13. O Vale das Estações - Heitor

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Um mês se passou desde que eu havia ficado sob os cuidados de Lucinda e era quase impossível não deixar a culpa me tomar. Afinal, eu fui responsável por tudo o que aconteceu. Se jamais tivesse saído do lugar que ela houvera me mandado ficar...

Mas todos os dias, antes de fechar meus olhos eu imaginava a face de todos eles. Eu prometia me vingar, um por um. Era quase uma prece, feita todas as noites desde a morte de Arminda.

"Nosso destino é definido pelas escolhas que fazemos."

Eu já não lamentava tanto o que acontecera a Carla, mas a Arminda... Acho que nunca me perdoaria.

Logo quando cheguei até a casa de Lucinda, ela me apresentou o escolhido. Chamava-se Daniel, e aparentava ser uma pessoa confiável. Ele fazia o tipo rebelde sem causa. Morava sozinho numa casa na parte baixa da cidade. E bem... Não era uma casa, estava mais para um lixão, porém, o lugar era até agradável para jogar vídeo game e conversa fora. Lucinda insistiu, quando ele chegara lá, para que ficasse em sua residência — que tinha espaço suficiente — mas ele recusou com todas as suas forças e a fez alugar o tal espaço. Mesmo que ele sempre fosse à casa de Lucinda diariamente para fazer as refeições principais.

— Você acha que daria certo levar todas as gatas para casa da tiazinha lá? — falou brincalhão quando insisti em perguntar por qual motivo ele vivia isolado.

— Não, definitivamente não — concluí.

Dentro de um mês ele havia adquirido a fama de galinha da cidade.

— É minha culpa se nenhuma gatinha resiste ao charme de meus olhos azuis? — se gabava, constantemente.

— Eu acho que a culpa é do oculista delas — falei.

Bem, era fato que quase todas as humanas de Vale das Estações eram caídas por ele. Daniel possuía cabelos estranhamente loiros e olhos que se assemelhavam a duas safiras. Mas fora isso, caso a magia hanariana não lhe desse a perfeição inerente a todos os nixges, seria apenas mais um adolescente humano magrelo e alto, basicamente da mesma altura que eu.

Eu, por outro lado, não estava muito ligado a essas coisas desde Carla. Acho que era porque não queria mais despedidas, nem traumas. As pessoas estavam melhores longe de mim. A menos que fossem obrigadas a ficar perto, como Lucinda e Daniel.

Quase todas as semanas nos reuníamos com alguns humanos para jogar futebol amador num campo que havia próxima a escola. Era legal, exceto quando algum deles batia contra nós e saiam com sérias contusões enquanto eu e Daniel permanecíamos intactos, levando em conta que os hanarianos não podiam se machucar no mundo humano pelas formas "convencionais".

Apesar de Daniel estar se tornando um amigo, não me sentia à vontade para contar sobre todos meus pensamentos. Havia algo nele que me deixava inquieto. Era fechado, não gostava de falar sobre a família ou até mesmo a tutora, Zínia. Ele também parecia não gostar muito dela, pelo que eu havia ouvido. Apesar de que, excetuando-se isso, Daniel era uma pessoa divertida.

Nós até vínhamos fazendo uma parceria, tocando algumas músicas no fim de semana numa espécie de bar clandestino para jovens na cidade vizinha. Obviamente Lucinda não sabia de nada daquilo e, obviamente, nós não contaríamos a ela. Não se quiséssemos evitar que ela infartasse. Saber que dois jovens, sem idade para tirar licença no Brasil, estavam dirigindo para fora das fronteiras do Vale das Estações provavelmente a mataria.

Mesmo que oportunidades de fuga para fora da cidade fossem constantes, nas últimas semanas havíamos deixado tal hábito de lado. Não continuaríamos nos arriscando depois que um homem suspeito nos seguiu até os limites da cidade. Não precisávamos de mais confusões com magos. Embora eu quisesse ter uma oportunidade de vingança, Daniel não tinha nada a ver com aquilo. Logo, quando Lucinda estava distante, a única saída para passar o tempo era ir até a casa de Daniel e jogar vídeo game.

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