50. O farol - Heitor

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Toda a vida parecia sair do meu corpo, enquanto Briseis caía de encontro ao mar, uma de suas mãos estendidas em minha direção e o sino que marcava a meia-noite badalando em alguma igreja ao longe. Mesmo quando as ondas a engoliram e ela sumiu por entre a espuma, ainda era capaz de sentir o seu cheiro e a textura da sua pele sob os meus dedos.

— Não! — gritei em desespero.

Eu estava disposto a pular para tentar trazê-la de volta, entretanto, antes mesmo que pudesse me mover, Merrick me atingiu com magia lançando-me em direção a Daniel e Karen.

— Inferno! — berrou o melta, seus olhos injetados com o mais profundo ódio.

— O que aconteceu?! — Daniel gritou atrás de mim — Ela pulou?

Balancei a cabeça, enquanto lutava para me levantar, totalmente descrente do que acabara de acontecer.

— Nós cedemos nossa essência por nada? — ouvi a voz de Karen ecoar em algum ponto atrás de mim.

Não, não havia sido por nada. Com sua ação, Briseis havia impedido que Merrick vencesse de imediato. Agora a pedra essencial jazia juntamente com ela, meus poderes e o Coração de Ônix no fundo do oceano. Me tirou o ar perceber a quantidade de coragem necessária para que Briseis fizesse a escolha de se sacrificar por um mundo que não era seu. Meu coração palpitava incontrolavelmente. Antes que ela se fosse, eu havia criado coragem de expor tudo contra o que vinha lutando dentro de mim. Quando estamos prestes a morrer nos tornamos destemidos. Eu só gostaria de poder ter sido destemido antes; de poder prever o que ela faria e evitar. Naquele momento, eu daria tudo para poder voltar no tempo.

Mas eu não poderia.

Observei que o livro de Vornek ainda estava sob o braço esquerdo de Merrick. Mas agora as únicas coisas capazes de levá-lo até Hanaros estavam longe demais. Contudo, pouco importava, nunca conseguiríamos abrir portal algum. Fosse para o bem ou para o mal.

Segundo Merrick, a primeira escolhida fora morta ainda no mundo mágico. Tanto que sua essência estava na pedra essencial antes de todas as outras. Então quem foi Briseis? Seria possível que a estranha aura que eu sentia quando estava próximo a ela me desse alguma explicação? Me atormentava pensar que eu nunca saberia as respostas para aquelas perguntas.

— Parece que não escolhi uma moeda de troca adequada, Imperador. — Um sorriso macabro surgiu por entre os caninos incisivos da criatura odiosa. — No final, eu poderia tê-la matado desde o início. Pouparia-nos de tamanho sentimentalismo, não acha?

Minhas mãos tremiam à medida que ele caminhava em minha direção. Briseis havia morrido por causa daquele ser desprezível. Ele a torturou de tal forma que jogar-se rumo ao pior dos seus pesadelos era preferível a continuar sob as suas garras. Durante meses a garota assombrou os meus sonhos procurando por ajuda e, quando enfim a encontrara, falhara mais uma vez. Primeiro com Arminda, agora com ela. Quem seria a próxima pessoa que eu amaria e que encontraria um final tão triste próximo a alguém tão incapaz?

— Não pense que não entendo seu apreço —  continuou o melta. — Era uma espécime humana de beleza inquestionável, se via. Caso você um dia chegasse a ser rei, coisa que não acontecerá, deveria entender que o prazer não pode comprometer nossos objetivos. — Merrick mantinha os seus olhos fixos na praça do outro lado, onde krengers e magos aguardavam por suas ordens.

Beleza inquestionável? Briseis era a criatura mais bela existente em todos os mundos. Não apenas por atributos físicos, mas por ser quem era. E eu havia a perdido. Havia a perdido para sempre.

— Agora mesmo — acrescentou —, minha vontade seria jogar todos vocês para fazer companhia à criaturinha imprestável. Mas preciso de suas cabeças como vingança aos meus iguais. Preciso também que presenciem meu triunfo.

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