Apesar da minha presença não se fazer mais necessária no Brasil, após a festa de lançamento da coleção, insisti e fiz questão para que me deixassem trabalhar mais um tempo, no que fosse preciso, o máximo que pudesse demorar.Mas em algum momento, eu teria que voltar. Afinal, ainda tinha uma casa do outro lado do mundo com os meus pertences, junto com impostos à vencer.
E já naquela última semana antes de partir, passei trabalhando com coisas administrativas relacionadas às vendas e a divulgação da coleção.
Marcelo estava sempre por ali, aquele mesmo cara que me ligou na Coreia do Sul há um tempo atrás, quando eu acabava de voltar do Brasil com a cabeça cheia, fazendo de tudo para não me concentrar nos acontecimentos durante a turnê do BTS, onde eu fora a "intérprete".
Naquele primeiro contato com Marcelo, o último nome que eu gostaria de ouvir era o do meu país de origem. Mas aquela proposta de repente viera a calhar quando de repente a Coreia do Sul se tornou um lugar impossível de se ficar.
O homem era um empresário muito experiente no ramo da moda e do marketing. Estávamos os dois em sua sala, trabalhando sem parar. Eu, com meu velho notebook, e ele com o computador.
Marcelo era moreno, aparentava beirar os quarenta e tinha um estilo excêntrico que me fazia lembrar o estimado Mr. Robin, o stylist dos sete.
Ele vestia um terno com colete, de modelagem slim, com um tom de laranja bem opaco, o que harmonizava muito bem com sua pele.
— Se os números continuarem assim, vamos ter que pensar logo na coleção de outono-inverno — comentou, animado.
— Quem sabe…
Ele virou a tela do seu monitor, me mostrando os gráficos que indicavam o sucesso de vendas.
— As divulgações nas redes foram de grande ajuda. Me agradeça por todos os créditos que recebeu pelo artigo na revista — brincou.
— O trabalho de marketing é responsabilidade sua, de qualquer forma — respondi apenas, sem tirar os olhos do notebook.
— Dessa vez você vai mesmo?
Nem me vi descair os ombros e suspirar:
— Tenho mesmo que ir… Mas estão querendo se livrar tanto assim? Ainda tem algum trabalho a ser feito.— Só estava brincando… — ele respondeu sem jeito.
Desviei as vistas, que já estavam cansadas de tanto forçarem contra a luz azul daquela tela. Estávamos no vigésimo andar e, através dos vidros do prédio, lá fora, o céu de São Paulo estava mais do que apenas escuro.
Levantei, desligando o notebook.
— Já que está indo em breve, temos que marcar um happy hour. — Marcelo pegou o celular. — Vou ligar para o pessoal.
— Não, não. Não se incomode. Já me despedi da maioria. Até amanhã.
Antes que ele insistisse, peguei minha bolsa e saí.
Morando em um hotel há mais de três meses, aquele quarto havia se tornado quase tão aconchegante quanto a minha casa. Assim, a velha e conhecida rotina depois do trabalho também permanecia a mesma. Sempre tomava chá enquanto lia uma coisa ou outra, só que sentada na cama, com as costas na cabeceira.
Quando peguei o notebook, ainda desligado, meu celular vibrou.
Havia chegado uma mensagem.
Uma mensagem de Kim Seok Jin.
Estava quase certa de que haviam desistido, pois depois de dois meses e meio, as mensagens e ligações tinham simplesmente parado de vir. Só que, dessa vez, não era uma mensagem de texto, e sim um vídeo.
Apertei o play, e Kim Seok Jin começou a falar, em baixa definição, dentro de um quarto mal iluminado.
"— Annyeonghaseyo, Ana-ssi… — Curvou a cabeça em cumprimento. — Há quanto tempo... Ãn... — Coçou a cabeça. — Espero que esteja bem. Eu... não sei por que estou gravando isso. Quer dizer... Ani, eu sei exatamente. É para saber se você está cuidando direito da minha pulseira. Espero que sim, porque de alguma forma misteriosa eu apenas sei que ela está aí, no seu pulso, neste exato momento. Espero que continue assim. Para sempre."
Kim Seok Jin olhou para baixo, para as próprias mãos.
Por impulso, fui com os olhos em meu pulso esquerdo, aquelas inscrições em hangeul brilhando contra o meu rosto, me fazendo lembrar das tantas coisas acontecidas desde quando aquele acessório se envolveu em mim. E, diferente do garoto, havia me esquecido completamente de que ela estava ali todo esse tempo. Se "esquecer" no sentido de se acostumar tanto com a presença a ponto de sentir que aquilo já fazia parte do meu próprio corpo.
"— Sabe, às vezes me vem na cabeça, a ideia de que, se eu tivesse insistido mais, ligado um pouco mais, ido atrás, dane-se, até mesmo na casa dela, tentar falar com os pais dela… Talvez se eu tivesse me esforçado em definitivamente falar com Kang Mi Cha, ela estaria viva. Eu nunca imaginei que isso fosse acontecer com ela. Às vezes me sinto um lixo por, naquela época, ter amaldiçoado Kang Mi Cha pelo que ela fez comigo. Ela me usou e fez muita coisa desagradável com você, mas, ela não merecia… Sempre soube que o pai dela era horrível, ela se abriu comigo e eu... E eu fico dizendo pra mim mesmo, tentando me convencer de que a culpa não é minha… Mas é difícil acreditar. Por isso, Ana-ssi, eu sei o que você está sentindo, então, quando o seu trabalho acabar por aí, você pode por favor voltar? Acredite em mim, a culpa também não é sua. Não fuja mais, Ana-ssi."
Fechei os olhos com força, tentando expulsar aquelas palavras tão doces e ao mesmo tempo tão dolorosas de Kim Seok Jin. Bloqueei o celular e liguei o notebook que estava em meu colo. Afinal, trabalhar estava se saindo, por todo aquele tempo, como uma ótima distração; me fazia esquecer a Coreia do Sul e tudo o que havia nela.
Ao menos por enquanto, ao menos por essa semana.
🖤🖤🖤
Amo muito você.
Obrigada por estar aqui comigo.
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Bangtan e Eu
FanfictionExistem várias estratégias para lidar com conflitos e sentimentos. Para Ana, fugir e ignorar são as que melhor funcionam. Fechada e cheia de segredos, sempre evitando novas amizades e preocupada com as consequências de suas ações, se Ana ao menos im...