Depois de guardarmos os cavalos, Asti e eu nos sentamos na escadaria em frente ao castelo, apoiei os cotovelos nos meus joelhos e ele pôs a mão sobre meu ombro.
-Cama Safira, está tudo bem -ele sorriu.- Nós já estamos seguros… -e falava calmante.
-Me desculpe -olhei para ele, ainda estava tremendo.
-Mas não foi culpa sua, foi minha e…
-Não Asti, -interrompi, eu estava querendo chorar.- me desculpe por…
-Safira! Asti! -Briseis saiu, nos viu e correu em nossa direção, preocupada.- O quê aconteceu? Por que você está tão pálida Safira? -Ela se sentou ao meu lado e me abraçou.
-Então prima… nós fomos além dos portões -ao ouvir isso, ela nos olhou com raiva.- e alguns soldados de Agamenon quiseram nos atacar, a sorte é que conseguimos escapar.
-Asti! -Ela falou em tom mais alto.- Vocês não podem passar dos portões, ninguém pode! -ela falou brava e se levantou.- Olha, eu não vou contar a Heitor sobre isso, -ela andava de um lado para o outro gesticulando.- sabemos que ele irá ficar uma fera mas… -ela nos olhou com atenção e ergueu o dedo indicador.- se algum guarda contar a ele e vir me perguntar, não vou poder mentir.
-Nós sabemos… -falei com a cabeça baixa, Asti fez o mesmo.
-Ótimo, agora venham comigo -nos levantamos e ela nos abraçou.- vai ficar tudo bem viu, -a senti fazendo cafuné na minha cabeça.- agora vão se arrumar, vão.
Nós atravessamos o salão enorme e subimos a escada correndo, quando chegamos ao final do corredor, eu parei em frente a porta do meu quarto e Asti parou em frente a do dele, então se escorou na mesma, ali, ele ficou me olhando:
-O que foi? -Também escorei na minha porta.
-Me desculpa por ter colocado você em enrascada, -ele desviou o olhar do meu.- eu queria que você tivesse uma manhã mágica, mas não foi isso que aconteceu -ele deu de ombros, aparentemente, triste.
-Ei… -me aproximei dele e coloquei a mão em seu ombro, ele olhou pra mim.- a manhã foi ótima! Conheci, quer dizer, retornei… -corrigi, ele riu.- a um lugar maravilhoso, escapei de um vilão, ganhei um cavalo lindo, descobri uma coisa… -olhei para outro lado querendo fazer mistério e ri.
-Será que, essa coisa, foi a mesma coisa que eu? -Ele piscou para mim.
-Não sei bobinho -o empurrei de leve no ombro e, me distanciando, abri a porta do meu quarto- até daqui a pouco… -virei de costas.
-Safira! -Ele me chamou antes de eu entrar, tornei a olhar para ele.- Retroceder nunca…
-Render-se jamais! -Completei me lembrando do nosso ditado de criança, trocamos um sorriso e eu entrei.
Tomei meu banho e foi aí que notei que eu estava com os cabelos cheios de folhas e galhos, acho que na correria, tinha passado em alguma árvore e as folhas caíram em cima de mim. Ri sozinha pensando na loucura que fizemos. Pensei nas inúmeras vezes em que eu tive a chance de contar a ele de quem eu era prima e que, todas essas vezes, foram interrompidas por alguma coisa, parecia que o destino não queria que Asti soubesse da verdade.
Estava dando um laço no meu vestido azul longo quando decidi: não vou contar nada a Astíanax! Embora eu quisesse fazer ao contrário, queria contar-lhe tudo, receber carinho dele e apoio, mas eu sabia que, se eu contasse, não iria ser bem assim.
Após me arrumar direitinho, saí do meu quarto e notei que, lá embaixo, algumas pessoas conversavam, hesitei um pouco em descer mas, enfim, desci e me deparei com Aquiles, Pátroclo, Páris, Lena e Briseis rindo e saboreando algum petisco. Páris notou minha presença e se levantou, fazendo com que todos fizessem o mesmo.
-Oi Safira, como você está bem? -Me perguntou Lena com um sorriso.
-Bem sim, e vocês como estão? -Falei descendo toda a escada. Não olhei para Aquiles e para Pátroclo.
-Bem -responderam TODOS em coro.
Aquiles colocou a taça de vinho que segurava na mesa de centro e olhou para Pátroclo, pareciam combinar alguma coisa.
-Vocês poderiam nos dar licença um minuto, gostaríamos de conversar com Safira -todos olharam para mim, acho que a minha reação de surpresa foi maior que a de Briseis, que até arregalou os olhos.
