Assim que terminei de ler, coloquei a carta sobre a mesa e a encarei, pensando que ela me daria as respostas para minhas dúvidas. Como assim “alguém que te trouxe para cá”?- Então foi “alguém”, talvez uma pessoa, que tinha o controle sobre entrar e sair do filme. Talvez, essa pessoa poderia fazer o pessoal sair de dentro do filme, talvez poderia fazer com que Adti vinhesse comigo para o mundo real… Era tolice pensar nisso, então peguei minha gladiadora preta curta, a calcei, coloquei uma pulseira e brincos, também de pérola em seguida saí, trancando a porta do meu quarto. Já no corredor, me encontrei com Briseis e Aquiles, eles andavam de mãos dadas, era tão bonitinho e eu já estava até me acostumando a ficar de vela (risos).
-Oi Briseis! -falei depois que corri um pouco para alcançá-los.
-Oi Safira! -Briseis me respondeu com um largo sorriso.
Pensei então no que a carta disse “você vai sentir a falta deles” e falei:
-Oi Aquiles -menos empolgada. Ele parou de andar e fizemos o mesmo.
-Posso te fazer duas perguntas? -ele me pareceu sério, assenti com a cabeça.- A primeira, porque você não me chama de primo? E a segunda, que roupa é essa mocinha? -ele cruzou os braços.
-Ah é, -olhei para o vestido e voltei a olhá-los.- eu fui me trocar e esse vestido estava no meu guarda-roupas, também tinha uma caixinha de jóias e uma carta que estava escrita em minha “língua” -fiz aspas com as mãos.
-Como assim? -Briseis pareceu se interessar.
-É, o que foi super estranho e -eu devo contar? Siiiim.- estava assinada em “alguém que te trouxe para cá” -fiz um voz agourenta, para brincar mesmo, ela riu.
-E essa tal carta dizia mais alguma coisa? -Aquiles ainda estava sério.
-Não, -com certeza ele estava assim, preocupado, porque não havia contado para Briseis sobre Lemo.- por quê, ela deveria dizer algo a mais? -o encarei e cruzei os braços.
-Não, Safira -de repente o clima ficou pesado.- Não deveria, ou você sabe de algo? -Touché! Ele sabia que eu não ia falar nada para não magoar Briseis.
Ele também cruzou os braços, e me olhou com se falasse: Continue, conte tudo á ela. Então, sem que Briseis percebesse, ele me deu um sorrisinho e virou para ela:
-Querida, vá na frente, preciso ter uma conversa com Safira -Briseis olhou para ele, depois para mim e fez uma careta de “cuidado”, rimos.
-Tudo bem mas -ela levantou o dedo indicador.- não quero brigas.
Depois de dar um beijo no seu amado e trocar um “toca aí” comigo, ela desceu rapidamente. Esperamos ela sumir pelo longo corredor, Aquiles se virou para mim, me olhou por um instante e, até que enfim, começou a falar:
-Do que você sabe que eu não sei? -ele colocou os braços para trás e corrigiu a postura.
-Você quer mesmo que eu fale? -levantei uma das sobrancelhas.
-Você me viu conversando com Neoptólemo, não foi? -arregalei os olhos e cruzei os braços, ele deu um sorrisinho de canto de boca.- É, pelo visto sim.
-E como é que você sabe? -indaguei brava, eu não queria dar o braço á torcer.
-Você acha que eu não reparei vocês lá? -vocês? Novamente fiquei espantada.- Eu vi você e Helena lá, só não comentei antes porque não tive uma oportunidade e…
-Você vai contar para Briseis? -perguntei torcendo o nariz, não gosto de ser contrariada.
-Por enquanto não -ele nem pensou para responder, foi direto e firme em sua resposta.- Você pretende contar, não é?
-Olha aqui, -comecei a ficar nervosa e isso era evidente pois eu comecei a gesticular bastante.- eu não quero que você a machuque, ela é uma ótima moça.
