Abri a porta e fui direto pegar “meu” livro na estante, sorte que ele estava baixo então o alcancei com facilidade, o coloquei sobre a mesa e me sentei, Briseis e Asti se sentaram perto de mim. O folheei rapidamente até a última página, procurei por toda parte mas não achei nenhuma assinatura e eu não reconhecia a letra.
-Eu realmente não entendo! -falei me encostando na cadeira.
-Calma Safira, às vezes foi outra pessoa que escreveu o livro -me acalmou Briseis, Asti colocou a mão em meu ombro.
-Pode ser, ah -encostei a cabeça na mesa.- não sei o que está acontecendo… -me levantei.- Mas vamos lá, vamos voltar a comer.
Fechei o livro, me levantei, o guardei na estante e nós voltamos a sala de jantar. Quando chegamos e voltamos a nos sentar nos nossos lugares, todos pararam e voltaram o olhar para mim, até que enfim Pat perguntou o que todos queriam saber:
-E aí, havia algum nome lá? -ele até se inclinou um pouco para me ouvir melhor.
-Não… -abaixei o olhar e voltei a comer, a comida ainda estava quente, dá pra acreditar?
-Não fique assim, Safira -Heitor falou.- E se o mundo não quer que você saiba? -o encarei em dúvida.- Quero dizer, e se houver um propósito em você não souber quem te trouxe para cá? Tudo tem um sentido, certo? -assenti com a cabeça.- Então! Pode ser que tudo seja mais divertido assim, como está, e que você tenha uma nova visão de sua vida, que ela tenha um novo sentido -ele piscou para mim, eu sorri.
Quando desviei o olhar dele e olhei para o pessoal, todos olhavam para nós com os olhinhos brilhando (menos Aquiles, ele não era de demonstrar sentimentos). Ri e voltamos a comer.
Após o μεσημεριανό (mesimerianó/ almoço), fui para a biblioteca, estava disposta a ler aquele livro e ficar mais informada, Andrômaca, Heitor e Ulisses me acompanharam até lá. Aquiles chamou Brises para dar uma volta, acho que ele vai contar a ela sobre o Lemo. Pat, Leia, Asti e Lena foram dar uma volta só de "jovens" (risos). Já Páris ficou pelo castelo para resolver uns assuntos da guarda real e da chegada dos mirmidões.
Andrômaca e Heitor se sentaram agarradinhos no sofá, Ulisses se sentou mais para lá e eu, depois de pegar o livro, sentei entre eles.
-O que você pretende fazer, Safira? -Ulisses falou fazendo com que eu desviasse a atenção da leitura.
-Eu quero ver se encontro alguma coisa, não sei, uma prova -voltei a ler.
Heitor e Andrômaca ficaram trocando carícias e, para não ficar de vela, Ulisses começou a leitura junto comigo. Procuramos por qualquer coisa diferente, qualquer coisa de que não sabíamos ainda, por algum sinal da "pessoa misteriosa", mas não achamos nada.
-Gente! -Andrômaca pareceu se lembrar de algo e chamou nossa atenção, olhamos para ela.- Recordei agora de que, certa vez, pouco depois de descobrirmos a verdade, Briseis e eu lemos que você, Safira, -ela apontou para mim.- tem uma ligação muito forte com Pat.
-Como? -eu, de fato, não havia entendido.
-É, dos dois, Aquiles e Pat, você é mais parecida com Pat -olhei para ela fazendo birra.- É o que eu li -ela deu de ombros e riu.
-Estou com medo de Heitor agora -permaneci séria, todos começaram a rir e, depois, eu também estava rindo.
Após algum tempo lendo, ouvimos gritos vindo do salão, gritos que pareciam de uma pessoa furiosa. Largamos tudo e, abrindo a porta, nos deparamos com Briseis gritando com Aquiles, ela começou a dar pequenos safanões nele enquanto este se defendia e falava:
-Deixa eu explicar! Deixa eu explicar! -ela não o ouvia e continuava a bater nele e ele se defendendo, ele não teria a contagem de agredi-la novamente, teria?
Heitor e Ulisses saíram correndo e tentaram segura-la, Andrômaca se pôs atrás de mim -provavelmente ela viu que eu estava com medo.- Em meio a gritos e esperneios, Briseis se debatia para se livrar dos braços do primo e do amigo mas não obteve êxito. Já sem forças, ela abraçou o primo e desabou em prantos.
-O que aconteceu? -Ulisses pôs a mão no ombro de Aquiles que acabara de se sentar em um sofá.
Não sei o que eu pensei, mais assustada fiquei e fiquei, também, com muita raiva de Aquiles, o que será que ele falou para ela? Por um momento pensei que ele havia terminado tudo com ela e que havia posto tudo a perder. Como disse, não sei o que pensei, me soltei dos braços de Andrômaca, corri e parei na frente de Aquiles:
-Você é um monstro! -gritei, ele ficou apenas me olhando.- O que você disse a ela?
