Encontrando o ritmo

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Julho/2020
Rafa Kalimann

Lembro de ser adolescente e ouvir minha vó dizer pra mãe que o amor é como uma dança. Quando a gente não sabe acompanhar o ritmo do outro, os passos começam a atravancar até chegar o momento que a dança acaba. Esse era meu maior medo no início, não ser capaz de acompanhar a intensidade da Manu. A profundidade de suas emoções e a genialidade dos seus pensamentos sempre foram um grande desafio a superar pra alguém como eu, que passei a vida sentada à mesa esperando o amor ser servido de bandeja.

De repente Manu me tirou pra dançar, e ter entrado na pista em ritmo de valsa enquanto minha namorada curtia uma balada pop, poderia definitivamente fazer com que nossa dança tivesse fim, mas não. A vó era sábia, mas nisso ela estava errada. A dança não acaba quando não encontramos o ritmo do outro, ela acaba quando uma de nós realmente desiste de tentar entrar em compasso.

Manu tem me ensinado que música é mais do que movimento, ela também é feita de pausas. É sempre possível encontrar o ritmo, mesmo que para isso ambas tenham que alterar o compasso, adicionar ou excluir tempos. A música é tão abstrata e universal como o amor, por isso combinam tão bem. Ambos permitem que uma mesma canção tenha várias versões, vários acordes, arranjos, melodias. A vida nem sempre é igual, ela exige da gente e às vezes é preciso afrouxar, noutras apertar. A cadência das canções vai mudando, a nossa preferência de ritmos também, e se tem algo que aprendi com o meu namoro é que o que define a continuidade da dança será sempre a nossa vontade interior de não parar de dançar, seja o ritmo que for. Mesmo que seja estranho, mesmo que seja descoordenado. Enquanto a dança representar a vontade e o som do nosso coração, ela existirá, ela estará em todo o lugar.

Por isso, por mais que eu deteste brigar com a Manu, tenho a sensação de que é como se estivéssemos em um filme romântico. O salão ornamentado por lindas flores e balões clichês dos bailes americanos, nós duas apaixonadas dançando a nossa canção, e de repente uma pisa no pé da outra. Ao invés de ficarmos bravas e pararmos de dançar por não nos entendermos muito bem com o ritmo, só damos um leve gritinho pela dor da pisada para depois nos olharmos e rirmos da nossa falta de jeito, sabendo que jamais nos machucaríamos por querer e que mesmo dançando uma vida inteira juntas ainda teríamos alguns desencontros. Daí a gente volta a dançar. Eu posso estar em ritmo sertanejo e ela sofrendo com o álbum novo da Taylor Swift. Sempre teremos um beijo pra cá, um passo pra lá, algumas declarações de amor aqui, um sorriso apaixonado e envergonhado acolá. No fim, não é o ritmo que faz a dança, mas a paixão na alma de quem está dançando.

Flashback

-- Brigar é cansativo demais, eu deveria ter dado uma segurada...olha só como cê tá! - minha voz demonstrava o tanto que eu estava chateada comigo mesma e Manu revirou os olhos pro meu comentário.

-- A culpa não foi sua, nós duas brigamos, e desde que a gente não se machuque de propósito durante nossas brigas, eu sinceramente não me importo de brigar com você pelo resto da vida!

Seu tom de voz era fofo e divertido, e eu sorri sentindo meu coração aquecer e uma vontade súbita de pedir por favor pra gente adiantar esses planos de dividir a vida logo. Eu entendi perfeitamente o que ela quis dizer, e não me importaria também, estávamos de acordo. Eu prefiro viver me engalfinhando com ela às vezes do que viver toda uma vida sem ela.

Manu deitou na cama e resmungou de dor pra logo depois esticar a coluna e soltar um suspiro aliviado. Revirei os olhos imediatamente, segurando a vontade de dar um sermão sobre forçar tanto o corpo diariamente e por longos períodos. Eu não iria tocar mais uma vez no tema do excesso de trabalho. Acho que ela já colocou muito pra fora hoje e eu não queria pressionar demais.

Ironia do Destino [Ranu]Onde histórias criam vida. Descubra agora