Ironia do Destino [Ranu]

Há que se ter coragem

Junho/2020

Manu Gavassi

"Namorar é algo que vai muito além das cobranças. É cuidar do outro e ser cuidado por ele. Somos livres para optarmos! E ser livre não é beijar na boca e não ser de ninguém. É ter coragem, ser autêntico e se permitir viver um sentimento."

Dizem que para a comida sair saborosa temos que cozinhar com amor, mas ninguém nunca me ensinou como seria incrível cozinhar com o meu amor. Já repararam como a gente é mal programada? Crescemos para ser a mulher ideal, ganhamos bonecas para aprender a cuidar dos futuros filhos que a gente nem sabe se vai ter. Programadas para exercer o papel de excelentes mães donas de casa, mas a única coisa que acaba acontecendo é a gente crescendo perdida em projeções que a sociedade constrói, sem saber o que a gente quer, e quem de verdade a gente é.

Os músculos do meu rosto estão doloridos de tanto rir e beijar. Foi a manhã e o começo de tarde mais alegre que eu lembro de ter vivido. Ninguém ensina a gente como é gostoso ser mimada, como é incrível acordar sendo amassada e como pode ser divertido dividir o banheiro pela manhã. Somos programadas para seguir um roteiro de vida ideal, mas ninguém nos programa para ser feliz. Nunca me ensinaram como é importante ser uma idiota para ouvir sempre sua risada, muito menos como é fundamental sempre manter o contato físico quando estou perto dela. As coisas realmente essenciais que devemos saber, como não arrumar briga pelo tubo de pasta de dente aberto e nem levar a sério o seu mau humor matinal; ninguém ensina. Eu poderia dar um workshop sobre isso. Ganharia uma boa grana.

Ninguém, ninguém mesmo, nos diz como é importante entender nossos sentimentos, como é valioso parar um pouco, tomar uma água, e tentar lidar com seja lá o que estejamos sentindo antes de soltar palavras e não poder recolhê-las. Tudo que nos ensinam é completamente inútil. Não existe esse negócio de receita de bolo para a felicidade, para o sucesso. Acho que o melhor conselho que eu daria para a Manu do passado, seria: "Siga sua intuição e não fique com alguém esperando que as pessoas mudem por você, as pessoas mudam por elas, e sempre, sempre mesmo - escolha quem te faz sorrir, quem faz bem pro seu coração, quem estará ali para segurar sua mão."

— A comida parece estar boa né? - ela brinca, me tirando dos meus pensamentos.

— Sério, Rafa! Estou desesperada aqui! - ela me olha ainda sorrindo, com uma cara confusa.

Olho para o meu prato. Literalmente, eu o limpei e ainda repeti mais da carne de planta e da salada incrível que ela fez. Tudo estava gostoso demais. Eu tinha até me esquecido que Dona Rafaella é tão boa na cozinha. Sorri e limpei a boca com o guardanapo, segurei sua mão vendo como ela olhava para nossas mãos juntas e sorria aberto. Desde do seu pedido de namoro, ela estava toda boba.

— Preciso achar um defeito em você, Kalimann! - falei, brincando com meu garfo.

— Um defeito? - ela brincou, colocando a mão no queixo e fazendo cara de pensativa.

— Aham. Você tem bom gosto musical. Sim, tô curtindo sertanejo. - ela riu. — Sabe cozinhar, é rica, linda, sexy, cheirosa, se veste bem e tá se aprimorando nisso de ser romântica. - suspirei dramaticamente e ela riu um pouco vermelha. — Sério, me diz uma coisa ruim a seu respeito!

Ela ficou uns segundos olhando para o teto, pensativa, e depois acabou rindo de novo. Tentou desdenhar de seus atributos, mas ficou ainda mais linda ali parada, fazendo graça comigo.

— Já queimei comida, já fui grossa contigo, fico fedendo depois de passar um dia na correria, não sou nada sexy quando estou doente e, nossa! o que eu mais tenho no armário é camisa grande, larga e furada que uso pra ficar em casa. São as melhores! - ela finalmente disse me fazendo sorrir.