Bangtan e Eu

Portal Invisível

Quando virou o pescoço para trás, deixando escorrer a última gota d'água de sua quarta porção, SN se viu sozinha.

— Ya! Para com isso, hyung! — Um grito repentino apareceu.

— Aish, para você, Jung Kookie!

— Huh, Jung Kook!? — ela perguntou a si mesma, num sussurro, ainda de frente ao bebedouro, mordendo a beirada de seu copo descartável prestes a ir pelo lixo.

— Tá, e depois do almoço, o que você fez? — Tentei dar uma direção objetiva à história de SN, que descrevia minuciosamente cada microscópico detalhe da experiência em seu primeiro dia de trabalho.

— Espera, me deixa acabar de engolir — ela respondeu de boca cheia, após uma pausa.

Assim que SN saiu do trabalho naquela noite, saímos um pouco. Eu a assistia mastigar mais alguns longos fios de macarrão que deslizavam pelos seus lábios, esperando por mais histórias do que havia acontecido durante os seus dias no novo trabalho.

— Então… — Limpou as pontas dos dedos com o guardanapo, empurrando a tigela vazia para o meio da mesa. — Onde foi que eu parei mesmo?

— Vamos para a parte em que você começa a trabalhar.

— Ah! Aigoo, como poderia esquecer… — Sorriu de si mesma, ignorando completamente minha indireta. — Parei na parte em que ouvi a voz do Jung Kook… — Encaixou a mão no maxilar.

— E depois, SN… — Havia perdido as contas de quantas vezes a fiz voltar de sua viagem pela Lua.

— Ah, quando ouvi a voz deles, eu corri e me escondi na despensa… 

— Mwo? Você enrolou esse tempo todo só para dizer que ouviu de longe a voz do menino!? 

— Mas era Jeon Jung Kook!

— Sim, você disse isso várias vezes. Já entendi que era ele… Só não entendi porque se escondeu! — Sorri, imaginando aquela cena no mínimo cômica.

— Eu estava muito normal, sabe? Não imaginava que eles andassem por todo o prédio daquele jeito. Mas, nos dias que  eu me arrumo eles não aparecem… — Suspirou, fazendo um bico, o que foi o bastante para me fazer dar gargalhadas não muito escandalosas, porém, intensas  o bastante a ponto de me doer as bochechas.

— Tenta ir "normal" qualquer dia desses, vai que dá certo! — ironizei, levantando as sobrancelhas num tom de voz mais que sugestivo.

— Sua boba! — Ela me deu um tapa de leve no ombro. — Você sabe se estão viajando?

Respondi após uma leve virada de um lado a outro do rosto: — Aqueles caras só me aparecem quando querem aprontar alguma, ou quando alguma coisa que aprontaram dá problema — comentei, falando naturalmente. — Por quê?

— Ah… Nada não! — ela disse, colocando delicadamente os cabelos atrás das orelhas.

— Quer tanto assim conhecê-los?

— Aigoo, e quem não quer?

Me deixei perder em pensamentos aleatórios, observando o ir e vir das pessoas pelo restaurante, o sininho em cima da porta de entrada que tocava vez ou outra, o cheiro da fritura abrindo apetites, o som intrigante formado por várias conversas diferentes, exaladas simultaneamente através do ambiente.

Apesar de amar esse hábito estranho de me distanciar mentalmente, voltei o foco à SN para não parecer tão indelicada depois de simplesmente ter deixado sua última pergunta sem nenhuma resposta: — Ótimo, agora vamos conversar sobre assuntos interessantes? Percebeu que só falou sobre BTS desde que chegamos? Eu quero conversar sobre você! Estamos aqui há todo esse tempo e ainda não falou uma palavra sobre o que faz no trabalho…

Parecia que tudo caminhava de volta à minha normalidade. Eu conseguia respirar sem sentir peso nos pulmões, andar pelas ruas, deixar os cabelos livres por aí sem me preocupar se estariam me reconhecendo — não que não estivessem, mas eu estava aprendendo a não me importar.

Quinze dias ou mais se passaram desde que SN foi contratada. Não tive mais notícias de Kang Mi Cha. Trocava uma mensagem ou outra com Kim Seok Jin, que parecia melhorar pouco a pouco. 

Vanessa não insistiu em escândalos para que eu os apresentasse a elas, ou qualquer coisa do tipo. Mas, desde que tudo foi revelado, sempre que eu encontrava minhas poucas amigas, o único assunto que parecia interessante e significativo se referia aos sete. E tais assuntos não provinham de mim. Na verdade, eu me sentia como um portal invisível entre o mundo delas, e o deles…

Na noite em que eu tinha saído com SN, após chegar em casa e fazer toda a minha preparação de sempre para descansar em paz no fim do dia, respirei aliviada quando o sabor quente e reconfortante do chá de maçã com canela escorria até o fundo da garganta.

⚫⚫⚫

— Ah, hyung, vamos convidar a Ana! — Kim Tae Hyung suplicou pela segunda vez, chacoalhando um dos ombros de Kim Nam Joon. — Aigoo, faz tempo que não a vejo! Ela deve estar morrendo de tanta saudade…

— Aish, eu ligo! Mas só quando você parar com essa cena! — Min Yoon Gi esbravejou do sofá, fazendo com que Kim Tae Hyung soltasse instantaneamente os ombros de Kim Nam Joon, que pareceu não ligar muito enquanto conversava qualquer coisa com Jung Ho Seok. E assim ele foi se sentar ao lado de  Min Yoon Gi, o encarando com grandes olhos brilhantes e os dedos entrelaçados sobre o joelho.

Suga não deu a mínima à atuação infantil e apenas iniciou uma nova ligação.

⚪⚪⚪

Quando meu celular tocou na sala, eu estava caminhando tranquilamente até a cozinha, com a xícara vazia em uma das mãos e um livro na outra.

— Sim… — atendi, deixando o livro no sofá, e voltei à cozinha com a xícara.

— Huh, ela está viva...

— Quem garante? Pode ser uma gravação... Que bom que talvez esteja vivo também, Min Yoon Gi-ssi. Era só isso?

— Aish…  É o seguinte, vamos para Daegu no próximo sábado, resolver umas coisas à trabalho e visitar minha eomeoni. Ela exigiu sua presença e ponto final, você vai.

— Ah, eu vou? 

— Ne. E por acaso à noite vai ter uma festa, que você também vai... Que barulho foi esse?

O barulho foi apenas um grito, que misturado ao som da minha xícara favorita escorregando pelos dedos e se multiplicando em inúmeros cacos ao chegar no chão, marcavam o prelúdio perfeito do fim da minha ilusão de paz.