Fixei meus olhos no teto do que eu achava ser meu quarto. Eu observava pequenos pontos brilhantes que surgiam no meu campo de visão, aquilo soava quase estranho, surreal.
Estava no céu.
Mas espere: o céu não deveria ser menos desconfortável? Gotas de suor brotavam em minha testa e faziam o cabelo grudar na pele. Eu sentia uma dor fina no antebraço esquerdo, quase como a picada de um mosquito. E quando tentei levantar me apoiando no outro braço, outra dor excruciante surgiu no pulso direito. Observei melhor, aquele não era o meu quarto. Era branco demais, claro demais. Soltei um gemido agudo. Certamente eu não havia estado no céu. Tinha apenas acordado depois de ter uma enxurrada de calmantes injetados na veia, constatei após ver as embalagens de remédios sobre uma mesa asséptica de metal.
Minha mão estava enfaixada, eu com certeza devia tê-la machucado em algum ponto do meu estado de loucura. A raiva e frustração ainda me consumiam por dentro, como se existisse uma dor impossível de ser curada.
Fui atingida pela lembrança da situação anterior. Emma, ao invés de me proteger, ordenando que me levassem para longe, me impossibilitando de proteger minha casa para quando meus pais chegassem. Levando de mim toda minha vida, se portando como a bruxa que era.
Tentei me levantar novamente, mas tudo em mim doía.
Ouvi a porta bater e então uma mulher toda de branco foi até a cama em que eu estava deitada, pegou uma prancheta e começou a escrever. Ela usava os cabelos negros e oleosos num rabo de cavalo. Era um tanto bonita, e nova. Mas aparentava ser antipática. Uma enfermeira com toda certeza. A questão era saber se aquilo era um hospital. Eu esperava que sim.
— Como está se sentindo? — perguntou ela.
Dolorida física e psiquicamente. Triste, desolada, abandonada, sozinha, confusa.
Pensei em dizer todas essas coisas, mas meus lábios foram mais sensatos.
— Bem, obrigada. — Eu não reconheci minha voz, a cada palavra dita era como se pimentas malaguetas descessem por minha garganta. Eu estava com uma voz rouca e fanha. Lembrei-me do jorro de sangue saído de minha boca.
— Você gritou tanto que acabou estourando uma das veias do esôfago. Por isso que a voz ainda está ainda está ruim. Você gosta de cantar?
Balancei a cabeça positivamente. Ela dirigiu-me um olhar carregado de dó.
— Talvez não o faça da mesma forma novamente. Uma pena.
Mas nem é o esôfago o responsável pela emissão da voz — lembrei em meus pensamentos, mas, achei de bom tom permanecer quieta.
A enfermeira depositou uma bandeja de aço na mesa. Observei que lá dentro havia gazes, uma tesoura, bisturi, esparadrapo, toda sorte de pílulas e remédios.
Ela apontou para minha mão, e eu estendi o monte de ataduras e esparadrapos para que ela pudesse refazer o curativo.
Enquanto cortava a gaze, deixava aparecer uma parte do que deveria ser a pele da minha mão, porém, estava mais para um amontoado de couro costurado. Algumas partes se encontravam arroxeadas, outras com focos vermelhos ainda de sangue. Quando toda a mão se viu livre dos curativos, tive consciência do tamanho do estrago. Ela estava com pelo menos o dobro do tamanho e se assemelhava à mão do Frankenstein, cheia de pontos.
— Você também bateu os punhos com uma força fora do comum contra uma porta de vidro. — Mordi meus lábios ao sentir a ardência casusada pelo iodo despejado em minhas feridas. A enfermeira trabalhava habilmente envolvendo minha mão com esparadrapo. — Teve uma contusão e vários cortes, e muita sorte por ter uma equipe a caminho, se não teria sangrado pela artéria principal até a morte. Acho que seu estado depressivo levou a isto. Na maioria das vezes é assim, uma de suas colegas de quarto tentou se matar com uma lâmina de barbear. — Ela colocou minha mão sobre a cama quando terminou. — Não se preocupe, um psicólogo estará aqui para ajudar vocês...
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Vale das Estações
FantasíaHá dezessete anos, num país em que poucos acreditariam haver magia e as lendas eram vistas como tolices para assustar crianças, surgiu um lugar fantástico onde as estações coexistiam e as histórias se tornavam reais. Após uma série de coincidências...