Negligência

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Nota da Autora: Tenham um excelente final de semama ;)

Algumas semanas se passaram desde que Arthur havia partido. Já fazia um tempo que os dias não eram mais os mesmos. Meus passarinhos estavam crescendo e abandonando o ninho.
Estávamos, nós três, tomando nosso café da manhã e Vitória perguntou:
“-Vai trabalhar hoje, Ninha?”
“-Á principio, não. Preciso ir até o armazém levar umas roupas para Emily ajustar e depois vou até Corre Ventos pegar umas ervas com Sabra.”-Falei acabando meu café.
“-Tá. Vou levar Maria para cavalgar nas montanhas. Quero mostrar pra ela a campina.”-Ela disse e Maria ficou animada.
“-Gabrielle vai com vocês?”
“-Vai. Ela quer que eu ensine pra ela algumas técnicas de luta. Minha chance de amassar ela um pouco por ficar se agarrando com nosso menino escondida por aí.”-Gargalhei com o comentário dela.
“-Vi, não vai machucar a menina.”
“-Não vou. Mas ela vai lembrar de mim por uns dias.”-Ela sorriu de lado.
Terminamos nosso desjejum, peguei as roupas que iria levar para Emily, Vitória pegou suas machadinhas e Maria e saímos ao mesmo tempo.
Cheguei no armazém e Jeff já estava varrendo a frente:
“-Bom dia, Dra. Caetano.”
“-Bom dia, Jeff. Emily já chegou?”
“-Sim, está lá dentro.”-Entrei e vi a moça sentada em frente à sua máquina de costura, bastante triste.
“-Bom dia, Emily. Como vai? Eu gostaria que tu fizesse uns ajustes nessas roupas aqui. Emagreci um pouco e as roupas estão meio folgadas. Se tu puder ajustar, te agradeço.”
“-Claro, Dra. Caetano.”-Falou já mais animada. Ela levantou-se e pegou as roupas já colocando em sua mesa.
“-Dra. Caetano!”-Manoela entrou apressada no armazém. “-Aquele casal de Southfolk que se mudou recentemente, o advogado e sua mulher, estão em frente a clínica. O bebê deles está doente.
Deixei as roupas com Emily e corri com Manoela até a clínica.
“-Eu chequei lá dentro e Sabrina ainda não chegou.”-Manoela disse enquanto chegávamos no consultório.
“-Ela tinha um paciente para visitar hoje de manhã. Foi atender a Sra. Borman que tem dificuldades de locomoção.”-Expliquei e chegamos até o casal.
“-Pensei que você fosse chamar o doutor.”-O homem falou rude com Manoela.
“-Eu sou a doutora. Dra. Caetano.”-Me apresentei.
“-Meu bebê está com diarréia e piorou.”-A mãe do bebê falava apressada com a criança que não parava de chorar em seu colo.
“-Qual o nome dele?”
“-Michel.”-Coloquei a mão na testa de Michel para medir a temperatura.
“-Ele não parece ter febre. Vamos entrar, senhora...?”
“-Norris.”-O homem respondeu ríspido.
“-Obrigada, Manu. Eu assumo daqui.”
“-Você disse que havia um médico de verdade aqui.”-O homem falou para Manoela.
“-Por favor, entrem.”-Falei sem dar muito assunto.
A sra. Norris colocou o bebê na maca e enquanto eu examinava-o, ela falava baixinho com seu marido:
“-Por isso eu não queria me mudar. Aqui não tem nenhum hospital e nenhum médico conhecido.”
“-Há quanto tempo Michel está com diarréia?”-Perguntei.
“-Alguns dias.”- O sr. Norris respondeu.
“-Amamentou ele?”-Perguntei a mãe.
“-Não. Eu estou desmamando ele há um més, dando leite de nossa vaca.”
“-O que ele tem?”-O pai perguntou.
“-Provavelmente é gastrenterite. É comum em bebês, principalmente quando estão sendo desmamados. Mas acho que não há com que se preocuparem.”-Eles suspiraram aliviados. Continuei: “-Apenas evitem o leite de vaca por um dia ou dois. Lhe daremos chá e água.” -Andei até minha estante de medicamentos e peguei um pote com ervas. “-Há algumas ervas Chayenne que são muito eficazes.”
“-Chayenne? Fala de índios?”-O homem perguntou.
“-Claro. Toda minha família usa. Minha filha mais nova é tratada com essas ervas desde quando era bebê. São mais suaves para o estômago que qualquer outro medicamento.”-Expliquei. O homem me olhou com reprovação e falou:
“-Você é a doutora.”-Ele e sua esposa sentaram-se enquanto eu medicava o bebê que se acalmou e dormiu.
