35. Deslizes - Heitor

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O sol havia acabado de raiar quando levantei para ir até a escola. Eu queria treinar um pouco na piscina antes de ter mais uma aula chata com o professor insuportável de aritmética e, como havia feito amizade com o vigia daquele turno, eu sabia que não teria obstáculos para entrar.

O céu estava tingido num tom bonito de lilás, enquanto o sol se erguia por entre as colinas do Vale das Estações. O cheiro do orvalho depositado na relva perto da mata tomava todo o ar, e a medida que eu descia pela alameda os pássaros começavam a acordar cantando e voando por entre as copas dos flamboyants, que pareciam queimar com suas flores vermelhas. Embora o cenário fosse contagiante, eu me sentia extremamente cansado. Após a pequena discussão com Briseis, havia demorado a cair no sono, e quando por fim consegui, sonhos perturbadores continuaram a se fazer presentes impedindo que eu tivesse um descanso satisfatório. Para compensar a péssima noite, pensei em nadar, quem sabe funcionasse para me desligar das drogas dos meus pensamentos.

Quando mergulhei na água fria, foi como se estivesse sendo anestesiado, como se mais nada à minha volta existisse. Dei no mínimo oito voltas até começar a me sentir cansado. Cansar me fazia lembrar de quando meus pensamentos eram cobertos por questionamentos de coisas práticas sobre os hanarianos.

Sempre me perguntei qual o sentido em ficar cansado se eu não poderia morrer por meios classicamente humanos. Por que hanarianos precisavam comer e dormir? E por que eu ainda tinha anseios puramente humanos?

Arminda numa de suas aulas de biologia dos seres mágicos me fez ver que a coisa que nos diferenciava dos humanos, a magia, impedia que nosso corpo sofresse no mundo humano, por causas humanas, porque o restaurava rapidamente. Entretanto, se fôssemos atingidos por magia, ela própria não conseguiria se restaurar tão velozmente.

Fome, dor, calor, frio... desejo. Apesar de não nos matar como fazia aos humanos, tais sentimentos ainda seriam eternamente experenciados por hanarianos.

Pensar nas aulas de Arminda me fazia sentir saudades e lembrar dela; da forma como arrumava meu cabelo para que eu fosse à escola, como cuidava de mim quando pegava algum resfriado e amaldiçoava a rainha Aine por me deixar exposto às doenças humanas. E apenas este gesto demonstrava o tamanho de seu amor, tendo em vista que a rainha Aine fazia agora parte de um dos Grande do Passado e Arminda meio que xingava uma divindade.

Fui acordado de meus pensamentos quando os alunos da aula de natação das sete horas chegaram se empurrando na piscina, espirrando água para todo lado e dando risadas. O que queria dizer que eu tinha exatamente trinta minutos para me organizar no vestiário e chegar a tempo na aula. Joguei a toalha nos ombros e passei por eles silenciosamente enquanto continuavam com suas atividades.

O colégio abrigava todas as séries, desde as primeiras do fundamental até o médio. Cada uma das faixas etárias era agrupada por bloco, de modo que a gente não precisava se preocupar em encontrar uma criança de 5 anos chorando no pátio porque o coleguinha roubou seu brinquedo. Era uma escola muito grande para uma cidade daquele tamanho. Porém, quase tudo no Vale das Estações era gigante demais comparado ao tamanho da cidade. Provavelmente quando as barreiras de proteção foram erguidas por Lucinda, o resto completo da cidade ficou do lado de fora e foi esquecido.

A grande maioria dos estudantes era composta por híbridos ou humanos. Embora os humanos nos meses anteriores tivessem misteriosamente evadido da cidade, eu podia senti-los bem perto mais uma vez. O que significava que o Vale das Estações estava voltando ao normal.

Fosse lá o que quer que a palavra normal quisesse dizer naquele contexto.

Após um banho rápido no vestiário, coloquei a farda que trouxe na bolsa, e segui para o local onde ocorreria a aula. Lembrando, um pouco tardiamente, que não conseguira estudar nada nos últimos dias.

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