Já havia se passado quinze dias desde que meu pai veio me visitar e não consigo acreditar como o tempo passa rápido. Embora aqui seja uma cidade tranquila na maioria das vezes, o tempo corre rápido. Tenho ido regularmente à aldeia Corre Ventos para fazer meu estudo científico. Estou estudando as plantas e a medicina alternativa e juntando um estudo sobre alimentação saudável e longevidade. Fico impressionada como essas amazonas são saudáveis.
Nayara tem me ajudado muito me explicando as propriedades de cada erva medicinal. Sabrina ficava o tempo todo perto de mim, me auxiliando na medida do possível. A menina era muito dedicada.Tenho ensinado sutura e ela tem praticado bastante. Vou perguntar à Sabra se algumas vezes na semana ela liberaria Sabrina pra me auxiliar na clínica.
Estávamos todas na casa de Sabra, estudando e praticando quando Vitória chegou.
“-Boa tarde, família. O que estão fazendo?”
“-Drª Caetano tá me ensinando sutura, tia!”- Sabrina disse concentrada nos pontos que estava fazendo.
“-Vocês mataram um sapo pra praticar costura?”-Perguntou Vitória horrorizada, colocando a mão na testa.
“-Claro, Vitória. A menina tem que praticar. E além disso, já dei aula sobre os órgãos e funções de cada um deles.
“-Coitado do sapinho, gente.”-Vitória amava os animais de verdade.
“-Vitória, tu já ouviu falar em troca equivalente? É uma teoria básica que explica que para se ganhar alguma coisa, é necessário sacrificar alguma outra coisa de mesmo valor. Exemplo: a vida deste sapinho por conhecimento necessário para salvar uma outra vida. No caso, uma vida por outra.”-Terminei o raciocínio.
“-Troca equivalente, é?”- Falou intrigada.
“-É. E te garanto que o anfíbio nem sofreu. Batí bem no meio da cabeça com força.”-Falei e ela arregalou os olhos. Sabrina riu da cara que sua tia fez mas continuou praticando.
As tardes sempre passavam rápidas quando eu estava lá com elas. Já era hora de voltar pra casa.
“-Bom trabalho, Sabrina. Só tem que melhorar os pontos e tentar costurá-los um pouco mais próximos uns dos outros. Semana que vem vou te aplicar uma prova sobre o que te ensinei hoje. Vamos parar por hoje. Preciso ir.”
“-Não vai dormir aqui hoje?”-Vitória perguntou chateada.
“-Não posso, Vi. Ainda tenho que manipular uns medicamentos pra amanhã.”-Expliquei.
Dei um beijo nela, me despedi de Sabrina e Nayara e montei em Ventania saindo à galope. Já estava começando a escurecer e eu deveria ir com cuidado. Não deixei Vitória me acompanhar porque ela também tem seus afazeres. Não posso ficar atrapalhando.
Estava indo devagar, quando comecei a escutar galopes de alguns cavalos. Acelerei com Ventania mas fui abordada por um grupo de três amazonas. Não eram da aldeia Corre Ventos.
“-Drª. Caetano?”-Uma delas perguntou.
“-Sim. Sou eu.”-Fingi tranquilidade mas a verdade é que estava apavorada.
“-Por favor venha conosco. Precisamos de sua ajuda.”-Ela me pediu num tom de voz preocupado.
“-Tá bem. Mas primeiro, diga onde vamos.”
“-Vamos para a aldeia Lua Sangrenta”- A aldeia de Tâmara. O que será que aconteceu?
Partimos em alta velocidade até Lua Sangrenta.
Chegamos rapidamente em Lua Sangrenta. Não era longe de Corre Ventos. Quando adentrei a aldeia, não acreditei no que estava vendo. Corpos, já sem vida, espalhados pelo chão. Algumas amazonas próximas aos corpos, chorando por suas perdas. Não estava entendendo o que estava acontecendo. Amazonas mortas sem ferimentos. Os corpos estavam intactos. Pedi pra me levarem até Tâmara.
“-Boa noite, Tâmara. O que aconteceu aqui?”
“-Drª Caetano, que bom que chegou. Estou desesperada. Minhas amazonas começaram a sentir febre e estão morrendo aos poucos. Não sei oque está acontecendo.”-Disse Tâmara, chorando.
“-Calma. Eu preciso, examinar os corpos. Mas retire todas as amazonas de perto dos corpos. Mande-as para suas casas.”- Pedi à ela.