Peguei o bebê e o coloquei em um dos quartos para deixá-lo em observação.
“-Bom, acho que o pior já passou. Ele está dormindo no quarto lá de cima. Eu gostaria de deixá-lo em observação aqui durante a noite, para eu ter certeza. Podem ficar com ele  no quarto, se quiserem.”-A esposa olhou para seu marido que assentiu com a cabeça e subiram para o quarto.
Na metade ma manhã, Sabrina chegou na clínica. Expliquei à ela que hoje eu atenderia o dia todo e que pedi à ela que avisasse Vitória, em Corre Ventos, que eu não iria dormir em casa, pois ficaria acompanhando a recuperação de Michel.
O dia passou sem maiores complicações. Foi quando a noite chegou que tudo aconteceu.
Eu acordei em um sobresalto, assustada,  ouvindo o choro desesperado de um bebê. Demorei uma fração de segundo pra lembrar que eu estava na clínica. Levantei e saí correndo em direção ao quarto de Michel.
“-Ele piorou, doutora.”-A sra. Norris já estava com o bebê em seu colo, tentando acalmá-lo.
“-Ele está febril.”-Falei assim que peguei Michel e o senti quente.
“-Você disse que ele ficaria bem. O que há com ele?”-O sr. Norris perguntou nervoso.
“-Você o alimentou?”-Perguntei para a mãe.
“-Ele estava com fome.”-Ela respondeu aflita.
“-Ele não queria mais tomar aquele chá de índio.”-o pai falou.
“-Preciso baixar a febre dele.”-Desci correndo com o bebê pelas escadas para chegar próximo às jarras com água. Coloquei-o na maca e tirei sua roupinha. Ele não parava de chorar. Molhei um pano e coloquei em seu corpo.
“-Ele parou de chorar...Ele está melhor?”-a sra. Norris perguntou.
Peguei meu estetoscópio para ascultar seu coração...o bebê viera à óbito.
“-Eu sinto muito. Ele não reisitiu...”-Falei com pesar.
“-Não...meu bebê...”-A mãe correu até a maca e pegou a criança, já sem vida, e o abraçou contra seu peito, sendo amparada por seu marido.
O dia já estava amanhecendo. Sr. Norris pegou sua esposa, que chorava sem parar, afagando seu bebê e foram embora, sem falar uma palavra.
Fui para casa e fiquei sentada na varanda, vendo o dia amanhecer. Vitória ouviu meus barulhos e foi até mim:
“-Ninha, o que houve? Por que tu não entrou?”-Ela sentou-se ao meu lado, me abraçando. Descansei minha cabeça em seu ombro e respondi:
“-O bebê dos Norris faleceu hoje de manhã.”
“-Ai, Ana...eu sinto muito...tu tá bem?”-Ela sabia que óbitos me deixavam mal, principalmente crianças.
“-Só tô cansada.”-Tentei disfarçar.
“-Tu não quer deitar pra dormir um pouco?”-Ela perguntou sempre cuidadosa comigo.
“-Daqui à pouco eu vou.”-Suspirei frustrada e triste. Continuei: ”-Talvez tenha sido cólera infantil.”
“-Cólera?”-Vitória perguntou assustada.
“-Não, não tem a ver com a cólera asiática. É uma severa diarréia inflamatória, que ocorre mais em bebês. Aparece de repente e muitas vezes é fatal.”-Levantei meu rosto e me virei para Vitória que me olhava: “-Não foi a primeira vez que perdi um paciente. E nem a primeira vez que perdi um bebê mas eu me sinto tão...”-Vitória me interrompeu.
“-Ana, tu fez tudo que pôde. Tu sempre faz.”-Minha esposa deixou um beijinho em meu nariz me fazendo sorrir. Não sei o que seria de mim sem Vitória pra me cuidar.
Ela me levou pra dentro e me colocou na cama, fechou as cortinas, escurecendo o quarto, e ia saindo pela porta quando eu  lhe pedi:
“-Vi, me acorda daqui três horas.”-Falei já de olhos fechados.
Acordei com o cheiro maravilhoso de comida. Vitória não me acordou:
“-Por que tu não me chamou?”-Cheguei na cozinha e Maria já estava almoçando.
“-Eu queria que tu descansasse, Ninha.”-Ela colocou o prato na mesa para que eu me sevisse.
“- Preciso ir pra clínica estudar. Quero mandar uns telegramas à alguns médicos também.”