Vi que o pessoal havia chegado do passeio e parado na porta observando a cena, perplexos. Olhei para Aquiles e vi a pura raiva em seus olhos, ele se levantou e vi o episódio com Asti se repetindo: ele segurou forte em meus ombros -exatamente onde Asti havia me segurado.- a dor só aumentou, ele estava bem próximo a mim, parecia que estava bufando e por fim me disse com fúria:
-Saia já daqui! Isso não é assunto para uma garota mimada! Nem da família você é!
Naquele momento senti meu mundo desabar, me soltei, com muito esforço, dos braços dele, senti as lágrimas quentes querendo escapar e não as contive. Também não quis ficar ali, saí correndo, passei no meio do pessoal que estava na porta, desci as escadarias -nem peguei meu cavalo, não tive cabeça para isso na hora.- e corri o mais rápido que pude, apenas queria estar longe dali.
Os incontáveis degraus pareciam não terem mais fim, não conseguia ouvir mais nada além de minha respiração fatigada que se atrapalhava por conta do choro.
Cheguei ao final da grande escadaria, os guardas me olharam com certa estranheza, não liguei, me sentei em um degrau, coloquei a cabeça entre os joelhos e deixei as lágrimas rolarem.
Senti uma mão em meu ombro, a ignorei, porém a pessoa sentou ao meu lado e começou a falar:
-Prima, não ligue para ele.
Reconheci aquela voz, Pat era quem eu menos queria ouvir naquele momento, mas acho que foi útil, o abracei por impulso e continuei a chorar.
-Safira, você sabe que ele é assim e sempre será. Ele estava com a cabeça quente, o que deu em você de ir lá tentar interferir?
-Eu… eu quis defender Briseis -falei em meio aos soluços, não tive coragem de encara-lo nos olhos.
De repente me dei conta de que estávamos abraçados MESMO, me dei conta, também, de que ele estava acariciando o roxo do meu braço o que, de certa forma, dava um grande alívio.
-E… ele não gosta de… de mim -falei ainda sem olhar para ele.
-Gosta sim, -ele deu um suspiro.- é que ele está irritado…
-Não, não é! -cortei-lhe a fala e o olhei com os olhos inchados. Me admirei pois ele também estava chorando.- O que foi? -perguntei enxugando as lágrimas.
-Nada -ele as enxugou e arriscou um sorriso para mim.- Nada que valha a pena ser lembrado… -ele abaixou a cabeça.- Me desculpe, era para eu ter corrido lá e ter te defendido mas eu travei…
-Não Pat, -o interrompi.- não foi culpa sua, eu não deveria ser tão… -balancei a cabeça de um lado para o outro.- impulsiva -ele deu um leve risinho e voltou a olhar para mim.
-Você quer voltar para o castelo ou quer ficar por aqui mesmo? -é, ele é realmente quem eu preciso nesse momento.
-Posso ficar um pouco aqui? Não quero ver a cara dele tão cedo -escondi o rosto nas mãos.- Não acredito que ele fez isso.
-Ele faz isso mas, no fundo, te adora… -ri ironicamente.- É sério! -ele me olhou e riu.- Ele gosta sim de você, igual a mim -o olhei intrigada.- Você lembra que, -ele olhou para o horizonte como se fosse contar uma história.- quando você chegou aqui, a gente não se dava bem? -confirmei com a cabeça.- Então! Eu tinha medo, você era nova aqui, era de outro mundo, eu estava com medo do novo.
-É mas, você não me apertou e nem nada do gênero -continuei a olhar para ele e ele fez o mesmo.
-Ele tem os problemas dele, eu aprendi isso da pior maneira -ele piscou e riu, ri também.
Não desgrudei dele, me senti segura em seus braços e eu já não o via mais como um garoto chato mas sim como meu primo. Pensei se Pat sabia da verdade, do nosso “novo primo”, se ele sabia o real motivo da briga. Estava prestes a perguntar isso quando vi Lemo se aproximando de onde nós estávamos. Ele deu a mão para Pat e me viu ali, encolhida:
-O que aconteceu, Safira? -ele se abaixou um pouco.
-Foi o seu pai… -respondi ainda encolhida, ele pareceu espantado e surpreso.
-Não entendi, como assim?
-Ela sabe de tudo, Lemo -é, então ele sabe…
Lemo respirou fundo e se sentou ao lado de Pat, limpei as lágrimas que ainda caíam e, soltando Pat, endireitei a postura. Ficamos ali, olhando para o nada pensando quem iria quebrar o silêncio primeiro.
-Ele contou para Briseis? -Lemo nos perguntou.
-Contou -Pat e eu respondemos em coro.
-E ela ficou brava? -continuávamos olhando para o mesmo lugar, para o nada (risos).
