— Heitor?! — gritou alguém.
Um arrepio me percorreu ao escutar a voz que me chamava naquele momento. Eu tinha quase certeza que... Não, definitivamente não. Estava enganado.
Abri os olhos, atordoado.
— Zínia? — falei enquanto me sentava rapidamente.
A guardiã me olhava com uma expressão que não pude diferenciar entre confusão ou raiva.
— Heitor... Demorou tanto a acordar. Estava sonhando? — inquiriu com uma docilidade forçada.
Ela se moveu sobre o sofá onde se sentava, mas não parecia desconfortável e sim ansiosa. Naquele Zínia estava com seus cabelos loiros amarrados em um coque e usava uma saia em tom escuro que chegava até seus joelhos. Parecia uma religiosa demoníaca. Um paradoxo até aceitável se tratando dela.
Olhei para um ponto atrás dela, onde Karen analisava minha expressão segurando um sorriso.
Eu deveria parecer ridículo, sendo perguntado se estava sonhando. O que a importava? Ainda assim tratei de a responder.
— Sim, estava — falei analisando meus pés.
— Zínia! — exclamou Karen, aproximando-se de nós. — Por que Heitor lhe deveria explicações sobre seus sonhos?
— Além disso, eu estava sonhando bobagens — menti. — Nada demais.
Eu e Karen nos entreolhamos, intrigados.
— Peguei você, seu tolinho — falou sorrindo e cruzando as pernas de forma descontraída. — Eu apenas quis o constranger por dormir tanto.
— Ah, me desculpe — falei, me levantando bruscamente, querendo ir para meu quarto. — Eu não sabia que era proibido dormir, senhora.
Flashes da noite anterior, quando Zínia ameaçou Briseis, ainda voltavam o tempo todo em meus pensamentos. Como ela podia permanecer impassível após tudo o que disse?
— Não — disse ela firmemente — Você irá ficar aqui.
— Dê-me um bom motivo — falei.
— Vamos lá, Heitor, depois não me acuse de ser antipática. — Ela gesticulou para que eu voltasse a sentar no sofá. — Eu não estaria implorando sua presença caso não tivéssemos algo importante a tratar. Você não faz meu tipo, mas tenho certeza que faz o de minha adorável protegida.
Eca. Pensei.
Imaginar Zínia se dirigindo a mim daquela forma fez meu estômago revirar.
— A senhora está de mau humor, Zínia, reconhece-se isso. Mas não coloque meu nome em seu discurso desta forma ridícula — pediu Karen exasperada.
— Depois dizem que os maduros não sabem brincar, vocês jovens são os verdadeiros caretas! — gargalhou a guardiã.
Por favor, fique de mau humor novamente. Suas piadas são piores que seus gritos — implorei mentalmente.
Ao perceber que ninguém fez menção de sorrir, Zínia retomou sua fala seriamente.
— Como deve saber, hoje faz um mês que Karen completou dezessete anos.
Não, eu não sabia.
— Hãn... — balbuciei desorientado, me sentando novamente.
— Então, os acontecimentos já estão se iniciando. Pelo que vejo, você seguiu meus preciosos conselhos...
Senti os músculos da minha mandíbula se contraírem enquanto a ouvia. Tudo o que eu mais desejava era poder matá-la.
— Precisaremos tentar prever em qual momento do solstício de inverno o portal será aberto. Do contrário, nunca iremos conseguir chegar até Hanaros antes dos Meltas. Eles já estão tentando descobrir maneiras alternativas de abrir um portal. Penso que teremos grandes chances durante a culminação da lua...
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Vale das Estações
FantasyHá dezessete anos, num país em que poucos acreditariam haver magia e as lendas eram vistas como tolices para assustar crianças, surgiu um lugar fantástico onde as estações coexistiam e as histórias se tornavam reais. Após uma série de coincidências...