Almocei rapidamente e fui para clínica. Cheguei e Sabrina já estava trabalhando. Contei à ela o caso do bebê dos Norris:
“-Me apreceu ser uma simples inflamação gastrointestinal. Mas então, o bebê teve febre, o pulso ficou rápido e fraco e a respiração ofegante.”-Comentei com Sabrina, folhando meu livro.
“-Cólera infantil?”-Sabrina perguntou.
“-Eu acredito que sim. O mais estranho é que ele parecia estar se recuperando. Depois que eu lhe dei o chá, ele dormiu tranquilamente.”-Pensei um pouco e continuei: “-Cólera infantil geralmente é causada por alimentos inadequados.”
“-Ou más condições de vida.”-Sabrina completou.
“-Os pais me parecem bem de vida. Eu aposto na alimentação. A mãe disse que estava desmamando o bebê. Agora lembrando, ela havia lhe dado leite antes do último ataque nele.”
“-Talvez o leite estivesse estragado.”-Sabrina disse.
“-Vou descobrir. Vou à casa dos Norris”-Me levantei, fui até a cadeira pegar meu casaco.
“-Eu posso ir se tu quiser, Dra. Caetano.”
“-Não. Eu tenho que ir. Preciso ver como eles estão depois do acontecido.”-Falei deixando a clínica e montei em Ventania.
Chegando na propriedade, vi a sra. Norris estendendo roupas no varal:
“-Sra. Norris...eu nem posso dizer o quanto eu lamento sua perda. Eu sinto...que preciso descobrir o que aconteceu com Michel.”-Eu falava e ela nem me olhava.
“-Já sabemos o que aconteceu.”-Ela falou e continuou estendendo as roupas.
“-Precisamos descobrir a causa. O leite que estavam dando foi tirado de uma única vaca?”-Questionei.
“-Acho melhor você ir embora.”-Ela disse sem olhar para mim.
“-Eu já vou, eu só...queria uma amostra de leite para ver se havia impurezas. E se puder me deixar ver onde Michel dormia...”-O sr. Norris saiu de sua casa e veio até mim esbravejando:
“-Está dizendo que não cuidávamos de nosso filho?”
“-Claro que não. Só quero descobrir a causa da doença dele.”
“-A única coisa que demos à ele foram suas malditas ervas de índio.”-Sr. Norris disse exaltado.
“-Não lhe fariam mal algum.”-Respondi.
“-Foi só o que ele tomou antes de piorar.”
“-Na verdade, sr. Norris, sua esposa também lhe deu leite e por isso eu preciso...”
“-O que você precisa é sair daqui agora. Meu filho está morto por incompetência sua.”-Falou e entrou em sua casa, batendo a porta.

Narrador PoV:
Vitória e Maria haviam combinado de encontrarem Agnes e Emily no Restaurante da Greice para tomarem um café e conversarem:
“-Já terminei dois mas eu ainda tenho três vestidos da Dra. Caetano pra ajustar.”-Disse Emily.
“-Ninha emagreceu bastante depois que Arthur foi estudar fora. Ela come por que eu obrigo.”-Vitória disse e sorveu seu chá.
“-Tu tá gostando de trabalhar no armazém, Emily?”-Maria perguntou, comendo alguns biscoitos.
“-Estou indo bem. Só queria que os negócios melhorassem um pouco.”
“-Como assim? Tu tem três vestidos ainda pra arrumar.”-Agnes comentou.
“-Todos da mesma cliente. E são da Dra. Caetano. Estou muito feliz por não trabalhar mais pro Tiago, mas...”-Ela suspirou: “-É melhor eu voltar ao trabalho.”-Emily levantou-se e deixou um beijinho no rosto de Agnes, voltando para o armazém.
Vitória pegou na mão de sua filha mais velha e disse:
“-Dê um tempo pra ela. Logo ela vai conseguir mais clientes.”-Vitória levantou-se, beijou suas filhas e saiu para falar com Lucas, deixando Maria com Agnes, que hoje estava de folga.
Ela estava caminhando até o estábulo, quando avistou ao longe, uma figura muito conhecida e correu até lá:
“-Nayara! O que tu faz aqui? Não era pra tu estar nas montanhas escondida?”-Vitória falou abraçando sua amiga.
“-Cansei de me esconder. Resolvi me entregar mas a Deusa me reservou uma grata surpresa. Encontrei-me com o General Paulo Novaes e contei todo o acontecido em Washita. Ele me disse que era teu amigo e de Dra. Caetano e que iria me proteger, contanto que eu viva lá na reserva. Não é bem ‘liberdade’ por que não me deixam praticar minha medicina e nem falar na minha língua mas pelo menos não preciso mais viver escondida.”-Ela falou aliviada.
