12. Possibilidades - Briseis

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As horas se passavam e passavam, como se houvesse uma ampulheta lenta ao extremo na minha frente e eu fosse obrigada a ficar olhando-a, esperando que as horas passassem e, ao mesmo tempo, que parassem. Uma hora a mais: menos uma hora da minha vida. Uma hora a menos: mais uma hora da minha vida. Eu sinceramente não sabia qual opção era pior. Talvez a loucura já começasse a me atormentar. Todos os segundos pareciam iguais e sem sentido. Não fazia ideia se era dia ou noite.

A cela em que me encontrava era escura como breu e, até pouco tempo antes, imunda como chiqueiro. Mas um dia enquanto acordava, após o efeito de outra enxurrada de calmantes, o cheiro de detergente invadiu minhas narinas, mostrando também a existência de uma pequena latrina. Descobri, assim, que Lídia não cultivava hábitos de higiene muito saudáveis. E fiquei de certo modo contente por não possuir uma acompanhante de cela e ter que vê-la executar suas necessidades fisiológicas à minha frente. Arrependi-me imediatamente do pensamento. Pois, lembrei que Lídia não retornara ao cativeiro. Sendo assim, algo muito grave poderia ter acontecido com ela. Pelo pouco que sabia, ela também seria vítima de uma "queima de arquivo", e aquilo me soava terrivelmente mal. Era como se fôssemos culpados de crimes em tempos medievais esperando as sentenças dos carrascos, quando, na verdade, deveríamos estar sob o efeito de calmantes em quartos brancos e limpos.

Os momentos de devaneios eram constantes desde que vinham administrando em mim uma espécie de droga alucinógena que eu acreditava me matar aos poucos. Eu tentei incansavelmente fugir durante o que imaginei ser uma semana, sempre que alguém vinha me trazer comida. Após algum tempo, a comida era deixada em uma fenda na porta, e os sete dias que eu passaria ali se tornaram mais longos, muito mais.

Logo, as lembranças de minha antiga vida nada mais eram que folhas de outono querendo se segurar para não cair do galho seco de minha consciência. Eu lutava para me manter sã, mas era tão difícil. Olhar muito para a escuridão algumas vezes me faziam ver imagens. Umas assustadoras, outras confusas. Vi uma mulher estranha, de longos cabelos cacheados, que sussurrava: "Vou te proteger". Vi espécie de luzes que dançavam, para logo depois transformar-se em rostos de monstros com grandes garras. Vi minha alma dançando frevo.

Talvez fosse tudo fruto de minha imaginação. Criações de meus olhos acostumados com a escuridão constante. Mas com o tempo tudo adquiria uma forma real como aqueles sonhos em que você tem certeza que já presenciou. As correntes de elos gelados que se entrelaçavam em minha carne, nas vezes que tentava me libertar, pareciam começar a fazer parte de mim, não incomodavam. Não mais. E o que eu poderia fazer? Eles estavam vencendo.

Estavam vencendo.

Num dia qualquer ouvi passos atrás da porta do cativeiro, mas eles não deveriam estar ali. Não quando as visitas das enfermeiras eram sempre no início do tempo que eu acreditava ser de manhã e fim da noite. Contudo, a iluminação que escapava pelas frestas da porta davam a entender que poderíamos estar em um período intermediário entre a tarde e a madrugada.

A velha porta se abriu com um rugido oco, como naqueles filmes de terror. E lá estava o homem que me dissera coisas terríveis alguns dias antes. Fiquei com medo de já ter se passado um mês e estar no "dia da execução". Minhas pernas tremeram, involuntariamente. O feixe de luz, projetado pela abertura da porta, deixou-me momentaneamente cega.

— Olá, minha criança — disse ele.

Pela primeira vez consegui focalizar o que deveria ser o corpo do psicopata metido à professora do primário. Era grande e redondo como aquelas bolas de parques de diversões, usava um jaleco branco e tinha os óculos de grau elevados à testa. Possuía pequenos olhos como contas e na boca, estranhamente carnuda, carregava um cigarro.

Aquilo era uma clínica, como ele poderia fumar?

— Não vai me responder? — perguntou.

Eu não possuía forças para falar nada, meus olhos lacrimejavam com a claridade e meus pulsos, em carne viva, do nada haviam começado a arder.

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