Enquanto eu examinava os corpos, notei um padrão em todos eles: manchas rosadas no torax e abdomen. “-Meu Deus! É febre tifoide! Uma epidemia outra vez!”-Seria uma noite longa.
Falei com Tâmara sobre a epidemia de tifo que acontecia na aldeia dela. Precisava saber como isso aconteceu.
“-Tâmara, desde quando elas estavam com sintomas? Preciso saber como elas contraíram a doença.”-Falei apressada.
“-Acho que algumas amazonas começaram a sentir febre há uns cinco dias atrás.”
“-Tâmara, precisamos colocar a aldeia em quarentena. Ninguém entra ou sai, está me ouvindo? Isso é muito grave.”-Falei pedindo a Deus que tudo estivesse bem em Corre Ventos. “-Preciso saber o que vocês fizeram cinco dias atrás pra ver se descubro como elas contraíram tifo.”
“-Cinco dias atrás eu me reuni com o Sargento Smith, do exército americano. Ele queria nos fazer uma oferta de paz. Nos deram cobertas e alimentos para toda aldeia.”-Falou pensativa.
“-Tâmara! As cobertas vieram contaminadas!”-Não acredito na crueldade que fazem com esse povo. “-Precisamos pegar todos esses cobertores e queimar. E desculpe pelo que vou falar, mas precisamos queimar os corpos que estão no meio da aldeia. O tifo não vai parar de se espalhar se não queimarmos.”-Falei com a voz embargada.
Pedi à Tâmara que ficasse em quarentena também. Ela não deveria ficar exposta ao vírus. Eu já fui exposta quando estava na faculdade. Meu organismo já possuia os anticorpos contra a febre, mas para as amazonas estava sendo letal.
Percorri toda aldeia arrecadando todos os cobertores e fiz uma fogueira no centro da aldeia para queimá-los. Queimei minha roupa junto. Tâmara me emprestou uma roupa de sua sobrinha. Pedi perdão aos espíritos e à deusa delas por queimar os corpos. Eu não tinha escolha. Eu ainda passaria a noite tratando as amazonas que estavam no início dos sintomas.
Tâmara mandou fechar os portões de aldeia impedindo a saída e entrada de pessoas. De novo, seriam tempos difíceis. A medicina alternativa não estava funcionando. Eu percisava de medicina tradicional, mas não podia sair da aldeia. Escrevi um bilhete para Vitória, coloquei em Ventania e mandei-a até Corre Ventos.
Vitória’s PoV:
Já era tarde e eu estava deitada quando ouvi o som de um galope adentrar Corre Ventos. Me levantei achando que estávamos sendo atacadas.
Era Ventania sem Ana montada nela. Meu coração disparou, minha visão embaçou. O que aconteceu?
“-Ventania, cadê a Ana?”- Como se ela fosse me responder.
Mexi nos alforjes da cela e encontrei um bilhete: “Vitória, preciso de ajuda. Epidemia de febre tifoide em Lua Sangrenta. Preciso dos medicamentos que estão na clínica. Coloque tudo em Ventania e a mande de volta. Não venha pra cá. Estamos em quarentena. Se algo me acontecer, quero que saiba que sempre te amei e diga a meus pais que os amo também. Com amor, Ana.
Como ler esse bilhete e não ir pra lá? Acho que Ana não me conhece direito. Montei em Ventania e fomos para a clínica buscar os remédios.
Chegamos em Lua Sangenta e os portões estavam fechados. Gritei por Ana.
“-Ana! Ana! Trouxe os remédios.”-Gritei para que ela ouvisse.
“-Vitória, deixa Ventania aí e vai embora.”
“-Ana, tu tá bem? Eu quero te ver.”- Falei na esperança que ela abrisse.
“-Já falei, Vitória. Tu não vai entrar. Vai embora. Tem uma epidemia de tifo aqui dentro.
“-Tá. Tô indo embora. Eu te amo.”- A última parte era verdade. Mas me escondi na mata e não fui embora. Ana abriu o portão para Ventania entrar e logo fechou. Esperei uns minutos e escalei o portão. Quando desci, tive a visão mais terrível já vista por mim: Corpos sendo queimados. Irmãs amazonas virando cinzas. Elas deveriam ter morrido com honras de guerra, defendendo suas famílias. Ao invés disso, morreram de febre.