-É, eu sei -ele pareceu se ofender.- Você deve achar que eu sou um monstro ou, como você me disse, um tirano mercenário -e ele cruzou os braços.
-E você pode me dizer por quê eu deveria pensar ao contrário? -olhei para o outro lado séria.
-Porque eu a amo -voltei meu olhar para ele, que estava mais calmo.- Amo Briseis e, se fosse para eu levar outra flecha no calcanhar por ela, eu levaria -que fofo… não espera! Raciocina, Safira.
-É mas teve filho com outra… -eu retruquei.
-Ah tá bom vai! -ele riu, o quê é engraçado?- Você não está errada em ter perguntas quanto a isso, mas eu era mais jovem, não pensei que ia conhecer Briseis, se soubesse, eu teria vindo para cá antes.
-E teria matado o primo dela e destruído a cidade dela antes também? -Touché! Ele abaixou a cabeça, coçou o canto da sobrancelha e voltou a me falar:
-Safira, eu sei que o que eu fiz foi errado mas eu estava de cabeça quente, Pátroclo tinha acabado de… de -seus olhos se encheram de lágrimas.
-Eu sei -cortei-lhe a fala, não era fácil para ele falar sobre Pat pois eles sempre foram mais que primos, eram irmãos, e eu compreendia isso. Soltei um suspiro e concluí:- Tudo bem, Aquiles, -ele espantou as lágrimas.- eu só estou querendo dizer para que você não machuque Briseis -abaixei o olhar.
-Fique tranquila, eu vou contar a ela no momento certo -ele começou a ir em direção às escadas, acho que nossa conversa havia se encerrado. Eu permaneci no meu lugar e, de repente, ele tornou a se virar para mim:- Você é realmente parecida com Pat -balancei a cabeça em negação e bati a mão na testa, ele riu.- e até comigo -olhei para ele, como assim, eu sou parecida com ele? Ele riu com minha cara de dúvida e negação e voltou a seguir seu caminho.
Depois de um tempo parada no mesmo lugar tentando digerir o que aconteceu, desci para o μεσημεριανό (mesimerianó/ almoço). Assim que cheguei e ocupei meu lugar na mesa todos ficaram a me encarar:
-O que foi? -perguntei.
-Nada, -Andrômaca deu de ombros.- mas que modelito é esse?
-Ah… -arrumei os babados do vestido.- eu ganhei de “alguém que me trouxe para cá” -fiz voz agourenta, novamente, e todos riram.- Pelo menos é o que a carta disse -dei de ombros.
-Como assim, Safira? -Ulisses me perguntou.- Quem te trouxe para cá?
-Então, -respirei fundo.- a carta não disse quem era e, além do vestido, havia também uma caixinha cheia de jóias.
-Nossa, que chique! -Brincou Lena, ri.
-Quem você acha que foi? -Heitor me perguntou depois de engolir um pedaço de frango.
-Esse é o problema… -me inclinei para pegar um pedaço de frango do outro lado da mesa.
-Então nós já sabemos que foi “alguém”, -Ulisses constatou.- que foi uma pessoa, certo? -concordei com a cabeça.- Mas será que foi alguém daqui, -ele apontou para baixo.- de Tróia mesmo ou foi alguém do seu mundo, Safira?
Verdade! Eu ainda não tinha pensado nisso, será que eu conhecia essa pessoa?
-Talvez foi até ela que escreveu o livro… -concluiu Ulisses.
-Boa Ulisses! -falei me levantando.- Se você estiver certo, vai ter a assinatura dessa pessoa em algum lugar no livro, eu vou lá ver... -saí correndo em direção a biblioteca, vi que Asti e Briseis me acompanharam.

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𝔼𝕞 𝕞𝕖𝕦 𝕞𝕦𝕟𝕕𝕠...
Historical FictionSafira é uma garota de dezesseis anos e que tem uma rotina bastante normal. Nas suas férias de julho, em uma noite, ela resolve assistir seu filme preferido: Tróia (2004), quando algo diferente acontece e ela entra para dentro do filme. Tudo no fi...