Billy Boys

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Michael P.O.V

Depois de tudo que aconteceu eu mal consigo encarar Lisie.

Os Billy Boys estavam em nosso encalço desde que Tommy se recusara a fazer um serviço com eles, o que resultou na perseguição e morte do filho de Aberama, as coisas mais do que nunca estavam se inflamando e chegando ao ponto de estarem prestes à explodir.

Nós subornamos e conversamos com cada oficial de Londres que estivesse ao alcance, a filha do barão fora a vítima de um crime cruel e os culpados sequer foram identificados oficialmente. Por mais que eu tente, ela não se abre sobre aquela noite e, cá entre nós, nem sei se estou preparado para ouvi-la falar sobre. Quando a vi, toda ensanguentada, coberta de terra e simplesmente destruída, não tiveram palavras ou sentimentos para descrever o quanto quis morrer, trocar de lugar com ela se possível.

A violência conta uma mulher é inadmissível, não há justificativas para cometer tal ato hediondo, elas devem ser respeitadas, mesmo as que não merecem esse tratamento, nem mesmo a pior delas, como pode alguém fazer isso? Não somente agredir, mas estuprar e torturar uma criatura frágil e indefesa. 

Pense em um milhão de coisas ruins, mas não pense nisso, isso não se deseja à ninguém, nem mesmo ao seu pior inimigo.

Vê-la naquela cama, ferida, amedrontada, sem conseguir erguer os olhos realmente acabou comigo de uma forma inimaginável. O simples toque de alguém a fazia chorar. Quando a médica conversou com Lisie, naquele momento particular das duas, eu quis me desfazer, ouvir aquelas coisas, aquele sentimento de culpa que ela pensava ter, era ridículo. 

Eu confesso, chorei. 

Chorei muito quando a deixamos para ser atendida, chorei mais ainda quando a deixei segura na cama em meu quarto, vigiada às sete chaves e, principalmente, chorei ao vê-la chorar em silêncio no banheiro, observando seu reflexo, as mãos na boca procurando abafar o som, as lágrimas gordas rolando sem parar e os olhos tão inchados que mal conseguiam se abrir. Não resta muito na minha cabeça senão a dor dela e como eu quero fazer com que tudo aquilo desapareça, ainda mais quando sinto que a culpa é minha.

Sim, minha.

Lisie fora vista comigo em mais de uma ocasião, e aquele homem que se sentou com ela no café era um dos Billy Boys. Ele fizera questão de seduzi-la para mostrarem que sabem com quem estamos nos relacionando, o que não me deixa sem sombra de dúvidas de pensar que foram eles os responsáveis por atacá-la naquela noite.

Reunimos aqui e ali algumas informações sobre os membros ativos na Inglaterra, e não fora surpresa alguma quando chegou ao nosso conhecimento de que haviam sim alguns deles por Londres, e não somente por lá, mas também em Birmingham. 

Eu a trouxe para perto, para ser vigiada e mantida em segurança, jamais queria que eles encostassem em sequer um fio de cabelo seu novamente, ou que pusessem os seus olhos sujos nela.

- E então, como ela está? - John pede, chutando o assoalho diante de nós.

- Saiu no jornal sobre o caso, não identificaram ninguém porém apontaram desavenças de gangue. - jogo o jornal que comprei mais cedo, antes de chegar ao escritório, sobre a mesa, apontando a página da matéria. - Lisie leu e veio me questionar, ela está desconfiada.

- Com razão, não é mesmo? - Arthur diz enquanto lê a notícia, socando a mesa. - Quem foi que vazou essa merda?

- Precisamos descobrir. - com um cigarro entre os dedos, Tommy se vira para nós, seus olhos denunciando que tramava algo, sempre à frente de todos. - Alguém sabe mais do que nós, ou algum de nós contou para o infeliz que escreveu isso tudo que tínhamos de vantagem, agora os Billy Boys sabem que ela está viva, e virão de certeza atrás dela. - um suspiro cansado sai de sua boca, o mesmo franze o cenho.

- Eu conto? - pergunto, mas estou aflito com a resposta, não sei se é o melhor para Lisie, saber que somos criminosos perigosos tanto quanto nossos inimigos. 