“-Eles são assim. Não vão parar enquanto não mudarem tua vida.”
“-Mas não podem mudar quem eu sou. Serei a mesma mulher que sempre fui.”-Vitória abraçou Nayara e foram até o estábulo visitar Lucas e Nahoa.

Ana Clara’s PoV:
Eu estava de volta à minha clínica e terminava de atender Greice que havia machucado seu dedo:
“-O corte vai sarar em alguns dias.”-Falei e abri a porta para que ela saísse.
“-Obrigada, Dra. Caetano.
“-E da próxima vez, tente terminar de lavar as facas antes de espirrar.”-Ela gargalhou.
“-Pode deixar.”-Falou agradecida, voltando para o seu restaurante.
“-Dra. Caetano.”-Ouvi a voz do sr. Norris. Ele chegara com um envelope em suas mãos.
“-Sr. Norris?”-Ele me entregou o os papéis. “-O que é isso?”
“-Uma ordem de interdição. Foi emitida pelo juíz Frederick Webster, de Southfolk.
“-Ordem de interdição?”-Falei assustada.
“-É um documento legal proibindo que pratique medicina até que ele ouça esse caso.”-Eu estava tão nervosa que nem percebi quando Vitória e Manoela chegaram perto de mim.
“-Que caso?”-Vitória perguntou falando um tom mais alto.
“-Abri um processo por Negligência no tratamento do meu filho e quero uma indenização.”-O sr. Norris disse e eu não conseguia nem me mexer.
“-Negligência?”-Sabrina saiu do consultório, perguntando.
“-Essa mulher matou meu filho com as ervas das índias.”-Ele disse rude.
“-Ele tentava salvá-lo!”-Vitória falou alto.
“-Claro que tentou!”-Manoela também intercedia por mim.
“-Sr. Norris, eu entendo como se sente...”-Ele me interrompeu.
“-Entenda isso. É um documento legal. Se praticar medicina, será presa.”-Ele reiterou.
“-Mas eu tenho pacientes.”-Argumentei.
“-A cidade precisa dela.”-Manoela me defendeu.
“-Nós também precisamos dela. Disse que nosso filho ficaria bem e nós a escutamos. Fizemos o que ela disse e em poucas horas nosso bebê estava morto.”-Ela falou deixando as lágrimas caírem.
“-Sr. Norris, por favor, acredite. Fiz tudo o que pude...”
“-Você fez tudo errado. E vou garantir que não faça mais isso com ninguém.”-Ele enxugou as lágrimas e virou as costas, indo embora.
Eu estava atônita com o que estava acontecendo. Nunca na vida imaginei passar por esse tipo de situação. Ser processada por negligência?
Eu estava perdida olhando para a ordem de interdição quando Vitória me puxou pelo braço, me levando até o restaurante da Greice. Muitas pessoas que estavam ali me dando suporte, foram junto:
“-Ele pode mesmo impedí-la de exercer medicina, Dra. Caetano?”-Greice perguntou, me sevindo um chá de camomila.
“-Ele é advogado. Pode mexer os pauzinhos.”-Jeff disse preocupado.
“-Ana Clara deu o seu melhor. Ela fez o possível e não tem culpa de nada!-Manoela falou indignada.
“-Não acredito que ele está fazendo isso.”-Agnes falou com as mãos em meus ombros.
“-Ele está perdido...perdeu seu filho.”-Falei.
“-Mas ele não tem o direito de te interditar, NaClara.”-Vitória respondeu.
“-O que tu pretende fazer, Dra. Caetano?”-Sabrina perguntou.
“-Vai ficar tudo bem. Tu vai cuidar da clínica por enquanto, Sabrina. Ninguém vai ficar sem atendimento.
“-Até ela ser processada também.”-Tiago falou, fumando seu cigarro.
“-Não vai parar de ser médica, vai?”-Lucas perguntou preocupado.
“-Não posso violar a lei, Lucas.”
“-São só por alguns dias. Depois que a audiência terminar o juíz vai ver que Ana Clara não teve culpa de nada. Ele vai ver que é só um homem desesperado por que perdeu seu filho.”-Vitória tentou acalmar as pessoas.
Vitória pagou meu chá, nos despedimos e agradecemos a preocupação de todos e fomos para casa.
Mais tarde, na hora do jantar, Maria falava enquanto colocava a mesa:
“-É estranho arrumar a mesa só pra três pessoas.”-Ela recolheu o prato a mais que colocara.
“-Eu sei. Arthur partiu há algumas semanas e parece que fazem anos que não o vejo. Mas é até melhor que ele não esteja aqui. Ele ficaria assustado com esse caso de negligência. “-Falei servindo o suco para Maria e Vitória.
