47. Inimigos - Briseis

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O som de passos se elevou além das insistentes gotas de chuva e uma série de grunhidos ininteligíveis ecoaram por todo espaço ao nosso redor. Eu não precisava conseguir detectar auras para saber que os seres horrendos se aproximavam de nós.

Quando os Meltas passaram em nossa frente, quase rentes à parede onde nos escondíamos, deixei minha outra mão escorregar para dentro da de Heitor, percebendo pela firmeza com que ele a segurou que também estava com medo.

As capas e sobretudos negros das criaturas repeliam a chuva, enquanto eles seguiam para o centro da praça. Seus passos eram firmes à medida que acompanhavam uma espécie de fila indiana de três ou mais pessoas. Do ângulo no qual minha cabeça estava inclinada contra os tijolos, não pude mensurar com exatidão.

Consegui perceber que diferente do homem que me perseguiu e daqueles que debatiam a abertura na dimensão dos Krengers, os magos que estavam próximos a nós eram ainda mais pálidos. Seus olhos injetados com um sentimento que me atordoava, mesmo que não fosse direcionado diretamente a mim. Alguns deles tinham cabelos em tons e tamanhos diferentes, mas de longe pareciam iguais, com a mesma feição impassível e a densa aura de morte que os acompanhava.

Continuei acompanhando-os com os olhos até que um deles estancou na entrada do nosso esconderijo. Ele olhou com interesse para o interior, através da cratera na porta, e deu um passo em direção a nós, elevando a cabeça e inspirando profundamente como se buscasse farejar alguma coisa. Seu capuz caiu ao redor do pescoço, revelando olhos lilases que contrastavam de forma estranha com sua pele mortalmente pálida.

Heitor parou de respirar ao meu lado. Pressionando minha mão com tamanha força que me fez sentir como se ela pudesse se partir. Ao seu lado, comecei a implorar para que o mago virasse e se fosse, embora soubesse que implorar pouco importaria naquele contexto.

— Cubra a cabeça, Set — ordenou uma voz feminina vinda de fora. — Os escolhidos estão aqui, você não vai querer estar desprotegido.

— Eles não possuem magia perto do Krenger — respondeu o melta, felizmente virando-se para falar com a mulher. — Não podem nos atingir.

— Mas nós também não possuímos, então todo cuidado é pouco. — A mulher estava encoberta pelas grandes costas de Set viradas contra nós, mas a preocupação em sua voz era evidente ainda assim. — Faz tão pouco tempo que estamos livres, não quero virar pó antes de aproveitar por uns dias.

— Merrick logo estará entre nós — disse Set, mas ainda assim levantou o capuz acima de suas orelhas —, os escolhidos não serão mais um problema.

Um estrondo ecoou no ar, chamando a atenção dos meltas. Torci para que fosse apenas um trovão, mas eu já havia perdido a fé antes mesmo do pensamento se formar em minha cabeça. Eram os passos do Krenger, eu tinha certeza.

— Vamos, Set. A hora é chegada.

O grupo se afastou, aproximando-se do meio da rosa dos ventos pintada no chão e formando um círculo. Em seu centro havia um objeto prateado cintilante não distinguível à distância. Todos os meltas olhavam com expectativa para aquilo, então presumi que não poderia ser algo bom.

Notei um detalhe que ficara oculto enquanto a procissão passava em frente a nós: havia três pessoas conectadas umas às outras por pesadas correntes de ferro. Eram homens que vestiam roupas escuras como os outros, mas que possuíam a pele mais corada. Não existiam dúvidas de que se tratavam de meltas, supostamente aprisionados por sua própria espécie. Mas o que eles podiam ter feito de errado?

— O-o que faremos? — consegui gaguejar logo após outro grande estrondo. — Quando o Krenger se aproximar estaremos expostos.

— Nós já estamos expostos — sussurrou Heitor soltando minha mão. — Não temos mais muito tempo.

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