37. Desespero - Briseis

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Mas que porra... — murmurou Heitor, olhando para cima quando uma sombra de proporções gigantescas pairou sobre a cidade.

Meus olhos percorreram os céus buscando ver um OVNI ou algo do tipo. A senhora ao meu lado arquejou. Segurei-me para não fazer o mesmo e observei infeliz, enquanto o ar em volta de nós tremeluzia novamente. Desta vez, não mais em apenas uma parte, mas por toda a extensão da cidade, explodindo com um clarão. Uma redoma envolvia o Vale das Estações, eu não precisava que ninguém me apontasse que aquilo se tratava das barreiras de Lucinda. E lá no topo, bem em cima, ela começara a se desfazer gradativamente substituindo a cor de bolha de sabão por nada além de ar.

Na parte de baixo, o Krenger investia mais forte, sabendo o que estava a acontecer. Meus ouvidos zumbiam com o barulho das batidas, associado aos gritos das pessoas que finalmente começavam a correr para se proteger. Infelizmente, nós estávamos próximos demais da fronteira. Me xinguei por não ter ouvido Heitor antes. Eu sabia que mais gente morreria ali, só esperava que fosse eu e não aquela velhinha simpática ou Heitor...

O Krenger deu uma última investida contra a barreira mágica antes de cair dentro dos limites da cidade, sobre algumas pessoas que estavam na barreira de contenção. Sangue se espalhou sob o monstro, enquanto os híbridos remanescentes ao redor corriam em disparada para a biblioteca. Um odor forte de podridão invadiu o ambiente, queimando minhas narinas quando inspirei, fazendo com que ondas de náuseas me tomassem.

Fui empurrada para longe, junto com Heitor e a idosa, quando uma multidão correu em sentido à biblioteca, buscando desesperadamente sair de perto das fronteiras. Não fomos inteligentes o bastante para correr junto com as outras pessoas naquele momento. Apenas encaramos embasbacados a forma disforme e pútrida ao chão.

Embora o krenger ainda estivesse atordoado quando começou a se erguer, o estrago que faria ao sequer cair sobre algo seria inevitável e imenso. Ao dar o primeiro passo, as massas disformes, que um dia foram partes de corpos, se desprendiam do seu pelo e caíam ao chão em poças de sangue. As palavras ecoaram em minha mente:

Sangue.

Morte.

Perto.

Naquele instante o monstro distava cerca de vinte metros do lugar onde estávamos. Eu ainda tinha a senhora segurada aos meus braços, tremendo.

— Corre! — ouvi a voz de Heitor mandar, quando ele finalmente se deu conta, ao despertar de seu estado de incredulidade, do que havia acontecido.

Na realidade, eu nem precisaria daquela ordem. Qualquer pessoa que prezasse por sua vida o faria. Sequer tive tempo para ver por onde Heitor fora, apenas comecei a correr sem rumo no ritmo que estar com uma idosa de aproximadamente 83 anos permitia. O que, infelizmente, não era muito.

As batidas de meu coração ressoavam por todo o corpo enquanto doses de adrenalina me tomavam. Se eu não morresse por alguma causa externa até os 25 anos, certamente teria um ataque cardíaco. O que me preocupava era que as duas opções seriam altamente possíveis, levando em consideração que os mordomos psicopatas da minha família me queriam morta e que agora eu era uma hanariana...

Espere — pensei. — Eu sou uma hanariana. Tenho magia.

Senti-me extremamente idiota ao perceber que eu deixara passar aquele detalhe importante. Eu poderia ter salvado aqueles híbridos, ter usado magia e matado o Krenger antes que conseguisse entrar na cidade... Ignorei a parte de mim que questionava o porquê dos outros hanarianos, de Heitor e Karen — os poderosos —, não considerarem este fato também.

Pelo canto de olho vi Heitor ajudando pessoas a escapar, fazendo o que disse que faria. Me senti inútil por conseguir agir em tão pouco. Mas quem sabe pudesse melhorar? Assim como havia conseguido afastar a Comadre Florzinha na noite anterior, eu seria capaz de parar aquele Krenger. Não seria?

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