“-O que significa quando te processam por negligência, mainha?”-A pequena me perguntou com os olhinhos atentos.
“-Bom...o sr. e a sr. Norris sentem que eu não fiz bem o meu trabalho. E que o chá das Chayenne que dei à ele não foi o tratamento correto.”-Expliquei.
“-Mas tu nunca faria algo pra ferir alguém, mãe.”-Vitória passou por trás de Maria, beijando-lhe a cabeça.
“-O juíz virá e decidirá, filha. Vai dar certo. Não te preocupa, pequena.”-Vitória falou e sento-se à mesa.
“-E até lá tu não pode ser médica? Isso não é justo!”-Ela falou batendo o pequeno punho na mesa.
“-É uma medida de precaução, filha. Quando os médicos cometem erros o mais seguro é evitar que atuem até que tudo esteja resolvido.”
“-Os médicos não são como nós. Eles não podem cometer erros.”-Vitória disse e Maria arregalou os olhos.
“-E se o juíz te declarar culpada, mãe?”
“-Não vai.”-Vitória falou colocando saladas no prato de Maria.
“-Mas se sim...ele pegará minha licença e não poderei mais atuar.”
No outro dia, acordei cedo e como não podia ir para a clínica, resolvi dar uma volta na cidade e aproveitar para ver se Emily já havia aprontado meus vestidos:
“-Esse aqui que tu ajustou, ficou ótimo. Obrigada!”-Elogiei após ter experimentado a peça de roupa.
“-Que bom que gostou, Dra. Caetano. Sexta eu consigo lhe entregar as peças restantes.”
“-Sexta está ótimo. Sei que está sendo difícil pra ti.”
“-Por toda minha vida eu quis produzir vestidos. E magoa quando as pessoas não deixam você fazer o que ama.”-Nesse momento, fitei com o olhar perdido para minha clínica, do outro lado da rua.
“-Sei exatamente como tu te sente, Emily. Mas tenho certeza que tudo vai dar certo. Pra nós duas.”-Peguei em sua mão, lhe passando confiança.
Alguns dias se passaram e o juiz que cuidaria do julgamento sobre o caso de Negligência, chegara na cidade. Estávamos todos reunidos na frente da igreja, onde aconteceria meu julgamento:
“-Dra. Caetano. Sou o juíz Frederick Webster.”-O homem grisalho e bem alinhado, estendeu sua mão me cumprimentando. “-E acho que a senhora já conhece o Dr. Cassidy.”-
“-Sim, eu conheço. Como vai, professor?”-Falei em um fôlego só, soltando a respiração que prendi ao vê-lo.
“-É bom vê-la de novo, Dra. Caetano. Só lamento que sejam nessas condições.”-Ele também me estendeu a mão.
“-Ele dará o testemunho médico.”- o juíz me explicou e continuou:”-Dra. Caetano, somente a Associação Médica poderá revogar sua licença. O propósito dessa audiência é avaliar se você deve continuar atuando.”
“-Eu entendi, excelência.”
“-E quem são todas essas pessoas?”-Perguntou referindo-se à multidão que se aglomerou à minha volta.
“-Somos os pacientes dela!”-Jeff falou indignado.
“-Viemos para falar em favor dela.”-Manoela completou.
“-Está bem.”-Ele disse soltando um suspiro. “-Então, vamos entrar.”- O juíz e o aglomerado de gente entraram e Vitória me puxou de lado:
“-Ninha, vai entrando com Agnes. Maria e eu já vamos.”
“-Onde vocês vão?”
“-Eles tem uma testemunha especialista. Nós vamos buscar a nossa.”-Ela disse toda misteriosa e saiu à galope, levando Maria consigo.
Lá dentro, o julgamento se iniciava. Sr. Norris, represendo a acusação, indagava a primeira testemunha, Dr. Cassidy:
“-Dr. Cassidy, o senhor já usou poções índias para tratar diarréia?”-O advogado perguntou.
“-Certamente que não. Existem muitos medicamentos modernos disponíveis.”-Meu ex-professor respondeu. O advogado continuou:
“-Já usou poções índias para tratar algum tipo de doença?”
“-Não.”
“-E como trataria esse paciente?”-O Juiz Frederick perguntou.
“-Bem, sem ter examinado a criança é difícil dizer mas há vários remédios para inflamação gastrointestinal. Arsênico, esporão, mercúrio...”
“-Não é possível que, nesse ambiente rural, um médico possa não estar familiarizado com esses medicamentos?”-O juíz perguntou novamente.
