A Queda

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Era mais um dia de sol, tranquilo na aldeia Corre Ventos. Vitória havia aberto os portões da aldeia para o povo de Tâmara então o movimento por aqui estava aumentando. As tropas treinavam juntas e Vitória estava sempre com Tâmara agora. Não estou com ciúmes, nem nada disso (bem, talvez um pouco) mas estava difícil passar um tempinho com minha amazona preferida.
Vitória, Tâmara, Sabra, Ana B, Sabrina e Flávia haviam saído para uma missão nas montanhas. Sabrina queria ter ficado aqui comigo, estudando, mas Vitória quis que ela fosse junto para treinar as habilidades ao ar livre.
Eu estava concentrada, na casa de Sabra escrevendo um artigo sobre saúde para a Gazeta de Northfolk , quando elas entraram correndo pela casa.
“-Drª Caetano, por favor, ajude Sabrina! O cavalo dela se assustou com algum animal e ela sofreu uma queda. Me relatou Sabra desesperada, com Sabrina desacordada em seus braços.
“-Calma, Sabra. Deite ela aqui. Vou examiná-la”-Peguei meus instrumentos e comecei checar seus sinais.
Vitória andava de um lado para outro pelo quarto, com as mãos na cabeça.
“-A culpa é minha! Eu não devia ter insistido pra ela ir.”-Disse Vitória secando as lágrimas.
“-Estou vendo as marcas da queda pelo corpo, mas na cabeça não estou sentindo nenhum abscesso. Temos que esperar ela acordar e acompanhar as próximas horas.”- Pedi que todas se retirassem, deixando apenas as mães no quarto com a menina.
Estávamos todas em silêncio do lado de fora do quarto quando AnaLu me avisou que Sabrina havia acordado. Entramos.
“-Ei! Como tá minha aluna preferida?”-Perguntei checando seus reflexos.
“-Doutora, eu tô com a visão embaçada. Não tô conseguindo ver direito.”
As mães me olharam com preocupação. Fiz um exame de fundo de olho. Não vi nada errado.
“-Siga meu dedo só com os olhos, Sabrina.”- Comecei movimentar a mão para esquerda e direita. “-Por que você não tá seguindo, Sabrina?”
“-Minha visão apagou, doutora. Não estou vendo mais nada.”-Era muito grave. Danos neurológicos não eram minha especialidade. Eu precisava de um especialista.
“-Fique calma, Sabrina. Isso pode ser temporário. Preciso fazer mais uns testes. Agora descanse.”-Chamei Sabra e AnaLu pra fora do quarto e expliquei a situação.
“-Provavelmente um coágulo se formou no cérebro dela, bloqueando o globo ocular. Vou precisar abrir para drenar o coágulo mas preciso de ajuda. Não tenho experiência em neuro cirurgia.”-Falei sincera.
Vitória saiu correndo porta à fora enquanto Sabra e AnaLu choravam por sua filha.
“-Eu vou até a vila enviar um telegrama para a Universidade de Westfolk. Eles tem ótimos neuro cirugiões lá. Tenho certeza que um deles ficará contente em ajudar.”-Falei tentando animá-las.
“-Quem vai querer ajudar uma índia? Eles estão pouco se importando se estamos vivos ou mortos.”-Disse AnaLu como um desabafo.
“-Sei que a situação é delicada, mas é nossa melhor chance. Preciso tentar. Estou indo lá agora mandar o telegrama.”-Saí da casa, montei em Ventania e estava saindo da aldeia quando Vitória me abordou.
“-Onde tu vai?”
“-Tô indo mandar um telegrama à procura de um neuro cirurgião. Preciso de ajuda, Vitória.”-Expliquei à ela.
“-Não quero brancos aqui na aldeia.”-Ela disse e não acreditei naquilo.
“-Então talvez tu não me queira aqui também. Sou branca, Vitória.”-Falei e disparei à galope. Eu já estava nervosa por não poder ajudar a menina e Vitória ainda diz isso?
Cheguei no Telégrafo e pedi para Vítor:
“-Vítor, por favor, preciso que envie um telegrama para Universidade de Westfolk.
“-Pois não, doutora, pode ditar a mensagem. Mandarei agora mesmo.”- Ele falou de pronto.
“-Para: Universidade de Westfolk. Boa tarde, preciso de um neuro cirugião com urgência para Northfolk. Jovem garota com danos neurológicos graves já perdeu a visão. Ass: Dra. Caetano.
“-Está feito, doutora. Espero que a resposta venha logo.”- Me desejou sorte.
“-Obrigada, Vítor.”-Agradeci e fui para clínica.
Já estava há algum tempo estudando sobre o cérebro e neuro procedimentos, quando Vitória entrou na clínica.
“-Desculpa, Ana, eu não quis dizer aquilo. Eu tava nervosa.”-Disse ela torcendo a blusa e olhando para o chão.
“-Mas disse. Olha, Vitória, eu também tô nervosa. Não sei o que fazer e quero trazer de volta a visão da tua sobrinha. Não descarrega tuas frustrações em mim.”-Falei o que estava engasgado.
“-Eu já pedi desculpas.”-Falou me olhando e parecia ter raiva no olhar.
“-Desculpas não vão trazer a visão da Sabrina de volta. Ela nem queria ir. Se ela tivesse ficado estudando comigo, nada disso tinha acontecido.”-Acho que exagerei. Agora era eu que estava descarregando minhas frustrações.
Vitória encheu os olhos de lágrimas e saiu batendo a porta. Droga! O que eu fiz?
Peguei  alguns livros e já estava indo para casa quando Vítor me parou na rua.
“-Drª Caetano, telegrama para senhora!”-Falou me entregando a correspondência.
“-Nem acredito que responderam tão rápido.”-Falei enquanto lia.
“-A senhora tem uma ótima reputação, doutora. Certamente tem muita gente querendo trabalhar com a senhora”-Me falou sem cerimônias.
“-Quê isso, Vítor. Quem vai querer vir trabalhar aqui no interior, comigo?”-Falei fazendo graça.
“-Bem, vou indo, doutora. Até amanhã.”-Se despediu educadamente.
No telegrama dizia que a Universidade ficou muito honrada em receber um pedido meu e que enviaria imediatamente o melhor especialista na área da neuro cirurgia. Chegará aqui em dois dias. Fui pra casa muito animada.
Chegando, me deparei com Vitória rachando lenha na frente de casa.
“-Tu não precisa fazer isso.”-Falei pra ela.
“-Tu não tinha mais lenha. Tô repondo pra ti.”-Falou sem me olhar.
“-Olha, Vitória, eu fui dura demais contigo, me desculpa.”-Fiz uma pausa e ela continuava rachar a lenha. “-Eu recebi um telegrama da Universidade. Eles tão mandando um especialista pra acompanhar o caso da Sabrina.”-Terminei e agora ela me olhou.
“-Que ótima notícia! Vou falar pra Sabra e AnaLu. Tu vem comigo pra Corre Ventos?”-Me perguntou pegando na minha mão.
“-Não, Vitória, preciso estudar. Trouxe os livros lá da clínica e vou virar a noite. O especialista chega em dois dias. Preciso me preparar pra cirurgia.”-Ela ficou pensativa.
“-Então vou ficar aqui contigo e faço a janta pra ti. Quando tu entra pra dentro dos livros, não pára nem pra comer. Vou garantir que tu esteja forte pra correr tudo bem na cirurgia.”-Falou e deu um meio sorriso. Meu coração quase saltou pela boca.
“-Tá bem, mas não pode fazer muito barulho, tá?”
“-Tu nem vai notar que tô aqui.”-Ela disse e me agarrou pela cintura colando em mim e roçando seus lábios em meu pescoço. Deixou um beijo alí e subiu para meus lábios, me deixando sem ar, num beijo profundo e apaixonado. 
“-Meio difícil não te notar depois desse beijo.”-Falei sorrindo com meus lábios colados nos seus.