-Claro… -Páris falou sereno, era o que mais sabia disfarçar as emoções.- meninas, será que essas belas damas podem me acompanham até o jardim? -Brincou se levantando em seguida.
-Sim -responderam elas em coro já se levantando.
Páris deu os braços para as meninas que se apoiaram e saíram. Eu andei até um sofá, em frente a Aquiles e Pátroclo e parei de frente para eles. Ficamos apenas nos olhando então, finalmente, Aquiles quebrou o silêncio:
-Você está bem, Safira? Sente-se -e apontou para o sofá atrás de mim, sentei-me e eles fizeram o mesmo.
-Bem, obrigada. E vocês? -Arrisquei um sorriso, que quase não saiu. Observei que Pátroclo parecia tenso.
-Bem, mas a questão é que…
-A questão é que -Pátroclo cortou a fala do primo e ele me olhou nos olhos.- queremos falar com você sobre o que aconteceu ontem de manhã.
Respirei fundo, de certo modo, aquela conversa que enterrei me estremeceu e eu sabia que tinha ter que desenterrá-la.
-Pátroclo, -Aquiles falou um pouco bravo, olhando para ele.- não seja tão direto.
-Não brigue com ele, -falei e arrumei o óculos.- ele está certo. Desde que recebi a notícia que era prima de vocês venho fugindo desse assunto e eu sei que não posso evitá-lo por muito tempo -eles me olharam com certa estranheza.
Eu estava nervosa, minhas mãos suavam e eu estava quase correndo dali. Eu sempre quis falar com Garrett Hedlund mas não esperava que seria naquelas circunstâncias.
-Que bom que você tem consciência disso -Aquiles tentava ser gentil.- Eu sei que você não tem uma boa visão de nós dois, acho que principalmente de mim -ele começou, parecia ler minha mente.- mas nós não somos esses monstros que você ouviu falar por aí.
-Eu não ouvi ninguém falar -os encarei.
-Não? -Pátroclo começou a interagir e até se inclinou um pouco para frente.
-Cheguei a essa conclusão sozinha -eu permaneci séria e eles também.
-Você sabe que não pode julgar um livro pela capa não é? -Pátroclo se inclinou mais ainda e me encarou.
-Tá legal, então vamos analisar o conteúdo, ok? -Me levantei e comecei a andar de um lado para o outro na frente do sofá.- Vocês são considerados grandes guerreiros, os maiorais, -gesticulei.- os conquistadores mas, ninguém vê o que vocês fizeram... -Aquiles se recostou no sofá parecendo que iria ouvir uma história muito longa.- Vocês mataram a única pessoa que eu, realmente, achava que não era possível provocar nem uma mosca! Vocês ajudaram a destruir uma cidade! Mataram pessoas inocentes e -parei um pouco e olhei para eles.- mesmo que não fossem, acho que eles deveriam pagar com a cadeia, a morte, nem sempre, é a solução para os problemas.
-Ótimo! -Pátroclo também se levantou, mas permaneceu no lugar.- Eu já esperava por isso. Sei que o que a gente fez foi errado, ninguém precisa nos lembrar disso e, acredite você ou não, toda noite esses pensamentos martelam na minha cabeça -ele gesticulava ao mesmo tempo que falava com certo ódio e remorso.- Se eu pudesse voltar no tempo, pode ter certeza de que eu faria tudo diferente, mas não é possível -ele deu de ombros.
-É isso que eu estou falando… -meus olhos começam a arder.- vocês falam em voltar no tempo mas, podem mudar o futuro. A fama de vocês não irá ser afetada, vocês continuaram sendo considerados os "maiorais" -fiz aspas com as mãos.- isso será só mais uma forma de vocês ganharam um "ponto a mais na média".
Eles ficaram em silêncio por um instante, refletindo, respirei fundo, então Aquiles se levantou.
-Safira, eu só queria dizer que, se você precisar de alguma coisa, estamos aqui -ele me sorriu.- Tentaremos fazer você mudar essa impressão que você tem de nós.
-Apenas repensem suas atitude, vocês não precisam mudar por causa de mim, -tive a impressão de ficar mais aliviada- se já acabaram, me deem licença… -Aquiles assentiu com a cabeça e eles me observaram saindo de lá.
Passei pela porta do salão e da recepção sem olhar para trás então fui até o jardim. Parecia que eu tinha acabado de enfrentar um grande lutador no ringue.
Andei mais um pouco e avistei Páris e as meninas no jardim, fui até lá, estava muito calor e quase não haviam nuvens no céu.