“-É responsabilidade do médico estar atualizado através de jornais médicos e periódicos.”-Dr. Cassidy concluiu.
“-Está ciente sobre esses medicamentos, Dra. Caetano?”-O Juíz virou-se, me perguntando diretamente.
“-Sim, mas nesse caso...”-Fui interrompida por ele.
“-E os tinha disponíveis em sua clínica?”-Ele qui saber.
“-Sim, mas usei um tratamento que foi bem sucedido várias vezes.”-Respondi segura.
“-E então por que não foi bem sucedido dessa vez?”-
“-Ele foi bem sucedido. O bebê estava melhorando. Isso até lhe darem leite. Que agora acredito que estava impuro.”-Falei olhando para os pais da criança que estavam sentados próximos ao juíz.
“-Só agora? Agora que nosso filho está morto!”-Sr. Norris falou raivoso e foi interrompido pelo juíz mas ele continuou: “-É assim que cobre seus erros passando sua culpa para nós?”
“-Sr. Norris!”-O juíz Frederick chamou a atenção falando alto e batendo o martelo na mesa.
“-Ele envenenou nosso filho. Uma bebida índia o matou!”-Sr. Norris continuava, transtornado.
“-Ele não foi envenenado!”-Todos olhamos para trás quando ouvimos a voz de Vitória. Ela havia voltado e trazia Nayara consigo.
“-O que é isso?”-Juíz Frederick perguntou.
“-Essa é uma curandeira respeitada e conhece essa bebida. Devem permitir que ela fale.”-Vitória disse, olhando seriamente para o juíz.
“-Isso é uma tolice.”-Dr. Cassidy resmungou.
“-Não é tolice, não!”-Manoela disse levantando-se de sua cadeira. “-Nayara já ajudou muitas pessoas com seus remédios.”-Manoela falou tímida quando viu que todos olhávamos para ela.
“-Juíz, eu protesto fortemente.”-O sr. Norris disse de sua cadeira.
“-Negado. Eu permito que ela fale.”-Nayara então, aproximou-se do juíz, sentando-se na cadeira onde estava o Dr. Cassidy anteriormente. Sr. Norris, levantou-se e começou a indagá-la:
“-E como sabe que esse chá é seguro?”
“-O gerânio selvagem vem sendo usado pelo meu povo por anos. Nunca fez mal a ninguém.”-Nayara respondeu.
“-Bem, dessa vez parece que fez mal.”-O juíz falou à índia.
“-Ás vezes a Deusa leva sua criança de volta. Não há nada que possamos fazer sobre isso.”
“-Não temos essa atitude em relação à medicina, como você. Sempre continuamos tentando, não aceitamos a derrota.”-Dr. Cassidy falou.
“-Então seus pacientes nunca morrem?”-Nayara perguntou num tom zombeteiro.
“-Não estou em julgamento...e não levarei sermão sobre conduta profissional de uma...de uma...índia.”-Dr. Cassidy falou visivelmente irritado, deixando Nayara sorridente.
“-Excelência, me permite fazer uma pergunta ao Dr. Cassidy?”-Perguntei me levantando da cadeira. O juíz assentiu com a cabeça e prossegui: “-Dr. Cassidy, se o leite que deram ao bebê estivesse impuro, ele poderia causar cólera infantil?”
“-Se acha isso do leite, por que não o testou quando lhe trouxeram o bebê?”-Dr. Cassidy perguntou.
“-Eu não tinha ideia da gravidade da situação.”-Respondi sincera.
“-Eu te digo o porquê: Negligência!”-O sr. Norris disse em um tom austero.
“-Excelência, é compreensível que o sr, Norris queira me atacar. Sua perda é trágica e incompreensível. Mas não podemos ter certeza que Michel viveria se seguíssemos o que Dr. Cassidy disse.
“-Dra. Caetano, a senhora óbviamente tem boas intenções. Mas as evidências exigem que eu suspenda sua licença, deixando pendente até a decisão da Associação Médica. Até lá, está proibida de praticar medicina sob pena da lei. Além disso, eu entendo que a especialização e aplicação requeridas em médicos em tal caso, não foram exercidos de maneira apropriada causando uma perda irreparável. Em adição, eu atendo a parte que prestou a queixa e ordeno que você, Dra. Caetano, pague ao sr e a sra. Norris uma indenização na soma de dois mil dólares.”-O juíz bateu o martelo, encerrsando o julgamento. Eu estava atônita e somente ouvia o burburinho das pessoas revoltadas com o veredito, ao fundo. Senti quando Vitória me abraçou e me tirou dali.
