Cicatrizes

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Capítulo 36 - Cicatrizes

Seus olhos já começavam a arder pelo tempo em que ficara apenas encarando a lareira acesa sem piscar uma única vez, nervoso com o fato de ter sido chamado naquela sala. Sentia suas mãos suadas e o corpo esquentar dentro do terno negro. Já se sentara ali diversas vezes, milhares, já olhara para aquela mesma lareira e sentira o calor emanado daquele fogo, mas nenhuma dessas vezes lhe trouxera tal medo e nervosismo, afinal em nenhuma delas sua vida correra tanto perigo como naquele momento. Talvez aquela fosse a última vez que veria aquela sala.

Com um suspiro pesado fechou os olhos e se pôs a pensar em sua vida, em tudo que passara até ali e tudo que ainda poderia passar. Tinha que admitir, não tinha orgulho de como conduzira sua vida até aquele momento, das vezes em que se comportara como um crápula, um idiota arrogante se sobrepondo aos outros devido o valor aquisitivo de sua família. Tinha plena consciência de seus atos e erros, mas ele era um Malfoy e não podia mostrar suas fraquezas. Claro que não era um Grifinório besta que se demonstrava corajoso em qualquer circunstância, ele só não deixaria que os outros soubessem o quão fraco era.

- Você não é fraco.

Aquela frase, assim como algumas outras ditas para si naquelas últimas semanas foram essenciais para lhe manter em pé e não deixá-lo desistir do plano ridículo que inventara e vieram de quem ele menos esperava, de Harry Potter. Não podia negar, quando Potter lhe disse o que deveria fazer para o bem do mundo achou-o louco e mentiroso. Quando ele disse que não o deixaria sozinho imaginou mais ainda que a loucura era uma doença grave nele. Mas o que era dúvida provou-se ser mais do que verdade e nas duas semanas que se passaram Harry Potter não fez outra coisa se não ficar ao seu lado, mesmo durante as aulas de oclumência com Dumbledore ou quando Snape o ensinava a resistir a um cruciatus. Não interessava em que momento fosse, o menino estava ali olhando para si, analisando seus movimentos, seus avanços e até seus fracassos. Ele estava ali.

Mas porque ele? Por que justo Harry Potter ficava ali ao seu lado? A única vez que fora gentil com o grifinório, se é que aquilo pode ser chamado de gentileza, fora antes de entrar na escola, na Madame Malking e nem mesmo sabia quem ele era. Depois disso foi somente rivalidade, olhares avessos e raiva, não havia nada mais do que isso, então por que justo ele escolhera ficar ao seu lado?

A resposta poderia vir a sua mente se tivesse tempo, mas no exato momento em que respirou fundo tentando pensar naquilo a voz de sua mãe ecoou límpida atrás da poltrona.

- Ele o aguarda.

Com um seco aceno de cabeça o menino se levantou e olhou para o rosto de sua mãe. Narcisa continuava magra, loira e com um porte austero. Parecia que nada a atingia, parecia uma rocha. Draco sabia que era mentira, sabia que aquela mulher estava se segurando com força somente pelo seu marido. Narcisa sempre viveu para Lucius, ele era sua vida, seu todo. Draco era apenas um adjacente, alguém para completar a foto em um quadro e dar continuidade ao legado dos Malfoy.

- Mãe? – Chamou Draco baixinho quando a mulher se virou para sair da sala.

- O que?

O menino abriu e fechou a boca diversas vezes, mas no fim apenas encarou a mãe até que a viu se aproximar aos poucos e estender os longos dedos pálidos. A sentiu arrumar seu cabelo e depois a gravata, por fim ela encarou seus cinzentos olhos e lhe disse a frase que tanto ouvia desde criança.

- Não me decepcione.

A mulher foi embora deixando-o sozinho. Draco mexeu os dedos devagar e engoliu a vontade de destruir aquele lugar, de derrubar tijolo por tijolo, explodir os quadros e esculturas, fazer sumir as emoções. Lembrou-se do que Snape lhe dissera antes de sair de Hogwarts, que qualquer descontrole o deixaria vulnerável. Por isso controlou-se e concentrou-se em guardar as lembranças que jamais deveria deixar escapar.

Traiçoeiros Sentimentos (Severitus)Onde histórias criam vida. Descubra agora