- É melhor não, quanto menos ela souber melhor. - a palavra do rei está dada e eu concordo com ela, era o melhor que Lisie ficasse alheia ao perigo, as coisas poderiam ser resolvidas sem alardes e ela ficaria segura.

Aquela reunião finalmente terminou e pude voltar aos meus afazeres. Conta daqui, paga de lá, nada muito atrativo. No fim do dia eu só queria me deitar e dormir, e é o que tinha intenção de fazer, se não fosse por Theodora, irmã de Liesel. 

Garota chata, irritante.

Ela precisava ser o centro das atenções, esnobe como nunca, o noivo riquinho fazia questão de não falar além do necessário para as boas graças, e o pai tinha um poço de vergonhas bem fundo por conta das besteiras que saiam da boca da filha.

Estamos todos jantando, não faço muita questão de conversar, me sinto cansado. Leio um livro sobre leis enquanto mastigo a carne, bebericando vez ou outra do refresco servido no copo, mas uma mão de unhas longas e bem feitas puxa o livro para longe de mim, me assustando.

- Ele é inteligente Lisie, pena que não fala muito. - vejo aquela petulante balançando o livro de um lado para o outro, ele era caro e tinha sido recém adquirido, isso fez com que me irritasse. - Por qual motivo precisa ler isso cunhadinho? É advogado?

- Contador chefe. - respondo na esperança de que parasse de me perturbar de uma vez e devolvesse a droga do livro. 

- Olha, que importante, o que é que um contador faz? 

- Ele conta, sua burra. - Lisie se pronuncia, parecendo mais irritada do que eu mesmo. 

Fico surpreso por seu linguajar mas não protesto, eu mesmo poderia ter respondido daquela forma.

- Nossa, alguém aqui precisa transar urgente. - Theodora revira os olhos, jogando o livro na mesa e causando um estrondo. - Cunhadinho você não está dando conta ou só estão brincando de casinha? Ou é a Lisiezinha que não tem fogo suficiente pra te satisfazer?

Uma discussão se instaurou naquela mesa, o mais completo e puro caos. O noivo parece tão indignado quanto o pai, ambos praticamente gritando com a garota que somente rolava seus olhos.

Fito Liesel e vejo que ela aperta o guardanapo entre os dedos, abandonando a mesa em seguida. Eu a sigo em silêncio, vendo que mais uma vez se sentava na cama e se colocava à chorar.

- Lisie. - aviso que estou me aproximando, me sentando ao lado da mesma. - Olhe pra mim.

- Agora você quer conversar? - ela se vira, limpando as lágrimas com raiva. - Pois antes de sair de casa você parecia basante empenhado em não falar nem mais um pio.

- Eu me expressei mal, peço desculpas. - justifico, buscando inventar uma mentira e rápido. - O que quis dizer foi que alguém deve ter falado ao repórter sobre o caso, e então criaram uma teoria doida para conseguir atenção para aquele jornaleco de merda. Sabe que eu jamais mentiria pra você.

Mas estou mentindo.

- Desculpe, acho que perdi o controle... estou com medo. - suas mãos se apertam e reviram sobre o colo, demonstrando o quão ansiosa estava naquele momento. - Eu não aguento mais Theodora, quero que eles sumam daqui.

- Somos dois. Cá entre nós, sua irmã é uma escrota. - bufo, afastando uma mecha de seu cabelo para longe do rosto de forma inconsciente. - Ela vai me deixar doido se ficar aqui mais um pouco.

Uma risadinha escapa da boca dela, finalmente erguendo os olhos para mim.

- Ela consegue ser uma vaca quando quer.

- É, ela consegue mesmo. - concordo, rindo com ela. - Mas pare de deixá-la tratar você assim Lisie, não merece isso.

Um abraço inesperado e curto me atinge, tão rápido quanto começou ele terminou, mas me deixou infinitamente feliz.

- Obrigada Michael, por tudo. - aqueles olhos lindos se acendem na meia luz do abajur, brilhando pela primeira vez naquele mês sem fim, quase como antes. 

Por mais que ela esteja se recuperando, eu me sinto corroído por todas as mentiras que estou inventando, torcendo para que consiga mantê-las o suficiente para que no fim não passem de meros detalhes.

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