39. Livros e Sangue - Briseis

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Temos que ir logo, as pessoas nos túneis estão inquietas. Acho que já podem subir agora que o Krenger saiu da cidade — disse Karen, quando cheguei mais perto.

O seu rabo de cavalo balançava como um pêndulo frente ao meu rosto.

— Saiu da cidade? Como você pode ter certeza? — A voz de Heitor expressava algo próximo à incredulidade.

— Lucinda falou.

— Lucinda sabia que estávamos lá fora? — perguntei.

Para mim não fazia sentido algum que minha tia super protetora nos deixasse para morrer pelas mãos de uma máquina mortífera.

— Ela soube, tentou descer, mas Zínia a impediu — informou. — Não depois que ela chegou e encontrou a pobre Lucinda desmaiada após brigar para manter as barreiras do Vale.

Minhas mãos gelaram ao pensar em Lucinda sendo atingida.

— Então foi mesmo o Krenger?

A voz de Heitor naquele momento estava muito atrás, tendo em vista que ele ainda se locomovia mancando.

— Rezamos aos Grandes para que sim.

Karen parecia estar extremamente irritada.

Desacelerei o passo para esperar Heitor. A outra continuou em frente. Quando ele se aproximou, ofereci meu ombro para que o garoto se apoiasse. Ele titubeou por um instante e declinou, com um leve aceno de cabeça. Mesmo assim, tentei manter meu ritmo o mais lento possível, para o acompanhar. Ele me olhou e sorriu. Não um sorriso largo, com muitos dentes. Mas um tênue apertar de lábios meio de lado, o suficiente para que eu captasse por um milésimo de segundo e para que algo se revirasse dentro de mim.

Àquela altura eu já me sentia inteira e unicamente culpada pelo estado de Heitor. Bem, digamos que eu me sentia assim sobre muitas outras coisas também.

Seguimos caminhando silenciosamente pelos túneis sombrios e atolados de mofo. Karen se mantinha à frente, não muito feliz, a julgar por sua constante carranca.

Alguns longos minutos se passaram até que o estreito corredor onde estávamos se abriu para uma grande câmara redonda, revestida por estranhos desenhos nas paredes e terra batida no chão. O teto era uma espécie de abóbada gigante margeada por imagens que pareciam xilogravuras, mas que eu sentia em meus ossos serem muito, muito, mais antigas. Inúmeras pessoas estavam lá. Algumas apenas se mantinham quietas, olhando confusas ao redor, outras se abraçavam aliviadas.

— Briseis? Heitor? — O tom ansioso na voz de Lucinda me tirou do transe em que estava imersa ao observar o lugar. — Rezei tanto para que estivessem bem!

Ela saiu correndo de onde estava para encontrar-nos, suas madeixas castanhas soltas em cascatas sobre seus ombros. Esmagou nossas cabeças quando chegamos ao alcance de seus braços, num forte e desesperado abraço. Lucinda estava fria como gelo. Qualquer adolescente idiota se preocuparia com a demonstração, talvez, exagerada de afeto, mas eu, que perdera todas as pessoas que já tiveram afeição por mim na vida, aceitava de bom grado. Heitor também permaneceu quieto sob seu aperto, até que um movimento rotacionou sua perna ferida. Ele soltou um grunhido baixo de dor.

— O que aconteceu?

Lucinda interrompeu seu abraço para nos inspecionar. Com a camisa ensopada de sangue, Heitor aparentava ter acabado de retornar do mundo dos mortos. Talvez fosse quase isso...

— A culpa foi minha — admiti. — Ele tentou me salvar e o Krenger o acertou.

— Não a escute, Lucinda — pediu Heitor, com um sorriso indulgente. — A culpa foi do maldito Melta que abriu uma fenda na dimensão dessas bestas.

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