Palavras

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Julho/2020
Manu Gavassi

"As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade."

Há alguns anos, li uma matéria sobre as palavras mais bonitas do mundo e uma delas chamou de cara a minha atenção: alumbramento. Recordo de ter passado o dia todo com aquilo na cabeça, perguntando para mim mesma se alguma vez já vivenciei essa tal experiência quase sobrenatural. Essa sensação que descreviam como sentir-se impregnado de algo que toca tão profundamente a ponto de construir dentro da gente um encantamento espiritual, como se pudéssemos nos perceber plenos, inspirados, livres.

E quem diria que aqui, deitada nessa cama em uma cidade que sequer conheço bem. Agora, nesse exato momento, eu me sentiria assim? Alumbrada ao ver o seu corpo semi coberto pelo lençol de cetim que contrasta com a coloração da sua pele e molda perfeitamente as suas curvas. Iluminada ao olhar para seu rosto relaxado que transmite uma quase inocente paz interior. Inspirada em como a aurora entra pela janela e joga luz em cada uma das suas feições. Livre por notar o sorriso adorável e satisfeito que ela carrega parecendo estar em um sonho bom.

Admirada pela certeza no meu coração e na minha alma. Excitada por ter vivido a noite mais quente e doce de toda a minha vida, quando fui tocada como ninguém mais tocou. Emocionada por amá-la tanto, e adorar cada parte dos seus lábios em mim. Maravilhada por cada detalhe dessa noite de luz com estrelas. Sem fôlego pela sua respiração calma e as leves caretas que ela faz quando os raios do Sol a incomodam.

Isso é estar em alumbramento. Todo esse amontoado de particularidades e todas essas singulares sensações, bem agora, fazem com que eu compreenda que Rafa me aproxima de Deus. Isso é muito além da magia, é fundamento, âmago, é espírito. E, de repente, é impossível não ser consciente de que nessa vida não há coisa melhor e mais suntuosa do que dormir e acordar com ela ao meu lado.


***

-- Bom dia! - digo um pouco animada demais ao entrar na cozinha e topar com minha sogra.

-- Bom dia! - ela me olha estranho e procura por Rafa, analisando meu rosto minuciosamente quando não a encontra. -- Dormiu bem?

Sinto um frio na espinha e um leve desespero por lembrar dos gemidos (quase gritos) de Rafa durante a madrugada. Acho que minha pele está queimando de vergonha.

-- Manu? Tudo bem? - ela parece preocupada e eu só quero morrer.

-- Sim! - respondo num fio de voz. -- Poor..que? - eu estava morrendo de medo de perguntar, mas precisava saber.

Ela deu de ombros e notei seu olhar triste. -- Ontem cês não apareceram mais, e sua cara é de quem não dormiu muito...tô preocupada com vocês! - confessou. -- Mas não precisa falar nada, não quero me meter! - sorri entre o alívio por se tratar disso e a ternura por ver como ela se importava conosco. Puxei uma cadeira e sentei à sua frente, vendo como minha sogra me olhava atentamente.

-- Estamos bem, dona Genilda! - sorri mostrando pela primeira vez o reflexo da noite incrível que vivi. -- E não tem problema perguntar, eu entendo totalmente! - ela assentiu.

-- Achei que cês tinham desentendido depois do Sebastião agir como um idiota!

Ri. -- Pode ficar tranquila, a gente nunca esteve melhor, de verdade! Talvez eu não devesse falar isso pra senh... você, mas estou me sentindo nas nuvens! - ela riu.

-- Graças a Deus! - comemorou, unindo as mãos em sinal de agradecimento. -- Rezei tanto essa noite pra Deus iluminar vocês e tudo ficar bem! - suspirou aliviada.

Ironia do Destino [Ranu]Onde histórias criam vida. Descubra agora