Á noite, em casa, um pouco mais calma, peguei um lápis e papel e comecei a rascunhar alguns cálculos. Vitória veio falar comigo:
“-Maria já tá dormindo. O que tu tá fazendo, Ninha?”-Ela perguntou com olhos curiosos.
“-Tô calculando por quanto eu poderia vender meus equipamentos médicos. Não chega nem perto da soma da indenização...”
“-Vai te entregar assim, Ana Clara? Não vai lutar contra isso?”-Vitória me perguntou franzindo o cenho.
“-O que eu posso fazer? O juíz me mandou pagar. Talvez tenhamos que tirar Arthur da faculdade. Ele ganhou a bolsa de estudo, mas temos que pagar a estadia dele e a alimentação...”
“-De jeito nenhum, Ninha. Tu pode ir até a Suprema Corte e recorrer. Eles terão que te ouvir, ainda mais depois de passar pela Associação Médica.”-Vitória falou ajoelhada ao meu lado.
“-Isso ‘se’ eu passar pela Associação.”
“-Como assim? Tu mesma disse que o leite podia estar impuro.”
“-Infelizmente nós nunca saberemos...”-Respirei fundo e continuei: “-Vi, eu preciso estar preparada pra qualquer possibilidade. Incluindo a de nunca mais poder praticar medicina.”
“-Tá bem...mas se isso acontecer, o que vai fazer?”
“-Eu não sei...Ser médica não é só o que eu faço. É quem eu sou.”-Comecei a sentir meus olhos lacrimejarem.
“-Eles não vão tirar isso de ti, Ana.”-Vitória me abraçou apertado, tentando me passar algum conforto.
No outro dia, pela manhã, fui até minha clínica. Eu estava suspensa de praticar medicina, mas nada me impedia de ir para lá e estudar um pouco. Estava imersa nos livros, quando Vitória entrou, com as bochechas coradas e ofegante:
“-Vitória, tu veio correndo lá de casa, foi?”-Perguntei, me levantando para abraçá-la.
“-Não, Ninha, fui lá na casa do Norris e peguei uma amostra de leite da vaca deles. Coloquei nesse tubinho esterilizado daqueles teus ali, daquele canto.”-Ela apontou para onde eu guardava os tubos de ensaio.
“-Meu Deus, Vitória! Tu não existe!”-Falei pegando o tubinho de sua mão e deixando um beijo em seus lábios. Olhei o leite através do tubo e o cheirei. Me parecia normal.
Fui até meu microscópio e coloquei uma amostra do leite em uma das lâminas. Ajustei o foco e concluí:
“-Os glóbulos são uniformes e se movem livremente.”
“-O que isso quer dizer, NaClara?”
“-Que o leite é puro, Vi.”-Perdi minhas forças e sentei em uma cadeira ali perto. “-Talvez...talvez o chá tenha feito mal eu...”
“-Não diga isso! Tu não fez nada errado, ninha!”-Vitória veio me abraçar.
Ficamos mais um tempo e resolvi que não havia mais nada que eu pudesse fazer. Falei para Vitória que iríamos para casa.
Estávamos saindo do consultório e percebi o sr. Norris encostado, bebendo no Sallon.
Vitória estava trancando a porta e uma moça veio correndo com seu bebê em seu colo:
“- Por favor, Dra. Caetano, precisa me ajudar! Minha bebê está com muita diarréia.”-A jovem falava apressada e o bebê chorava muito.
“-Ela parece ter febre.”-Coloquei minha mão na testa da criança.
“-É o mesmo que o bebê do Norris tinha?”-Vitória perguntou.
“-Desculpe, minha licença foi cassada...mas a Dra. Sabrina está lá dentro.”
“-Não. Sabrina saiu quando tu tava arrumando um dos quartos, Ninha. Ela foi atender um paciente em casa.”-Vitória falou.
“-Por favor, Dra. Caetano, precisa ajudá-la.”-A mãe me suplicou. Olhei em direção ao Saloon e percebi que Norris me observava.
“-Vamos levá-la para clínica.”-Vitória abriu rapidamente a porta e estávamos entrando quando Norris veio correndo em nossa direção:
“-Largue esse bebê! Não vou deixar que a mate como fez com o meu!”-Ele foi interceptado por Vitória que o imobilizou, torcendo seu braço atrás das costas, impedindo que ele entrasse.
Lá dentro, eu examinava o bebê, já mais calmo e sem dor. Havia parado de chorar. Comecei a questionar a mãe:
“-Há quanto tempo ela está com diarréia?”-Perguntei passando a mão na barriguinha gordinha.
“-Alguns dias. Vai e volta. Hoje piorou.”-A mãe explicou.
