16. Verdades - Briseis

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Fui acordada pelo barulho de buzina de um carro que ultrapassava o caminhão.

— Passa por cima, idiota! — gritou Rosilda.

Olhei pela janela. Árvores, relva e cercas passavam por meus olhos rapidamente formando um borrão verde. Uma rajada de vento entrelaçava meus cabelos, dando-me a gostosa sensação de liberdade. Porém, ainda havia dor em todo meu ser. Não apenas fisicamente, embora esta ainda fosse forte, mas em tudo relacionado a mim.

— Você está bem? — perguntou, após perceber que eu estava desperta.

— Acho que sim. Hãn... Na medida do possível, obrigada — falei enquanto tentava me certificar de que tudo ao meu redor era real.

Ela pegou um pacote no porta luvas e o jogou para mim.

— É o almoço — falou — não tive coragem de acordá-la. Espero que se alegre em saber que não houve terror desta vez. — sussurrou alegremente.

As lembranças dos dias de terror vividos na clínica não me acompanharam na primeira vez que dormi, talvez porque eu estivesse exausta demais. Mas após isso, todos os meus sonhos eram apenas pesadelos terríveis e indecifráveis, que, segundo Rosilda, me faziam dar gritos assustadores durantes todas as vezes que eu dormia. Cada vez que eu tentava fechar meus olhos era uma tormenta e eu não conseguia mais adormecer. Portanto, Rosilda certamente não me acordaria a menos que o mundo estivesse acabando. Eu podia perceber o quanto o terror noturno que adquirira estava preocupando-a. Muitas foram às vezes em que acordei com ela ao meu lado quase em lágrimas ao perceber minha aparente aflição. Contudo, era involuntário. Não conseguia sequer evitar.

— Eu peço desculpas por estar tirando seu sono Rosilda, se... Quiser me deixar em algum outro lugar e seguir viagem, eu entenderei... Não é obrigada a passar por nada disso — falei, desconfortável enquanto parávamos num posto durante a noite para tomarmos banho.

— O que é isso garota?! Jamais! Eu disse que iria te ajudar e não descansarei até entregá-la em segurança. Por favor, não insista. Quanto ao sono... Você dorme poucos minutos depois dos terrores, não se preocupe, está tudo bem.

Agradeci intimamente por encontrar ao menos uma só pessoa capaz de ficar por mim. De arriscar certas coisas. Quem sabe tudo começasse, de fato, a dar certo? Eu só precisava descobrir quem era a mulher de Vale das Estações. E se ela não fosse o que eu procurava, eu poderia retornar para Rosilda, ser caminhoneira com ela. Não era bem meu plano de vida. Mas qualquer coisa era preferível à morte.

Tomei um demorado banho no banheiro repugnante de mais um posto e, após vestir uma roupa confortável que Rosilda cedera para mim, sentei no banco da frente do caminhão enquanto esperava ela terminar o seu banho.

Pensei em dormir, mas eu ainda tinha medo do que poderia ser conjurado por minha mente. Então, fiquei imaginando como seria minha vida quando eu chegasse até o Vale das Estações. Se eu conseguiria levá-la adiante, me escondendo de todos aqueles que desejavam ver-me morta. Peguei o pingente do meu cordão e girei-o por entre os dedos, lembrando do brilho sinistro que ele emitira no dia do acidente.

Criei um plano em minha mente. Eu ficaria em Vale das Estações, caso houvesse possibilidade, até o retorno dos meus pais. Quando eles chegassem, iria encontrar um jeito de encontrá-los e poderia contar por tudo o que passei durante o longo tempo em que estiveram desaparecidos. Minha vida seria reorganizada. Eu me apegaria a essa ideia.

— O que é isto? — tive um sobressalto quando Rosilda entrou no caminhão e deu de cara comigo admirando o colar.

— Ahh, é uma coisinha que tenho desde bebê. Acho que meus pais me deram.

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