“-Vitória!”-Ops! Fui descoberta!
“-Ana, não briga comigo. Eu tava preocupada.”- Falei levantando as mãos em sinal de paz.
“-Vitória, esse vírus é letal pra vocês. Não era pra tu tá aqui.”-Ela me disse com o rosto cansado. “-Vai pra aquela cabana ali. Tâmara me emprestou pra ficar. Vai pra lá e não sai.”- Ana falou e eu fui.
Ana passou a noite tratando das amazonas. Algumas estavam reagindo ao tratamento, outras não aguentaram. A cada amazona que ela perdia para doença, se ajoelhava ao lado do corpo e orava antes de queimá-lo. Naquela noite eu vi pela janela, ela queimar dez corpos.
O dia amanheceu e Ana estava ajoelhada no chão, com os braços jogados ao lado do corpo, com a cabeça jogada para trás, olhando para o céu como se esperasse alguma resposta. Me partia o coração vê-la daquele jeito.
Preparei um café amargo e achei ingredientes para fazer o pão que ela gosta. Não posso fazer muito, mas posso alimentar seu corpo, já que seu espírito não está muito bem. Sovei a massa do pão e coloquei para assar. Logo o cheiro de pão quente invadiu a casa. Percebi uma bela moça me observando pela janela.
“-Oi, moça bonita.”-Falei através do vidro. “-A senhorita gostaria de um pedaço de pão e um café amargo?”- Perguntei erguendo um sobrancelha.
Ela afirmou com a cabeça e esboçou um sorriso. Deixei um prato na janela para ela comer. Ela pegou, sentou embaixo da minha janela, escorada na parede da casa.
“-Não sei mais o que fazer, Vitória. Muitas não estão reagiando ao tratamento. Quando isso vai parar de acontecer? Quando essa maldade toda vai acabar? Tu sabe como elas foram infectadas? Por cobertores contaminados com tifo. Isso não se faz, Vitória.”- Ana falava com a voz embargada e lágrimas que não paravam de cair.
“-Eu queria tanto ir aí te abraçar, Ana. Tu tá fazendo tudo ao teu alcance. Não é culpa tua.”-Falei tentando amenizar sua culpa.
“-Foi meu povo, Vitória, minha raça que fez isso. Me sinto um lixo.”-Falou comendo o pãozinho.
“-Óia, Ana, vou te falar o mesmo que tu me disse quando eu me senti culpada pro Flávia ter levado um tiro: Tu quer sentir culpa, tu pode sentir, mas não foi tu que contaminou as cobertas. Tu só ajuda o nosso povo.”-Falei e ela suspirou.
“-Tu é minha força, sabia? Eu tenho muita sorte mesmo.”- Falou terminando seu café.
Ana voltou para junto das amazonas doentes e uma semana se passou até que ela conseguiu controlar a epidemia.
Cinquenta e oito amazonas perderam a vida para febre tifoide. Eu sabia que Tâmara não iria deixar assim. Ela iria atrás dos soldados e do sargento. Mas eu não podia dizer isso a Ana. Uma amazona faz o que tem que fazer.
Abri as portas de Corre Ventos para Tâmara. Disse à ela que nós ajudaríamos no que fosse preciso para ela reestabelecer suas tropas e mandaríamos grãos para ela alimentar seu povo até conseguir recutar novas amazonas para cuidarem dos campos.
Ana se apoiava em mim, pelo cansaço, enquanto eu conversava com Tâmara.
“-Doutora, muito obrigada por tudo. Não temos como lhe agradecer pelo tanto que a senhora nos ajudou.”-Tâmara agradeceu humildemente.
“-Tâmara, eu que te peço perdão pelo que minha raça tem feito ao teu povo. Me descuple, por favor.”
“-Doutora, a senhora é uma pessoa muito honrada. Não se desculpe.”-Tâmara pegou nas mãos de Ana e tentou amenizar a situação.
“-Bom, vamos indo então. Corre Ventos ficará feliz em ajudá-las, Tâmara.”- Apertei sua mão, peguei minha pequena grande guerreira e voltamos para casa.
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Dra. Caetano
Fiksi PenggemarNo ano de 1867, Ana Clara Caetano retorna à cidade onde nasceu, Northfolk, para trabalhar como médica numa vila rural onde cresceu. Uma das poucas médicas num mundo de médicos, ela mostra-se uma mulher à frente de seu tempo, não só por suas atitudes...