-E aí, o que eles queriam? -Me perguntou Lena curiosa, entregou as flores que segurava a Páris e se aproximou de mim.
-Eles queriam falar sobre o nosso grau parentesco… -me sentei no chão.
-E aí? -Perguntaram todos em coro, eu ri.
-Bem, acho que agora estou mais aliviada -evitei olhar para cima por conta do sol forte.- A gente esclareceu bem as coisas, acho que eles mudaram a impressão que tinham de mim.
-O que você disse? -Briseis arregalou os olhos.- O que ELES disseram?
-Que, caso eu precisasse, eles estariam ali -comecei a arrancar a grama do chão.
-Ah sim, então vocês estão se dando bem? -Páris falou, enfim, alguma coisa.
-Não acho que "se dando bem" seja a melhor expressão -me lembrei de meu amigo.- E onde está Asti?
-Ele, Heitor e Andrômaca foram andar um pouco pelas ruas, -Briseis respondeu e, de repente, pareceu se lembrar de algo.- Safira, quero falar com você -ela me olhou.
-Vamos então… -me levantei e Briseis me puxou pela mão correndo bem animada.
Saímos da região do castelo e fomos andar pela cidade. As ruas estavam tranquilas, pois faltava pouco tempo para o μεσημεριανό (mesimerianó/ almoço). Procuramos ficar sempre onde estava mais sombra, pois como eu disse, estava um sol muito forte.
-Safira, vocês brigaram? Digo, você e os meninos? -Briseis andava chutando uma pedrinha.
-Não sei, foi estranho -também comecei a chutar a pedrinha.- Eu falei tudo o que sentia e eles, quer dizer Aquiles, não me pareceu surpreso. Acho que eles pensaram que eu iria mesmo ter essa reação.
-Só Aquiles? Mas e Pat? -Ela ainda chutava a pedrinha sem olhar para mim.
-Ah… -ela chamou ele de Pat- ele não gostou muito de mim não -paramos um pouco e ela olhou para mim.
-Por que você acha isso? -Ela riu e me olhou com dúvida.
-Quero dizer, acho que ele não gostou de mim, porque me encarou algumas vezes meio bravo -me aproximei mais dela e cochichei.- Acho que, se eu fosse menino, ele teria batido em mim e a gente terminaria com um olho roxo -ela começou a rir muito e eu entrei na onda.
-Ele tem esse jeito -conseguimos ficar mais calmas e Briseis.- mas é um bom garoto… -ela pensou em algo e começou a rir de novo.- e pelo o que eu me lembre, Garrett não era o seu ator preferido? -Ela dobrou os braços os apoiando na cintura.
-E é -fiquei surpresa por ela saber disso.- mas ele não é o Garrett, é Pátroclo e…
-Ele é o SEU PRIMO Pátroclo -Briseis me interrompeu me segurando pelos ombros.
-É eu sei -abaixei a cabeça e me veio uma tristeza, é ele é meu primo.
-Mas, vamos voltar, já está na hora do μεσημεριανό (mesimerianó/ almoço) -ela se distanciou um pouco e tentou fazer algo para mudar de assunto.
Chegamos ao castelo e corremos para a sala de jantar, todos já estavam postos a mesa, nós corremos rindo para o nosso lugar. Páris até brincou:
-Olha só as senhoritas atrasadas, bonito emmm -rimos.
Ocupei meu lugar ao lado de Asti que, depois de mastigar uma coxa de frango e tomar um gole do seu suco, me perguntou:
-Onde a moça esteve? -Nos olhamos.
-Eu fui andar um pouco com Briseis pela cidade, mas e você, moço? -Tomei um gole de suco.
-Eu andei pela cidade com meus pais e depois fomos visitar uns amigos aqui.
-Aaah sim -comecei a comer.
-Safira, vinte minutos após ao almoço, meu pai, os meninos e eu, vamos treinar um pouco, aqui mesmo no pátio do castelo. Você gostaria de nos acompanhar? -Voltei a atenção para ele, novamente.
-Claro, mas… não tem nenhum problema por eu ser uma menina?
-Não, Safira! Você é a minha convidada -ele olhou pra mim.- Pode vir é claro, só cuidado com as armas viu… -ele riu.
-Engraçadinho -ri também.

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𝔼𝕞 𝕞𝕖𝕦 𝕞𝕦𝕟𝕕𝕠...
Ficción históricaSafira é uma garota de dezesseis anos e que tem uma rotina bastante normal. Nas suas férias de julho, em uma noite, ela resolve assistir seu filme preferido: Tróia (2004), quando algo diferente acontece e ela entra para dentro do filme. Tudo no fi...