8. Perdas - Briseis

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Segui rapidamente para o banheiro no meu quarto, pois, o suor impregnava meu corpo e me deixava desconfortável. Minha cabeça ainda rodava, mas felizmente consegui entrar no box sem quebrar nada.

Deixei que a água escorresse pelo meu rosto até que ficasse sem ar. Aquilo era bom antes, me afastaria de toda atmosfera hostil, mas depois do acidente tudo o que a água me evocava era uma sensação claustrofóbica e de horror.

Após terminar enrolei a toalha em meu corpo e saí debaixo do chuveiro. Embora tivesse tomado banho há pouco tempo, o calor ainda me incomodava. Aquilo não podia ser normal. Aliás, nada mais ali era normal.

Segurei a toalha firmemente com minha mão esquerda enquanto passeava pelo quarto semivazio. Um aperto tomava meu peito. Eu estava inconformada com tudo, todas as mudanças.

Fui até o guarda-roupa, mas lá havia apenas cabides vazios. Minhas roupas certamente já se encontravam nas malas, que estavam no outro lado do quarto. Meus pés molhados relaxaram ao entrar em contato com o tapete de pele totalmente branco que havia no meio do cômodo. Ele ainda possuía uma mancha vermelha na extremidade superior, de quando eu tinha cinco anos e derramara suco de groselha em cima dele. Mamãe havia entrado em estado histérico, já papai começara a rir incontrolavelmente enquanto eu brincava na poça formada no tapete. Aquelas lembranças me deixavam cada vez mais pesarosa. Ou seria louca? Talvez Emma tivesse alguma razão.

Abri a mala e soltei um suspiro aliviado ao perceber que a roupa que eu procurava estava justamente em cima. Um short jeans destruído, a blusa da minha banda indie favorita e meus inseparáveis coturnos. Fui até o espelho. Minha imagem não era das melhores, mas ao menos eu estava confortável. Meus longos cabelos negros ainda estavam lá com seus fios armados, porém preferi deixá-los daquele jeito, livres e soltos. Diferentemente de mim.

Então eu lembrei deles, estavam lá embaixo mexendo nos livros de papai, nas obras de arte da mamãe. Tentando levar embora minha vida. O sangue subiu-me a cabeça.

Desci as escadas tentando não fazer muito barulho, eu não queria chamar a atenção daqueles homens estranhos. Ainda podia ouvir os sussurros, eles falando sobre números. O quanto valia a réplica oficial de um Van Gogh, se a pintura estava em perfeito estado. Quanto valia todos os móveis e se seria preciso levar algum para a restauração. Minhas mãos tremiam, e minha garganta parecia buscar alívio, gritando. Gritos incontroláveis que poderiam ultrapassar toda a cidade. Mas tive que me conter, precisava.

Notei que um cheiro agradável vinha da cozinha, parecia ser torta de chocolate ou algo do tipo. Minha boca começou a salivar, fazia um bom tempo que eu não me alimentava muito bem.

A porta da cozinha se encontrava fechada, talvez eu não tivesse me atrevido a encostar o ouvido lá se não fossem aqueles sussurros ininteligíveis de Emma e Abídio.

— Estamos a apenas algumas horas de nos livrarmos dela e nos mandar para o exterior com todo aquele dinheiro. Será que não vê? — a voz dela expressava irritação.

Seria possível que estivesse falando de mim?

— Ela já deve estar desconfiada, você acha que não percebeu sua mudança repentina e o sumiço do dinheiro?

— A coitadinha nunca vai saber que fim levou o dinheiro da poupança e deve estar tão dopada com os calmantes que mal ouviu minha voz. Abídio, esta é uma chance única. Você entrega a garota àquela mulher louca do interior, e com os documentos da herança modificados por aquele nosso amigo, ninguém nunca saberá que a instituição de caridade será nossos bolsos.

Tapei minha boca com as mãos para segurar um grito de indignação.

— Está certo, mas você sabe que mais cedo ou mais tarde ela saberá de tudo — Abídio agora falava um pouco mais alto.

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