34. Revelações - Heitor

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Sonhei a maior parte do tempo com várias coisas indistinguíveis, abstratas. Mas quando abri os olhos, lembro que as últimas imagens que permaneciam em minha mente eram as dos Krengers. Acordei com a respiração acelerada e suor fazendo a camisa grudar em meu corpo. Aquelas aberrações me causavam calafrios e olhe que eu nunca havia visto um pessoalmente.

Fui até a janela do quarto para desanuviar meus pensamentos. Tudo lá fora estava sinistramente quieto. Até que a pulsação de uma aura perturbou a calmaria da noite.

Obviamente era Briseis.

Uma aura poderosa e inconfundível que jamais poderia se passar por a de uma híbrida. Aquilo me animava e ao mesmo tempo causava uma preocupação que eu sabia bem sua origem, embora não quisesse admitir.

Eu tinha vontade de ir até lá e conversar com ela, perguntar se estava tudo bem, e o que de fato acontecera na noite passada. Mas por que eu faria aquilo? Nós poderíamos esperar até o outro dia de manhã, o mundo não iria acabar ou coisa assim. Além disso, eu precisava me afastar um pouco da influência que sua presença me trazia.

Contudo, ela não deixou minha mente em momento algum.

Continuava naquele dilema de ir-ou-não-ir quando um barulho agudo irrompeu na noite silenciosa. Como se um objeto caísse pesadamente no chão. Senti um poder de ataque. Eu sabia que Briseis tinha o utilizado para derrubar o que quer que fosse do quarto. Será que ela estava em perigo? E como ela possuía tal poder?

Aquele pensamento foi o bastante para me fazer levantar da cama e ir até a porta do quarto da garota. Eu não conseguiria mais dormir de qualquer forma. Permaneci ainda alguns segundos tentando decidir se entraria ou não, até que optei por enfim entrar.

Depois de alguns minutos enrolando a forma como diria a ela que provavelmente fazia parte de um mundo mágico, encontrei uma mínima brecha numa fala qualquer e despejei a informação.

Briseis permaneceu em silêncio, contrariando minhas expectativas. Ela olhou-me por um longo segundo. Eu estava sentado bem ao seu lado, sua pele encostada à pele da minha perna parecia estranhamente fria e, eu poderia jurar, que uma pequena descarga elétrica era transmitida entre nós dois. Seus olhos negros pareciam me transpassar, como se fossem armas, fazendo com que eu me sentisse desprotegido.

— Você está bem? — perguntei.

Gostaria que ela esboçasse alguma reação. Que me batesse, que duvidasse de mim, que fizesse qualquer coisa.

— Eu sou uma hanariana, então? — inquiriu, afastando seus olhos dos meus e depositando-os num canto da parede, onde jazia o cuco de madeira. — E... Hanaros, é outro mundo?

Iria perguntar como ela sabia o nome de nosso mundo. Mas, lembrei das inúmeras vezes que havíamos citado Hanaros enquanto Briseis estava lá, alheia.

Mas e se ela não fosse uma hanariana completa? Como eu iria falar sobre um mundo o qual ela nunca conheceria?

— Você irá me responder? — perguntou, despertando-me de meu devaneio.

— Na verdade é um multimundo — especifiquei, dando ênfase à palavra multi.

Seu semblante iluminou-se como se ela reconhecesse algo de fácil entendimento no meio daquelas palavras.

— Como a teoria do multiverso? — perguntou, animada.

Lembrei da teoria que cogitava diferentes universos, com diferentes leis físicas, planetas e realidades. E fiz um esforço tremendo para chegar a uma conclusão sobre se o multimundo hanariano era por si só um multiverso ou fazia parte do multiverso que os físicos, ufólogos e religiosos humanos pensavam. Aquilo me deu nós na cabeça, embora tal questionamento já houvesse me atingido e meu professor de história hanariana tenha esclarecido de forma satisfatória o elemento que nos diferenciava e separava.

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