- Esquece. - Arranquei o chapéu da cabeça. - Tomara que chova.
Me contive até o ponto culminante da explosão e antes que saísse do controle, saí.
Tudo que eu desejava naquele momento era ficar sozinha, absolutamente isolada, interditar minhas cordas vocais para que elas não precisassem reproduzir som sequer, nem dirigir palavras a ninguém, para que eu pudesse me acalmar enquanto pensava...
- Com licença! - uma voz se alterou atrás de mim, quando caminhava pelo corredor, com destino ao elevador. - Ana-ssi!
Pensei seriamente em ignorar, mas acabei parando os pés. Após respirar fundo, me virei rumo a quem gritava, liberando minha garganta da curta interdição: - Sim?
- Vamos precisar de você no local do show. - Era uma das staffs.
- Quando?
- Agora... - respondeu como óbvio, porém, sorrindo de leve.
Pragalhei inúmeras maldições mentalmente, forçando uma feição que não fosse tão assustadora para a moça à minha frente.
- Preciso passar no quarto primeiro.
- Tudo bem, nós saímos daqui a uma hora.
Meu tempo sozinha teria que esperar e pelo jeito, teria muito o que esperar...
Após estar devidamente vestida para mais um longo dia, desci para o café do hotel. Engolia rápido e educadamente a farta porção de salada de frutas.
Senti uma presença invadir meu espaço, no entanto, pela pressa, não dei atenção.
- Então você voltou...
Meu corpo enrijeceu no momento em que os ouvidos entraram em contato com o primeiro ruído daquela voz áspera, fazendo com que a mão segurando a colher também enrilhasse na metade de seu trajeto.
Vi de relance passos arrodearem a pequena mesa redonda; a cadeira vazia ressoou quando foi arrastada.
- Sabe, quando vi as notícias não acreditei... Tive que vir ver com meus próprios olhos. - Passou as vistas vagas, quase desabitadas, pelos arredores. - Acho que fiz bem, assim te faço companhia, já que continua sozinha...
Nada mudou. O rancor e a repulsa ainda transbordavam pelo seu olhar opaco, rosto inexpressivo, decerto até mais que antes... A forma insípida de falar tornavam as insinuações ainda mais dolorosas; sua maior habilidade.
Despenquei a mão ainda parada no ar até que a colher caísse dentro da tigela.
O apetite desapareceu por completo.
- O que veio fazer aqui? - Enfim ergui a cabeça para encará-lo.
Barba e cabelos grisalhos continuavam como sempre, grandes. Os fios da cabeça chegavam a bater nos ombros, à medida que os do rosto tendiam a despencar alguns poucos centímetros da pele. Ao redor de seus olhos marcas de expressão, antes inexistentes.
- Isso foi o que eu vim saber de você... - Arrumou a gravata presa ao colarinho, apesar da mesma não precisar de ajuste algum. - Nunca pensei que agiria assim, a ponto de ir ao outro lado do mundo fazer escândalos só para chamar a atenção. Achei que nunca mais pisaria aqui, e olha só o que temos... - Desferia as palavras como se já as soubesse de cor, proferindo um discurso bem ensaiado. Não me surpreenderia se de fato ele o tivesse feito...
Somente o cravei em minha visão, sem saber distinguir o sentimento que tomava conta de mim. Era a única forma de afronta que eu conseguia demonstrar.
E então o silêncio tomou conta. Parecia que mesmo o ambiente movimentado à nossa volta havia se calado.
Voltei a comer, lentamente.
- Nunca confessei abertamente, mas às vezes sinto inveja de você. - Ainda comendo, vi de relance seus cotovelos se apoiarem na mesa e seu corpo se aproximando, os olhos ainda pesando em minha direção. - De como consegue ser assim, sem se importar, como se nada nunca tivesse mudado. Você até consegue sorrir...
Cessou as palavras, mas senti que ele apenas me analisava, esperando o melhor momento para despencar as piores orações de seu acervo.
- A sua ingratidão chega a me impressionar... Depois de tudo o que eu fiz por você, nunca ouvi um agradecimento. Tem noção do quanto me esforcei para suportar tudo? Ter que ver o seu rosto, na minha própria casa... - Suspirou fundo. - Não teve um dia sequer que eu não pensasse em tudo o que aconteceu. Cuidei de você mesmo depois de tudo o que fez a eles, você...
- Chega. - Levantei o braço, chamando a atenção do garçom, o interrompendo antes que terminasse aquela sentença. Seria demais para mim.
- É muito pesado para carregar? Sinto esse pesar todos os dias, mas fico um pouco mais aliviado sempre que o divido com você, que é quem merece levar tudo. Apesar de não dar a mínima, não é? Nunca deu...
- Com licença? - Ergui a cabeça assim que ouvi o garçom. - Está tudo bem com a senhora?
- Por favor, tire esse homem daqui.
- Senhor, por favor, se não se levantar terei que chamar a segurança do hotel.
- Tudo bem. - Ficou de pé, ajeitando novamente a gravata e alinhando seu terno azul marinho. - Estou saindo. Até mais ver, sobrinha.
E assim se foi, caminhando leve e satisfeito; até mesmo seus olhos ganharam um toque de brilho.
Chequei as horas, certificando o atraso. Quando me levantei, vi Kim Seok Jin ao longe, com sua camiseta branca completamente encharcada, me fitando com semblante preocupado.
O quanto daquela cena deplorável ele viu?
Dei passos em seu rumo, lutando com todas as forças para fingir que estava tudo bem, à medida que pensava em como conseguiria sorrir nesse dia, que mal tinha se iniciado.
Estava ficando cada vez mais difícil fingir...
- Quem era aquele homem? - Nem esperou que eu me aproximasse direito.
- Ninguém. - Parte da equipe que iria comigo ao local do show já esperava, provavelmente por mim. Foi o bastante para eu passar por Kim Seok Jin sem nenhuma satisfação.
A chuva caía descontrolada lá fora...
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Bangtan e Eu
FanfictionExistem várias estratégias para lidar com conflitos e sentimentos. Para Ana, fugir e ignorar são as que melhor funcionam. Fechada e cheia de segredos, sempre evitando novas amizades e preocupada com as consequências de suas ações, se Ana ao menos im...