“-Está amamentando ela?”
“-Estou desmamando. Ela começou a tomar mamaderia.”
“-Patrícia, a condição do seu bebê é bem parecida com a do bebê que morreu. Eu gostaria de mantê-la aqui na clínica em observação.”
“-O que há errado com ela?”
“-Ainda não sei. Mas não lhe dê leite por um dia ou dois. Somente água. E eu gostaria de uma amostra do leite para examiná-lo.”
“-Eu trouxe a mamadeira dela. Ela estava bebendo quando teve o ataque.”-Patrícia me estendeu a mamadeira. Era um modelo novo, diferente das que eu já tinha visto. No recipiente onde era colocado o leite, havia um longo canudo, por onde a criança sorvia o leite. Aquele formato de mamadeira me preocupou.
“-Essa mamadeira...onde conseguiu?”
“-O sr. Jeff começou a vendê-la no armazém. É um modelo novo.”
“-Ah, não...acho que descobri, mas preciso examinar essa mamadeira. Posso ficar com ela?”
“-Claro, doutora. Tudo para ver minha pequena melhorar.”-Encaminhei Patrícia e a pequena Emma até um dos quartos para descanso e fui examinar a mamadeira. Vitória entrou logo em seguida.
“-O que está fazendo, Ana?”-Perguntou achando estranho quando me viu cortando o canudo da mamaeira no meio.
“-Me passa o microscópio por favor, Vi.”-Ela trouxe o microscópio e continuei: “-Essa mamadeira era igual a que a sra. Norris estava usando com Michel.”-Retirei uma amostra do leite que havia dentro do canudo e coloquei na lâmina do microscópio e lá estava a causa da morte do pequeno Michel.
Falei para Vitória sobre minha descoberta e corremos em direção ao armazém do Jeff. Ele precisaria devolver todas as mamadeiras ao fabricante.
Estávamos empacotando o lote de mamadeiras quando o Sr. Norris chegou acompanhado do juíz Frederick e do Dr. Cassidy que ainda estavam na cidade.
“-Ali está ela, Juíz! Ela estava praticando medicina em um bebê!”-O sr. Norris falou paressado.
“-Dra. Caetano!”-O juíz falou, chamando minha atenção.
“-Juíz Frederick, que bom que o senhor chegou!”-Falei animada. “-Vamos até minha clínica. Preciso lhes mostrar algo, com urgência.”-Eles me olharam com desconfiança mas me seguiram até a clínica, juntamente com uma multidão de pessoas curiosas. Nós entramos e Vitória e os outros ficaram espiando pela janela:
“-Como podem ver, o formato da mamadeira torna impossível manter a pipeta limpa Quando os bebês sorvem, ingerem resíduos de leite ruim junto com o leite fresco e isso causa a infecção.”-Expliquei para o juíz e para os Norris enquanto o Dr. Cassidy examinava o resíduo de leite em meu microscópio .
“-Ela está certa.”-O Dr. Cassidy confirmou.
“-Então foi culpa nossa?”-A sra. Norris perguntava ao seu marido.
“-Foi a mamaderia. Niguém poderia imaginar que era perigosa.”-Falei à senhora Norris.
“-Vamos nos certificar que o fabricante seja autuado. E com certeza concordamos que a licença da Dra. Caetano deve ser reintegrada e que o julgamento por negligência foi um equívoco, juíz.”-Dr. Cassidy disse.
“-Algum argumento, sr. Norris.”-O juíz perguntou ao homem que negou com a cabeça. Ele continuou: “-Nesse caso, todas as acusações foram retiradas.”-O juíz acabou de falar e ouvimos as palmas das pessoas que estavam do lado de fora da clínica.
Saímos do colsultório ainda sob os aplausos dos moradores da vila. Alguns vieram me feliciatar me abraçando. Por último, veio Vitória me beijando nos lábios:
“-Bom trabalho!”-Ela elogiou.
“-Sinto como se tivesse tirado uma tonelada das minhas costas, Vi.”-Disse abraçada à ela.
“-Te ver lutar pelo que tu ama é inspirador, tia Ana! Tô muito feliz que tu conseguiu provar que eles tavam errados!”-Sabrina veio pulando em nós duas.
“-Tu é braba, NaClara!”-Vitória falou me levantando do chão.

No próximo capítulo de Dra. Caetano: Depois de quase dois meses sem dar notícias, Arthur retorna para Northfolk com um novo visual, na compania de uma mulher mais velha.Terá a cidade grande mudadoo rapaz?
Não perca as emoções finais de Dra. Caetano, no capítulo ‘Tudo que Reluz’.

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