O Buraco Negro

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Após um intervalo de 1 minuto, Sofia apertou pela segunda vez a campainha. No momento em que ainda tocava, a porta  abriu. A tia, que tinha os cabelos lisos e loiros presos em um coque baixo bem arrumado, se deixou descair o semblante assim que viu a figura da jovem.

A Ana está por aí? — a menina perguntou, com sua voz caramelada de açúcar. Nem interpretou a feição insossa da mulher e foi entrando. — Trouxe um pouco do doce de leite que eu fiz…

— A verdade, doutor…

Sofia acabou desviando a atenção, esticando as orelhas para o que o tio e um homem de terno com uma pasta de couro conversavam na sala de jantar.

— Não concordo com essa decisão de não termos acesso aos bens para pelo menos custear as despesas da própria herdeira, ainda mais quando não há quaisquer pendências no processo do inventário — o tio explicava seriamente, com as mãos entrelaçadas na mesa.

— Posso entrar com uma petição, mas, não acho que a decisão da juíza irá mudar. Só a herdeira terá acesso e apenas quando completar dezoito anos — disse o homem engravatado.

— Não sei o que faremos… — Suspirou o tio. — Ela entrará na faculdade cedo, pois está adiantada no ensino médio, e os gastos… O quarto também precisa de uma reforma...

— Como ela está, emocionalmente? — o homem desviou um pouco do assunto. — Seria bom se ela participasse da nossa conversa. Sempre que venho, ela nunca está...

— Ora, não se preocupe, a Ana está ótima! — O tio soltou um sorriso com um fundo amargo. — Minha sobrinha só não quer ter que lidar com toda essa burocracia, prefere que nós cuidemos disso.

Ele dizia sem perceber que era Sofia quem havia chegado.

— Ela está no quarto — a tia avisou, seu tom de voz soando como se expulsasse a garota.

A Fofa subiu as escadas, enquanto a tia  trocava olhares desconfiados com o tio à medida que retornava à mesa. 

Duas curtas batidas na porta do último quarto do corredor e abriu logo depois, girando a maçaneta. Ana estava sentada na beirada da cama, olhando a parede, sem piscar, como se fosse uma televisão.

— Cheguei… — Fez barulho com a sacola que trazia consigo, na tentativa de resgatar a menina daquele sono desadormecido.

Com a mesma expressão que tinha no rosto, Ana simplesmente virou o pescoço na direção de Sofia, que se aproximava com um sorriso que deveria animar, mas que apenas transparecia preocupação.

— Olha o que eu trouxe pra você — Sentou ao seu lado e retirou de dentro da sacola uma vasilha junto com uma colher.

— Obrigada. Vou comer depois.

— Como você tá no colégio novo?

— Ah… — suspirou, hesitante.

— Tem alguma coisa acontecendo? — Sofia perguntou baixinho. — Pode me contar, você vai se sentir melhor…

— Eu não sei, é que… Eu só… Tem alguma coisa estranha acontecendo comigo. Eu não tenho conseguido ficar perto das pessoas. Na escola, só de ver um rosto desconhecido, parece que o meu estômago... vira um buraco negro e ácido. Começo a passar mal, fico tonta e a cada dia parece que piora.
Só para quando eu me tranco nesse quarto abafado e quente. Ir para a escola e ver todas aquelas pessoas tem sugado todas as minhas energias e eu só quero ficar sozinha.

Sofia a abraçou ternamente, tentando conter suas lágrimas frouxas.

— Que bom que você me contou isso… Sei que você pediu para não tocarmos no assunto do acidente, mas, promete que vai falar pra gente tudo que acontecer com você de agora em diante?

— Posso tentar.

— Ótimo… — Sofia se afastou do abraço, olhando para a amiga fixamente. — Vou falar com o seu tio e eu mesma vou marcar uma consulta com um psicólogo, ele vai ajudar a gente a resolver isso, tá bem?

Com as vistas baixas, Ana apenas concordou com a cabeça.

— Essa casa tem um jardim tão lindo! Você pode caminhar um pouquinho, tomar sol… Tenho certeza que isso vai te fazer sentir melhor.

— Eu... também tenho tido os mesmos sintomas quando vejo os meus tios. Não gosto de andar pela casa. Quando ouço passos, corro para cá.

— Você sente isso quando me vê? Ou quando vê nas meninas?

— Não.

— A gente vai ajudar você, Ana. — Sofia a abraçou novamente, e ficaram caladas por algum tempo daquela forma.

— Já conversou com o seu advogado alguma vez?

— Só uma.

— É verdade que você não quer saber sobre o processo do inventário?

— Não… — Ana se distanciou de Sofia, estranhando.

— Sabia que o seu advogado está aqui agora?

Ana balançou a cabeça, pensativa e séria.

— Você pode descer comigo? Quero pegar o contato dele.

Sofia deu um leve sorriso, porém, logo sua preocupação voltou a transparecer:
— O seu tio, ele… Desculpa eu te dizer isso, mas, o seu tio… Não confia nele, Ana.

— Eu não confio.

— Eu não confio

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