Um Despertar Incerto I

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***Gabriel

Aos poucos fui recuperando a minha consciência.

Ao abrir os olhos, logo avistei Plínio sentado na beirada da cama, onde a pequena garota dormia em um sono aparentemente profundo. Meu companheiro, tinha as costas apoiada na cabeceira da cama, seu pescoço estava pendendo para o lado direito, mesmo dormindo desajeitado, eu podia notar o cansaço em seu lindo rosto. Com toda a certeza, ao acordar, ele sentiria uma terrível dor no pescoço.

Eu estava sentado em uma poltrona disposta num dos cantos do quarto. Passei a noite inteira sentado ali, tinha medo de me ausentar, e a pobre criança acabar acordando no meio da noite... Temia que Plínio não conseguisse lidar com ela sozinho.

A incerteza do que poderia acontecer quando a menina abrisse os olhos era enorme. Eu não sabia ao certo se estávamos preparados para contornar a situação.

Eu sentia medo de todas as histórias que já tinha ouvido antes. Tinha medo da pequena garota, acordar com um apetite voraz por sangue e não conseguir se controlar. Eu tinha medo de acabar sendo obrigado a matá-la. Me sentia culpada por cogitar tal coisa.

Minha preocupação também girava ao entorno de Beatriz. Com certeza, a tal altura ela, assim como Thales, ela já havia sido nomeada como nova Mor. Eu sabia o quanto a mulher estava arriscando ao manter o segredo sobre uma criança recém-transformada. Se outros Mor's de outros Conselhos soubessem, talvez nossa amiga pudesse até ser destituída de seu cargo tão importante. Eu precisava ajudá-la... Precisava estar errado sobre a garota, precisava fazer o possível para mantê-la sob controle.

Levantei-me da poltrona, fui até o banheiro, escovei os dentes e passei apenas uma água no rosto. Não poderia me prolongar muito, não podia tirar os olhos da criança ao lado de Plínio. Se ela acordasse e fosse tão violenta quanto eu já havia ouvido nas histórias sobre transformação de crianças, meu parceiro estaria correndo o risco de ser atacado.

Assim que saí do banheiro, voltei a acomodar-me no mesmo lugar de antes. Inclinei o meu corpo um pouco para a frente e apoiei os cotovelos sobre os joelhos. Fiquei a observar a cena dos dois dormindo.

***

Não demorou muito até Plínio acordar. Ele abriu os olhos lentamente e espreguiçou-se, erguendo os dois braços no ar. Logo em seguida, ele passou a mão atrás do pescoço e fez uma careta, provavelmente sentiu alguma dor pelo modo desconfortável que acabou adormecendo... Por fim, ele fitou-me com um discreto sorriso nos cantos dos lábios, e disse:

— Bom dia, amor!

— Bom dia! — Respondi, retribuindo ao sorriso.

O homem olhou para a garota deitada ao seu lado, levantou-se lentamente da cama e espreguiçou-se mais uma vez.

Em total silêncio, ele foi para o banheiro. Depois de alguns minutos, ele voltou para o local, aproximou-se de mim e arqueou o corpo para a frente, na intenção de me alcançar. Ergui minha cabeça e ele então depositou um selinho em meus lábios. Consegui sentir um leve aroma de hortelã em seu hálito.

Ao voltar a posição ereta, ele cruzou os braços, franziu a testa e me perguntou:

— Passou a noite toda nessa poltrona?

— Claro! — Respondi com um ar cômico. — Eu não podia sair do quarto e arriscar deixar você sozinho com a pequena intrusa na nossa cama!

— Bobo! — Ele sorriu. — Acha mesmo que ela me atacaria?!

— Sinceramente? — Cocei o queixo, fitando a criança. — Eu não sei, Plínio. Eu queria acreditar que não... Mas... Já ouvi tantas histórias no passado sobre crianças como ela... Estou bastante preocupado. Tenho medo dela ser um pequeno monstrinho!

O Belo e O Fera: Herdeiro do Mal; Batalha dos Imortais [Livro 4]Onde histórias criam vida. Descubra agora