Vitória’s PoV:
Ana foi dura comigo mas eu não podia deixar a bichinha sozinha em casa, passando fome. Entramos e, enquanto ela preparava suas coisas para estudar, fui aquecer bastante água para seu banho e depois começaria a fazer a janta.
Ana tomou banho rapidamente e sentou-se à mesa para estudar. Ela é muito focada e determinada. Acho que não tem nada que Ana não consiga fazer. Ela é incrível e isso sempre me causa insegurança porque ela é grande demais pra essa cidade. Já estão tentando levá-la daqui. Tenho medo que um dia ela vá. É egoísmo meu querer ela só pra mim?
Fiz a carne assada que Ana tanto gosta, embora eu mesma não coma. Preparei um prato bem reforçado e coloquei na mesa. Ela ia comendo mas sem tirar os olhos dos livros e de suas anotações.
Lavei  a louça e arrumei a cozinha. Arrumei o quarto de Ana que estava uma zona de guerra e voltei para cozinha com um cobertor para cobrir os ombros dela. Coloquei mais lenha na lareira e fui me deitar. Já passava da meia-noite. No dia seguinte eu iria para aldeia dar a notícia a minha irmã e AnaLu.
Acordei no meio da madrugada e fui dar uma olhada em Ana Clara. Ela dormia em cima dos livros. A lareira estava apagada. Ela ficaria doente se ficasse ali no frio. Fui até ela e a trouxe para cama. Estava tão cansada que nem acordou. Ela é sempre assim, trabalha até que o corpo não aguente e apague em qualquer lugar.
Acordei cedo. Sovei o pão e coloquei assar para Ana tomar café mais tarde. Tentei não fazer muito barulho pra não acordá-la mas não deu certo.
“-Por que tu não me acordou?”- Me perguntou com aquela cara de sono.
“-Porque tu tem que descansar também. Tu apagou em cima da mesa ontem.”-Disse enquanto passava o café. “-Óia, fiz teu pão e tem café no bule. Tô indo lá pra Corre Ventos dar a notícia pra elas. Já sei que tu vai ficar estudando. Preciso resolver uns assuntos na aldeia mas à noite eu volto, tá?”-Ela me respondeu balançando a cabeça positivamente e ainda esfregando os olhos. Coisa mais linda da vida.
Puxei ela pra mim, colei minha testa na dela e fitei seus olhos.
“-Eu te amo de um tanto que deve ser até pecado, pequena.”-Beijei-a da forma que mais gosto: calmamente, explorando sua boca completamente, para que ela consiga sentir meu amor.
Parei o beijo de forma lenta e me despedi. Ela me levou até a porta e eu já estava partindo com Trovão, quando ouvi Ana me chamar.
“-Ei!”-Me virei para olhá-lá. “-Eu te amo, Vitória.”-Joguei um beijo pra ela e segui para aldeia.

Dra. CaetanoOnde histórias criam vida. Descubra agora