41. Breu - Heitor

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Comecei a procurar o livro exaustivamente depois que os outros saíram, embora soubesse que minhas chances de encontra-lo eram mínimas. A tarefa se tornou mais difícil depois que os últimos raios de sol desapareceram. Havia apenas uma fileira de luminárias sobreviventes na parede traseira que restara da enorme biblioteca, lançando assim, um pouco de luz na região mais próxima.

Revirei mais uma vez cada tijolo no chão e cada estante derrubada antes de me dar por vencido e só ficar parado encarando o nada.

Avistei quase ao meu lado um pacote mórbido composto pelo corpo da idosa enrolado no tapete sujo. Sua presença me assombrava muito mais do que eu gostaria de admitir.

Para minha felicidade, pouco tempo depois identifiquei passos que se aproximavam de mim, e pela aura pude saber quem era.

— Lucinda... — comecei a dizer, olhando para o corpo quase ao meu lado.

— Luzia — murmurou, antevendo minha fala. — Foi necessário conter sua neta Paula com magia. Zínia a manipulou para que esquecesse Briseis antes da morte da avó... Não que eu tenha concordado como um todo, mas Zínia tem seus métodos para não deixar os humanos importunarem e Paula deu um trabalhão considerável lá embaixo...

— Ela tentou proteger o livro, disse que viu Briseis. Como? — relembrei as palavras de Luzia antes de morrer.

— Algumas doenças que afetam o cérebro humano mimetizam as conexões mágicas que existem em nós. É estranho, mas muitos deles conseguem ver coisas que humanos saudáveis jamais veriam — explicou, dando pequenos passos na direção do cadáver.

— O que vocês vão fazer em relação a ela e essa tal Paula?

Nós já tínhamos problemas demais, mas me parecia no mínimo desumano fingir que aquilo não aconteceu.

— Aquilo que só os humanos podem fazer neste mundo — disse com uma pausa. — Enterrar seus entes queridos.

E quando as palavras saíram de sua boca, uma atmosfera melancólica pairou no ar. Cada letra proferida carregava consigo a dor de ver alguém que amava simplesmente levado pelo vento sem ao menos ter a chance de se despedir. Uma dor que eu infelizmente partilhava com ela.

Uma parte da minha mente se perguntou onde seria o cemitério do Vale das Estações e porque eu nunca o tinha visto. O que era idiota, porque toda cidade, por menor que fosse, precisava de um cemitério. Mesmo que nos transformássemos em pó, grande parte da população era composta por humanos ou híbridos que precisavam de um lugar para deixar a terra comer seus corpos.

—O Krenger levou o livro. Nós não conseguimos impedir — informei. Eu estava me sentindo o pior fracassado existente nos dois mundos.

— Ninguém conseguiria isso. Não se culpe — pediu.

—É um pedido difícil esse...

— Heitor, lhe compreendo. Mas preciso de você agora — Lucinda me chamou, tocando meu ombro. — Procure a adaga de Vornek, veja se a levaram também, eles não conseguirão muito sem ela.

— O quê?

— Isso aqui está muito escuro — observou, fazendo um movimento com as mãos.

Pontos de luz começaram a surgir no perímetro de toda a biblioteca, iluminando todo o ambiente e me deixando ainda mais ciente do tamanho estrago que o monstro fizera. Era magia, uma magia útil. Uma magia quase impossível de ser feita de maneira tão fácil fora do Vale das Estações.

— Onde a adaga estava? — questionei, entendendo seu pedido.

— Eu a coloquei no fundo do chafariz, tentando evitar justamente algo assim... e porque armas brancas e adolescentes não combinam nem um pouco.

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