O Belo e O Fera: Herdeiro do Mal; Batalha dos Imortais [Livro 4]

Fantasmas

***Rafael

Saí a passos apressados pela porta da frente. Em mãos, eu segurava aquele misterioso envelope dourado que, nem eu e nem Luna, fazíamos a menor idéia de como havia chegado até nós.

Eu não me lembrava de já ter visto, antes, algum feiticeiro fazer alguma magia do tipo.

Sentei-me no primeiro degrau da varanda, e permaneci fitando aquela correspondência por alguns minutos.

Eu estava hesitante. Tinha medo do conteúdo que poderia ter ali dentro. Seria alguma notícia ruim? Seria algo que abalaria a paz que eu tanto demorei para conseguir?

Ergui meu olhar. Por entre as árvores, era possível notar o sol que já começava a se aproximar da linha do horizonte. Uma leve briza assoprava, fazendo com que as árvores ao redor produzissem um discreto rangido.

Ouvi passos leves sobre o assoalho, indicando que Luna estava se aproximando lentamente de mim.

Com toda a delicadeza do mundo, a moça pousou sua mão direita sobre meu ombro esquerdo, sentou-se ao meu lado, e mirou aquela linda paisagem externa.

Na mão esquerda, ela segurava uma xícara de chá quente. Ela ergueu o utensílio até a altura da boca, deu uma assoprada, e a seguir uma bebericada.

Depois daquela calma e delicada ação, Luna apoiou os dois antebraços sobre os joelhos, e segurou a xícara com as duas mãos. Por fim, deu um longo suspiro, e ainda mantendo seu olhar fixo no horizonte, perguntou com sua voz doce:

— Não vai abrir?

Permaneci em silêncio por alguns instantes. Era como se eu estivesse lutando contra algo inevitável. Mas eu sentia que precisava de tempo... Tempo para me acostumar a idéia de voltar a ter contato com o meu passado. Passado o qual eu queria poder esquecer algumas coisas.

— Não sei se devo, Luna... Já faz tanto tempo desde que eu soube qualquer notícia dos meus amigos. — Falei com toda a sinceridade. Meu tom de voz expressava toda a melancolia que eu estava sentindo naquele momento.

— Posso te perguntar uma coisa, de coração, Rafa?

— Com toda a certeza. — A segunda pergunta eu não hesitei nem um pouco em responder. — Tu sabe que não guardo qualquer segredo de você... Acho que ninguém no mundo sabe tanto de mim como você sabe.

A moça esboçou um discreto sorriso no canto dos lábios, deu mais uma bebericada em sua xícara de chá, e em seguida, questionou:

— Com toda a sinceridade que eu tenho a te oferecer, é que faço esta pergunta: Até quando pretende fugir? Acha que vai conseguir fugir do destino para sempre? Acha que vai conseguir se sufocar pelo resto de sua eternidade?

Aquelas palavras, embora ditas em tom sereno, me atingiram como um golpe fatal.

Tudo que eu queria era poder ficar longe. De certa forma, pensei que com o passar dos anos, todos seguiriam as suas vidas e me esqueceriam. Mas aquele envelope dourado em minha mão, estava ali para me dizer o contrário.

— Eu precisava tentar algo, né, minha amiga? — Esbocei um sorriso amarelo.

— E essas suas tentativas têm dado certo? Está realmente feliz com a sua existência atual? — Continuou ela.

Luna, apesar de ser o ser mais gentil e doce que eu já havia conhecido desde Thales, quando usava as palavras para me fazer pensar, tornava tudo amargo e doloroso para mim.

— Acho que tu me conhece bem. Nem preciso responder essa pergunta. — Fui sincero.

— Pois é... Não dá para evitar o inevitável, Rafa. Então, porque você não enfrenta logo o seu destino de frente? Tanto tempo já se passou... E pelo que vejo, você ainda continua o amando na mesma intensidade... Ou quem sabe até mais!

— Mas... Luna...

— Espere! — Ela não me deixou continuar. — Agora você vai ouvir tudo que tenho a dizer sobre isso!

Eu apenas assenti com a cabeça, engoli em seco e a olhei de lado. Sabia que mesmo usando aquele tom de voz suave, ela estava bastante decidida.

— Volte! — Continuou ela. — Volte e diga a verdade olhando nos olhos dele. Lute pelo que você quer... Não é fugindo dos seus sentimentos que você vai conseguir ser feliz. Você nunca se sentirá completo se continuar vivendo dessa maneira.

— Mas, Luna... — Protestei. — Eu não posso fazer isso com o meu melhor amigo! Eu não posso tentar tirar o Thales do Miguel! Meu irmãozão o ama demais! Ele me odiaria para sempre, eu não conseguiria ser feliz do mesmo jeito!

— Vocês precisam ser maduros o suficiente. Você fugiu, Rafa. Pelo que você me contou, aquele garoto tinha um enorme carinho por você... Você foi importante na vida dele em um momento muito difícil! Quem garante que ele não sentia o mesmo por você?

— Não enfie idéias erradas na minha cabeça! Eu já tenho pensamentos estranhos demais, Luna!

— Tipo... — Ela fez uma pausa. — Eu só acho que... Você privou o Thales de escolher. Era uma decisão que cabia somente a ele. Se você tivesse contado o que sentia naquela época, talvez o final da história fosse outro!

Quanto mais minha companheira falava, mais eu pensava. Será que ela poderia estar certa? Mas eu tinha medo. Medo de voltar após tantos anos e acabar destruindo amizades importantes para mim, por causa de um sentimento que eu insistia em manter sufocado em meu peito.

Ouvir Luna falar daquela maneira, me fez perceber que eu estava enganado quando pensei que o sentimento estava adormecido. Infelizmente, ele estava mais vivo do que nunca.

— Eu ainda acho que minha decisão foi a melhor. — Teimei. — Nunca que eu iria querer perder meu melhor amigo.

— Mas o Miguel também teria que entender o seu lado, Rafa! Você se apaixonou pelo garoto primeiro, só não teve coragem de falar a verdade!

— Sim... Eu fui um covarde! Como eu me arrependo das barbaridades que fiz com aquele pobre garoto, na tentativa de manter distância e negar meus sentimentos.

— Garoto que, agora, não tem nada de "pobre" pelo que eu saiba, né? — Luna sorriu, enquanto franzia a testa.

— Verdade. — Concordei. — Agora ele é, simplesmente, a criatura mais poderosa deste mundo. Soa até meio assustador quando eu falo isso.

— Abra o envelope, Rafael! — Indo diretamente à raiz do assunto, Luna deu a ordem. — Você precisa enfrentar seus fantasmas, e eu estou aqui para te ajudar! Vamos fazer isso juntos!

Eu desviei meu olhar, que até então se mantinha fixo na moça ao meu lado, para o envelope em minhas mãos. Senti minha boca secar. Era chegada a hora de saber o que outro ser mágico queria comigo após tantos anos.