-Ficou, -falei.- e com razão. Já pensou você descobrir que -olhei para eles.- seu namorado, marido, sei lá o que eles são, -eles riram.- tem um filho? Ainda mais nesse ano… -revirei os olhos.
-Como assim, as pessoas do seu mundo fazem isso? -Pat me perguntou.
-Bem, -como posso dizer…- no meu mundo isso é normal -eles ainda me olhavam intrigados.- É que é uma outra época, um outro ano, século… entendem? -eles continuaram olhando para mim com dúvida.- Ah, esquece… -voltei a encarar o nada.
-Seu mundo é estranho -Lemo falou cruzando os braços, parecia com Aquiles.
-As vezes, nem eu mesma o entendo -ri.
Olhei para os meninos e vi que Lemo olhou para mim e viu meu braço, ele arregalou os olhos e perguntou:
-O que é isso?
-Ah, -Pat também olhou.- eu já tinha me machucado antes, daí seu pai foi lá e apertou em cima -respondi simplista.
Olhei para meu braço e, de fato, o roxo havia piorado e, agora, doía mais, ardia, acho que pelo fato de ser muito recente.
-Eu não acredito… -Lemo pareceu bravo.- o que ele tem na cabeça? -ele se levantou, fizemos o mesmo.
-Mas a culpa foi minha -falei de cabeça baixa.- Ele estava estressado e eu fui e piorei a situação…
-Mas não é assim, Safira -ele me cortou a fala.- Só porque ele está bravo, ele se acha no direito de machucar os outros? Não é assim não!
Lemo se virou e subiu a escadaria correndo, Pat e eu fomos atrás. Notei que, embora Pat fosse mais velho, Lemo era “maior”, era mais musculoso e aparentava ser mais velho, mais vivido.
-O que você vai fazer? -Pat perguntou pouco antes de chegarmos ao castelo.
Lemo tinha os passos fortes e precisos, ele encarava o castelo, nem olhou para nós. Olhei para Pat e vi que ele estava começando a se zangar.
-Espere -ele tomou a frente de Lemo.- O que você vai fazer? -Lemo o olhou com desdém.
-Saia da minha frente garoto.
Ele estendeu a mão para empurrar Pat para o lado só que Pat segurou a mão dele e o encarou. Senti um clima tenso chegando e vi nos olhos azuis dos dois a raiva, pareciam um mar em fúria onde haviam raios encostando na água e fazendo a maré se agitar.
-Você sabe que eu não sou só um garoto e que nós somos diferentes em várias coisas -eles continuaram se encarando.- Eu fui treinado por seu pai, fui criado junto com ele, ele e eu somos muito parecidos e você sabe que, se eu quiser, posso acabar com essa discussão aqui e agora…
-Pat, -entrei no meio dos dois pois vi que ambos estavam com as mãos prontas para sacar as espadas.- vamos entrar, não quero mais brigas… Lemo, volte para o seu posto, se te pegarem aqui poderá perder seu cargo -eles olharam para mim, mas sem perderem a cara de durão.- Por favor…
Lemo acariciou meu cabelo, olhou para Pat, deu um sorriso falso, uma encarada que, confesso, até eu fiquei com medo, e saiu. Voltei meu olhar para Pat e ele ainda estava o encarando, esperou até Lemo sumir da vista dele e voltou o olhar para mim.
-Você está bem? -ele colocou a mão em meu ombro.
-Estou mas, o que foi isso?
-Ele é só um garoto mimado pela avó e que precisa de um bom corretivo -ele revirou os olhos.- Você não deve se preocupar com isso.
-Claro que devo.. -ele franziu a testa.- eu sei que não faço parte da família e tals, mas eu te vejo como meu melhor amigo e não quero que nada aconteça a você -o que você está fazendo Safira?
Ele relaxou a face e, depois de me dar um dos mais belos sorrisos dele, me abraçou. Depois do abraço, ele continuou olhando para mim com aquele belo sorriso e falou:
-Você é sim da família, é minha priminha caçula, é quem deve me irritar e me tirar do sério -rimos.- É quem deve me fazer sorrir…
-E você é meu primo do meio, o que tem que me incentivar a fazer burradas, colocar culpa em mim, zoar muito comigo, principalmente de baixinha -pisquei e rimos.
-Então está tudo certo, nós somos primos, agora, oficialmente -ele estendeu uma mão para mim e colocou a outra atrás do corpo, o deixando formal.
-Fechado! -fiz o mesmo gesto e apertei sua mão.
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𝔼𝕞 𝕞𝕖𝕦 𝕞𝕦𝕟𝕕𝕠...
Historical FictionSafira é uma garota de dezesseis anos e que tem uma rotina bastante normal. Nas suas férias de julho, em uma noite, ela resolve assistir seu filme preferido: Tróia (2004), quando algo diferente acontece e ela entra para dentro do filme. Tudo no fi...