendeu para o seu irmão.

-É mais valiosa que qualquer dinheiro que eu possa te dar!

Tales pegou a Bíblia e olhou ironicamente para Tárcio.

-Você está tirando uma com a minha cara, não é?

-Não! Tales, por favor...

O rapaz tirou um cigarro feito a mão de um dos bolsos, rasgou uma folha da Bíblia e enrolou no cigarro o acendendo. Tales tragou o cigarro de maconha e soltou a fumaça no rosto de Tárcio.

Tárcio balançou a mão na frente de seu rosto e olhou sentindo dor pela alma de seu irmão:

-Que Deus tenha misericórdia de você, irmão.

Ele se virou caminhando ao lado de Tamara que sussurrou:

-Santo do pau oco! -Ela cuspiu aos pés de Tárcio, mas o rapaz continuou andando até o quarto.

O pior ainda estava por vim.

-Mãe, pai... -Tamara chamou os dois senhores que estavam sentados quando abriu a porta do quarto. -O Tárcio está aqui.

Seus pais levantaram o rosto para ver o jovem entrar. Tárcio não esperava nenhum abraço, nenhum sorriso, sabia que eles não o queriam ver, mas ainda assim ele puxou uma cadeira e se sentou na frente de ambos:

-Podemos conversar um pouco?

-O que você quer? -Seu pai perguntou rispidamente.

-Só preciso amenizar a saudade que eu tenho de vocês dois.

Foi aí que o rosto endurecido dos dois foi quebrado e Tárcio conseguiu uma brecha.

***

Tárcio conseguiu manter uma conversa com os seus pais, até o momento que tocou no assunto que iria embora para São Paulo por causa da Obra.

Seus pais não queriam, falavam que a igreja tinha tirado a sua juventude, que tinham tirado a sua vida.

Mal eles sabiam que tinha sido por intermédio da igreja que ele havia encontrado a vida.

Por mais que Tárcio tentasse fazer com que eles enxergassem isso, não adiantava.

-Não adianta, Maria! O Tárcio está abitolado! Fizeram uma lavagem cerebral no nosso filho! -Seu pai falou rudemente quando sua mãe tentou novamente o convencer que aquilo era uma loucura.

Tárcio respirou fundo e se levantou, não queira e não era obrigado a escutar aquilo. Ele amava os seus pais, mas não cabia a ele os convencer.

O Espírito Santo faria a boa Obra.

-Eu não entendo como vocês podem odiar algo que me fez tão bem! -Tárcio falou frustrado. -Talvez se eu estivesse ainda como Tales, vocês me amariam!

-Não repita uma coisa dessas! -Sua mãe esbravejou.

-Então me respondam, por quê? -Ele esperou, mas o silêncio reinou no quarto, quando só era possível escutar a respiração dos tres, Tárcio falou: -Eu irei para São Paulo, e peço a benção de vocês dois.

-Eu te abençoou, meu filho. -Sua mãe se achegou ao rapaz e beijou a sua testa, ela sabia que nada faria com que Tárcio mudasse de ideia.

Ele esperou que seu pai fizesse o mesmo, mas o homem apenas virou o rosto.

-Obrigado, mãe. -Ele deu o último olhar para o seu pai. -Tchau, pai.

E se virou para ir embora. Se despediu de Tamara que tomou a mesma atitude que seu pai, quando chegou a vez de Tales ele apenas sorriu e disse:

-Eu ainda acredito em você. -E saiu pela porta.

Em nenhum momento, Tárcio havia se arrependido do que havia escolhido para si, sabia que Deus o havia chamado e ele iria honrar isso.

Ele desbloqueou seu celular e olhou para a foto de Bárbara no perfil do WhatsApp:

"Adivinha quem está indo para São Paulo nesse momento?" Ele digitou e apertou o enviar.

Canção de um servo.Onde histórias criam vida. Descubra agora