Uma visita inconveniente

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Capítulo 3 – Uma visita inconveniente

Quando Harry abriu os olhos no dia seguinte achou que era a pessoa mais azarada do mundo. Não por ter apanhado, mas por estar vivo. Respirando fundo ele se levantou devagar, gemendo ao sentir pontadas em suas costelas. Por sorte nenhuma estava quebrada. Não podia dizer o mesmo de seu nariz, doía somente de respirar. Harry tinha até mesmo medo de se olhar no espelho. Tio Valter estava muito bravo naquela madrugada, suas têmporas pulsavam fortemente e seu rosto estava vermelho. A raiva que inflava seu gordo corpo fora toda acumulada em seus punhos fortes e consequentemente descontada no corpo magro do menino.

- Droga!

Era difícil até mesmo caminhar, suas pernas estavam pesadas e doloridas por ter dormido no chão após seu tio lhe tirar o colchão dizendo que dava mordomia demais para ele. Devagar e com paciência tirou um pequeno espelho de sua gaveta, colocou os óculos e verificou seu reflexo.

Estava horrível.

Seu olho direito tinha uma marca roxa e estava quase fechado. Sua boca tinha um corte com sangue seco, assim como sua testa perto de sua orelha esquerda, seu nariz estava em estado deplorável. Devagar afastou a gola da camisa e viu as marcas de dedos em seu pescoço. Quase imediatamente viu tio Valter em cima de si apertando sua garganta fazendo-o sentir o ar faltar em seus pulmões e o coração bater desesperado na tentativa de bombear sangue para seu cérebro. Se lembrava de começar a ver tudo branco enquanto seu corpo começava a adormecer, iria morrer e não estava triste por isso. Mas a morte não estava nos planos de Tio Valter que o soltou e nem mesmo esperou que Harry recuperasse o fôlego.

Os punhos o acertaram.

Harry balançou a cabeça tentando afastar aquelas imagens. Guardou o espelho novamente e se aproximou da escrivaninha onde um relógio lhe mostrava que eram duas da tarde. Grande coisa. Poderia ser qualquer hora do dia que para ele não fazia diferença, ainda mais depois que sua janela fora tapada com tabuas impedindo que o sol entrasse. Mas apesar de tudo que lhe aconteceu, Harry não reclamou, não chorou ou gritou por estar preso ou ter apanhado. Não adiantava. Há muito tempo desistira de pedir clemência a Tio Valter, ou ajuda a Tia Petúnia e Duda. Eles não o ouviam, só o olhavam como um bicho que merecia o que estava acontecendo.

Um barulho baixo foi ouvido vindo da gaiola de Edwiges. A ave estava irritada por ficar trancada e com aquele pano em cima de sua gaiola. Mas Harry sabia que não podia soltá-la e nem queria que ela o visse daquela forma.

- Desculpe Edwiges, mas não posso te soltar. Sabe disso.

Não havia mais o que fazer naquele lugar, então só voltou a deitar no chão, mesmo com dificuldade e respirou contando as subidas e descidas de seu peito até que o sono o levou embora.

- Acorda!

Uma dor aguda atingiu suas costelas quase as partindo ao meio. Harry sentiu falta de ar e seu corpo tremeu sentindo espasmos involuntários pelas dores fortes. Abriu os olhos que mantinha apertado e viu a ponta do pé de Tio Valter próximo ao seu rosto. Assustado ele se afastou, encostando-se à parede. A preocupação por novos chutes o livrou, pelo menos por um segundo, das sensações ruins em seu corpo.

- Nós vamos sair, sua porta ficará aberta para poder ir ao banheiro, não quero o quarto sujo. Mas não se atreva a sair da casa.

- Como se eu conseguisse. – Disse Harry se arrependendo por não conseguir segurar sua língua.

- Não se atreva a me responder, moleque.

Um tapa estralou em seu rosto e Harry sentiu o sangue acumular em sua boca.

- Se eu encontrar a casa bagunçada, suja ou algo acontecer, eu juro que você irá se arrepender amargamente.

Harry não respondeu, era melhor ficar calado. Com raiva viu Tio Valter sair de seu quarto e descer as escadas para encontrar os outros do lado de fora. Foi até a porta e viu o corpo gordo gingar para a saída. Somente após ter certeza que eles não estavam em casa que Harry bateu a porta de seu quarto com força descontando sua ira e derrubando o calendário. Ao pegá-lo, viu que dentro de algumas horas seria seu aniversário e ele passaria como todos os outros. Sozinho, esquecido e machucado.

Traiçoeiros Sentimentos (Severitus)Onde histórias criam vida. Descubra agora